19 Março 2025
A tradução italiana e publicação da Bíblia de Jerusalém completa 50 anos. Um best-seller que está desfrutando de um renovado sucesso de vendas, para leitores que precisam das ferramentas adequadas. O historiador Alberto Melloni nos fala sobre sua importância e atualidade.
A reportagem é de Francesco Peloso, jornalista, publicado por Domani, 17-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em um momento em que vários textos sagrados estão desfrutando de um sucesso renovado com o público e até mesmo sendo brandidos por alguns líderes políticos que se sentem investidos pela vontade divina, a Bíblia de Jerusalém, publicada na Itália pela editora EDB (Edizioni Dehoniane Bologna), completa 50 anos e é publicada em uma nova edição. Trata-se de um texto em muitos aspectos excepcional: editado pela École biblique et archéologique française de Jérusalem, assumiu um significado particular devido ao extraordinário aparato de notas histórico-teológicas, mas também linguísticas e de comparações com outros textos que a diferenciam, conseguindo manter unidos o aspecto de divulgação e o mais erudito, ou seja, útil também para os estudiosos.
“Na leitura da Bíblia, um dos problemas que existem hoje, por exemplo, na Igreja Católica Romana, é o esforço para ensinar todos a lerem a Bíblia; um esforço que, até algumas décadas atrás, era muito pronunciado e que hoje parece ter diminuído. Há muito mais um uso espiritual da Bíblia, um uso imaginativo, um uso no qual o texto se torna quase como uma metáfora de motivações psicológicas internas e, portanto, ilumina você sobre tais aspectos”.
Quem explica nesses termos os riscos implícitos no renovado sucesso da Bíblia não acompanhado por um adequado ensinamento, é o prof. Alberto Melloni, historiador do cristianismo, presidente do grupo editorial “il Portico”, ao qual, com outras marcas, a EDB também se liga, e secretário da Fundação para as Ciências da Religião.
No entanto, acrescenta, “se existe um retorno à Escritura e ao amor pela Escritura, isso sempre promete bem do ponto de vista da vida das igrejas, não tanto porque o fato em si poderia ser um sinal de alguma coisa, mas porque a vida cristã precisa de alimento e o alimento sempre foi esse, não há outro que o substitua. Você pode acrescentar tudo o que quiser, de pinturas a corais e qualquer outra coisa, mas aquele continua sendo o fundamento de existir”.
Melloni, na segunda-feira, 17 de março, às 17h45, esteve com o cardeal Matteo Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana, e com o jornalista Aldo Cazzullo, do Corriere della Sera, no encontro a ser realizada na igreja de Santa Maria della Pietà, em Bolonha, para a apresentação da nova edição da Bíblia de Jerusalém.
Então, Prof. Melloni, é preciso fazer, ou refazer, um trabalho para ensinar a ler a Bíblia...
Devemos tentar levar a sério o fato de que os fiéis comuns precisam reaprender a lidar com esse texto, como extrair dele um alimento que lhes sirva, não para decidir se gostam ou não do papa, mas para decidir algo sobre sua vida cristã e sua vida interior, porque é muito significativo que um número não pequeno (de realidade) até de fiéis praticantes tenha delegado sua vida interior a experiências que não são mais bíblicas. São experiências de natureza mística, mariológica, devocional, pensa-se em todo o mundo pentecostal que também está presente entre nós e que permeia todas as igrejas, ou de natureza ideológica. Há aquela frase extraordinária de Benito Mussolini: “Eu sou católico e anticristão”, que, se não fosse dele, poderia ser usada por muitos líderes políticos das direitas europeias e outras. Porque existe essa ideia de que se usa o catolicismo como uma bandeira de identidade, mas, em relação ao conteúdo cristão do cristianismo, há um desinteresse, na verdade uma certa repulsa em adotá-lo porque é considerado antiquado ou errado.
Então, há também um uso ideológico da Bíblia, basta pensar no uso político que o presidente Trump faz dela; como surge uma escolha assim?
