18 Março 2025
"Basta assistir a uma missa para perceber as atuais dificuldades ao comentar as Escrituras. Nas homilias, o Evangelho é frequentemente reduzido ao roteiro de uma história sobre Jesus. No século XVI, circulavam Bíblias traduzidas para o vernáculo três séculos antes, mas a história das dificuldades com a tradução começa com Lutero”, conta o professor Alberto Melloni, professor de História do Cristianismo na Universidade de Modena-Reggio Emilia, titular da Cátedra UNESCO de Pluralismo Religioso e diretor da Fundação João XXIII para as Ciências Religiosas.
Amanhã, na igreja Santa Maria della Pietà, em Bolonha, o historiador da Igreja apresentará, juntamente com o presidente da Conferência Episcopal Italiana, Cardeal Matteo Zuppi, e o jornalista Aldo Cazzullo, a nova edição da Bíblia de Jerusalém, no 50º aniversário de sua primeira publicação. Uma oportunidade para refletir sobre o poder transformador da Bíblia, um texto que marcou e continua a inspirar a cultura e a espiritualidade de milhões de pessoas. O crescente apreço pelo texto sagrado também se reflete no sucesso editorial: em 2024, as cópias vendidas aumentaram 21% em relação ao ano anterior. Mas hoje, quando as citações bíblicas ecoam na política global (desde os ‘teocon’ estadunidenses até os ortodoxos pró-Putin), é útil voltar aos padres dominicanos franceses da École Biblique, a escola bíblica e arqueológica situada no Portão de Damasco.
Entre introduções, notas e índices temáticos, desponta assim a incidência sobre a literatura, a filosofia e a arte de um texto de referência mesmo fora da esfera religiosa.
A entrevista é de Giacomo Galeazzi, publicada por La Stampa, 16-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco definiu a Bíblia como o livro por meio do qual Deus fala: “Arde como o fogo, não existe para ser colocada na prateleira”. Mas é realmente lida?
Acho que é preciso dizer que a redução da Bíblia a uma legenda de arte ou a equiparação à literatura épica é uma das armadilhas do analfabetismo religioso. O problema é outro e diz respeito à relação entre o conhecimento científico, a produção teológica e a opinião pública. O mesmo acontece com a história: a profissão e o ofício são um obstáculo. São considerados especialistas obscuros. E, quando muito, os especialistas se consideram depositários de conhecimentos que a pessoa comum deve remunerar sem restituição (não divulgação: restituição). Pelo contrário, há mídias (jornais, vídeos) que são consideradas confiáveis porque propõem considerações de ‘alguém como eu’. A reconstrução de um acesso cultivado, empenhado e metódico à Bíblia vai nessa direção”.
Por que, apesar dos esforços ecumênicos da Igreja Católica, da Ortodoxia e de muitas denominações cristãs, continua difícil chegar a um acordo sobre a tradução da Bíblia?
A história da Bíblia começa há 500 anos com Lutero. Foi ele, o ex-monge agostiniano em disputa com Roma, quem inventou a consciência individual, segundo a qual a liberdade do cristão se manifesta no conhecimento da Escritura, na experiência do poder libertador da palavra. Isso pressupõe um ato de responsabilidade individual que encontra plena expressão na Bíblia traduzida para as línguas faladas.
Um ato de rebelião contra o papado?
Na realidade, a tradução vernácula é anterior a Lutero. Mario Cignoni traduziu o Evangelho de João em 1266: o texto vernacular mais antigo. É uma daquelas traduções que São Francisco também conhecia, como também é retratado no filme de Liliana Cavani, aquele que começa com o herege esfolado de cujos bolsos cai um pequeno evangelho que o Poverello de Assis pega, lê e define como Escritura sine glossa, porque não havia espaço na página para anotações. E o mesmo aconteceu com a língua francesa.
O monge Giuseppe Dossetti, vice-secretário do Partido Democrata Cristão e depois fundador em Monte Sole da Pequena Família da Anunciação, sustentava que as grandes mudanças “laicas” da humanidade são precedidas por mudanças teológicas. Isso também vale para as traduções da Bíblia?
Sim. Em reação a Lutero, o Concílio de Trento canonizou uma única tradução da Bíblia, a mais bela de todas, a de São Jerônimo. Todas as outras traduções foram proibidas, enviadas para a fogueira, enquanto o uso da Escritura sine glossa coincidia com ambientes suspeitos de pauperismo e contestação da sociedade eclesiástica. Durante séculos, a leitura filológica da Bíblia desencadeia o corpo a corpo entre a Igreja Católica e a modernidade. É por isso que a Bíblia foi colocada sob controle pelos pontífices até a Dei Verbum, a constituição dogmática do Concílio Vaticano II sobre a revelação divina e a sagrada escritura.
Como se chegou à Bíblia de Jerusalém meio século atrás?
Desde a década de 1950, os dominicanos franceses na cidade santa estavam trabalhando para traduzir para o francês e anotar uma Bíblia diferente da Bíblia galicana, huguenote e daquela lida por Pascal. Um aparato de anotações de grande inteligência contribuiu para um sucesso capaz de conectar a alta cultura e a linguagem corrente. Até os dias de hoje, na Itália, houve pouquíssimas traduções da Bíblia orientadas para uma linguagem mais acessível. Após o Concílio Vaticano II, os bispos italianos foram os primeiros a se munir de uma única tradução, mais tarde retocada em alguns detalhes para se aproximar da linguagem falada. Agora estamos comemorando o 50º aniversário da Bíblia de Jerusalém e estamos novamente nos questionando sobre como ler as Escrituras.
Enquanto isso, porém, um uso “político” da Bíblia está se afirmando, especialmente nos Estados Unidos?
O termo fundamentalismo nasce precisamente do uso das Escrituras para fixar as chamadas questões não negociáveis. É o retorno à Bíblia em busca de segurança na fé, porque a sociedade atual parece ter apenas duas certezas: o fim do mês e o fim do mundo. Ao mesmo tempo, é comum se deparar com um jovem clero ritualista que tem bem pouca relação com a Bíblia e oferece uma sua interpretação na forma de slogan. Assim, em vez de meditação, há o acompanhamento psicológico.