06 Mai 2025
"Indubitavelmente, o Brasil precisa de menores taxas de juros e de maior nível de ocupação, com elevação da taxa de investimento e do nível de produtividade geral dos fatores de produção. Seguramente, trabalho, educação e saúde são direitos humanos básicos."
O artigo é de José Eustáquio Diniz Alves, publicado por EcoDebate, 05-05-2025.
A política do COPOM de aumentos escorchantes da taxa real de juros é uma iniciativa regressiva que retira dinheiro do setor produtivo e transfere para o setor financeiro.
A população brasileira no primeiro trimestre de 2025 está estimada em 218 milhões de habitantes e o total de ocupados em 102,5 milhões de pessoas, conforme dados da PNAD contínua do IBGE. Isto significa que o percentual de pessoas ocupadas no Brasil é de 47% no início de 2025.
Portanto, a maioria da população brasileira está “desocupada”. Este fato contrasta com o exemplo de países – como a China e o Vietnã – que em pleno bônus demográfico – tinham cerca de 60% da população ocupada e contribuindo para a geração de riqueza. Se o Brasil seguisse o exemplo destes países do leste asiático teria atualmente 130 milhões de pessoas ocupadas no mercado de trabalho.
Mas nas análises do Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central do Brasil o mercado de trabalho está aquecido, com baixas taxas de desemprego e com aumento dos rendimentos, o que seria o motivo de pressão sobre a inflação. O remédio recomendado pela autoridade monetária é aumentar a taxa de juros para desaquecer a produção de bens e serviços, aumentar o desemprego e reduzir os salários.
Mas esta narrativa do Banco Central não se sustenta com base em uma simples análise dos dados do mercado de trabalho.
A taxa de desocupação (chamada de desemprego aberto) ficou em 7,0% no trimestre de janeiro a março de 2025, a menor taxa da série histórica que começou em 2012. Em termos absolutos são 7,7 milhões de pessoas que não estão ocupadas, mas estão procurando trabalho. Aparentemente, este dado confirma a preocupação do COPOM, embora 7,7 milhões de pessoas sem emprego já seria um número enorme para justificar o conceito de pleno emprego.
Todavia, a situação da desocupação é muito mais séria. A PNADC mostra que a taxa composta de subutilização no trimestre encerrado em fevereiro foi de 15,9% (maior do que a taxa de 2014), o que representa 18,5 milhões de pessoas subutilizadas, equivalente à toda a população do Chile.
A PNAD contínua também mostra que do total de 102,5 milhões de ocupados um percentual de 38% estão na informalidade (e na baixa produtividade), o que representa 38,9 milhões de pessoas sem as condições adequadas de trabalho para a realização pessoal e para a produtividade nacional.
Somente estes números já seriam suficientes para mostrar que o Brasil está longe do pleno emprego. Evidentemente, a situação de pleno emprego não significa 100% das pessoas ocupadas. Existe o chamado desemprego friccional que é um tipo de desemprego que ocorre naturalmente em qualquer economia dinâmica. Ele se refere ao período em que um trabalhador está entre empregos — ou seja, quando está procurando um novo trabalho que melhor se encaixe em suas habilidades, interesses ou condições desejadas, mesmo que haja vagas disponíveis no mercado.
A despeito da flexibilidade do conceito, é inaceitável considerar que o Brasil está próximo do pleno emprego quando a PNADC registra 7,7 milhões de pessoas no desemprego aberto (mais que a força de trabalho de Portugal), 18,5 milhões de pessoas subutilizadas (mais que a força de trabalho da Austrália) e quase 40 milhões de pessoas na informalidade (mais do que a força de trabalho da Argentina).
Para agravar a situação, o Brasil tem cerca de 10 milhões de jovens de 15 a 29 anos que nem estudam e nem trabalham (a geração nem-nem). A grande maioria deste enorme contingente é composta por meninas que muitas vezes ficam grávidas por serem vítimas de violência sexual. Com filhos pequenos para cuidar, em geral, estas jovens abandonam a escola e não conseguem se inserir no mercado de trabalho.
Existe também a discriminação de gênero. De um total de 106,5 milhões de homens brasileiros, 58 milhões estão ocupados (54,5%) e de um total de 111,5 milhões de mulheres, 44 milhões estão ocupadas (40%). Se houvesse maior equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho brasileiro, cerca de 14 milhões de mulheres poderiam estar inseridas nas atividades produtivas.
Por fim existe a discriminação por idade e um grande desperdício do potencial das gerações prateadas. O etarismo faz com que seja muito baixa a participação produtiva da população de 60 anos e mais de idade. Comparado com outros países, a inserção de idosos no mercado de trabalho é muito reduzida, embora existam muitas pesquisas que indicam que a população da terceira idade deseja contribuir com a geração de riqueza no Brasil.
Muitos economistas brasileiros sabem que existem um grande potencial produtivo não aproveitado na população, mas justificam o aumento da taxa de juros com base na teoria de que o mercado de trabalho brasileiro é extremamente disfuncional e ineficiente. Assim, ao invés de superar as barreiras de entrada no mercado de trabalho, acham mais fácil provocar uma recessão para diminuir a demanda de bens e serviços, empobrecendo a vida cotidiana da população do país.
No entanto, a solução para o Brasil é ter mais trabalho. Como diziam os principais autores da economia política clássica: “o trabalho é a fonte de riqueza das nações”. Uma das principais bandeiras da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é “Pleno Emprego e Trabalho Decente”. Decerto, não há escassez de mão de obra no Brasil atual, no máximo há uma escassez de trabalhadores qualificados em setores específicos.
A política do COPOM de aumentos escorchantes da taxa real de juros é uma iniciativa regressiva que retira dinheiro do setor produtivo e transfere para o setor financeiro, reduzindo a demanda agregada ao invés de aumentar a oferta de bens e serviços. O Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, diz o seguinte: “Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.
Indubitavelmente, o Brasil precisa de menores taxas de juros e de maior nível de ocupação, com elevação da taxa de investimento e do nível de produtividade geral dos fatores de produção. Seguramente, trabalho, educação e saúde são direitos humanos básicos.
O Brasil precisa de mais trabalhadores e de maior oferta de bens e serviços para manter a inflação baixa e melhorar as condições de vida em termos sociais e ambientais.