Uma das características do texto bíblico, que vale para muitos dos textos sagrados das tradições religiosas, também é verdadeira para o Alcorão, por exemplo, assim como para a Bíblia hebraica e a Bíblia cristã, é que a Palavra aparece como é entregue ao texto escrito, portanto, é uma palavra desarmada. Portanto, é uma palavra que demanda hermenêutica. Portanto, a Bíblia não se defende, assim como o Alcorão não se defende. Não é que ela ensine violência ou paz, ensina o que a pessoa quiser. A Bíblia, desse ponto de vista, é um texto exposto, é um texto que não se defende, deixa-se usar, o que é verdade para o fundamentalismo bíblico da mesma forma que o corânico dos salafistas ou o extremista dos ortodoxos. O dos cristãos é um extremismo bíblico que se baseia, por exemplo, no chamado literalismo, ou seja, uma interpretação muito mecânica e literal não do texto, mas de algumas partes do texto.
Quais são as características que tornam a Bíblia de Jerusalém de alguma forma especial em comparação com outras edições?
Após o Concílio Vaticano II, a Bíblia passou de um livro proibido para um livro recomendado, de algo que tinha de ser abortado com cuidado para algo que tinha de ser adotado. E a Itália está em uma situação um tanto peculiar, porque no país não havia uma tradição de traduções da Bíblia tão forte quanto em outros países, como Inglaterra, França ou Alemanha. Aqui havia apenas a Bíblia de Diodati, que era, por definição, a Bíblia dos protestantes.
Depois do Concílio, a Conferência Episcopal Italiana, que nascia naquele momento, começou a traduzir a Bíblia para o italiano, que se tornou o texto da CEI e que - essa também é uma característica italiana - é um texto que depois teve correções que foram passadas para a liturgia, mas é um texto que também se impôs em relação a muitas outras coisas. Na França, a École Biblique de Jerusalém tinha começado, nos anos 1950, a fazer uma edição anotada da Bíblia, que chamava justamente de Bíblia de Jerusalém, e foi publicada primeiro livro por livro e depois, após o Concílio, saiu um único volume nessa edição muito rica e anotada; com cerca de um quarto da página composta de notas e explicações do texto, cada livro tendo também sua própria introdução.
Na Itália, quando a EDB decidiu traduzir a Bíblia de Jerusalém, que foi uma empreitada colossal, foi tomada a decisão, em acordo com o episcopado, de traduzir as notas e, ainda assim, manter a tradução da CEI para o texto. Hoje, na Itália, existem outras versões anotadas da Bíblia, mas a Bíblia de Jerusalém foi e continua sendo não só um best-seller, mas a Bíblia por excelência, porque é aquela que permite a quem a consulta não se encontrar diante de um texto totalmente nu, com todas as suas dificuldades e incompreensibilidades críticas, mas de um texto rico que reúne, na medida do possível, um uso meditativo da escritura e também um uso para o estudo e o ensino. Assim, ela se torna um texto de referência que conecta esses dois mundos: o da devoção, se assim posso dizer, ou seja, da leitura espiritual, e o da leitura científica; o que é uma coisa bastante importante, porque a distância entre esses dois universos constitui um risco muito grande de mal-entendidos: ou seja, de fazer com que a Bíblia se torne uma espécie de código cultural, retirando seu conteúdo teológico, ou de fazer um uso fanático dela, que é o que o que agrada aos terroristas fundamentalistas, por exemplo. Na sua opinião, como estudioso, qual é a relação entre o Papa Francisco e a Bíblia?
O Papa Francisco é o primeiro papa que se tornou padre depois do Vaticano II. Portanto, ele é um daqueles padres, um daqueles homens, que tem uma familiaridade com as escrituras muito diferente da que outros tinham, um padre que foi pai, pastor, educador de uma comunidade cristã que voltou a ler a Bíblia com entusiasmo. Em Francisco, há o uso da Bíblia de alguém que não tem o complexo da Bíblia. Certamente, em todo caso, a leitura da Bíblia não é algo que faça parte de suas recomendações padrão, digamos assim. Penso mais justamente por esse aspecto biográfico de padre pós-conciliar, ou seja, aquele que viveu aquela experiência lá, e não imagina que esse seja hoje um dos problemas dos muitos padres que, em vez de ler a Bíblia, leem sobre a assim chamada espiritualidade.