07 Novembro 2024
Mohannad Saad Adam tinha 19 anos e um sonho: chegar à Europa. Ele já havia tentado várias vezes, tentando a travessia por mar, primeiro da Líbia e depois da Tunísia. Todas as vezes foi mandado de volta para aquele inferno do qual escapou e no qual encontrou a morte. Restam apenas duas fotos dele, a primeira, na qual ele esboça um sorriso, é uma selfie enviada à sua família, para dizer que, embora com dificuldade, sua vida em Sfax estava seguindo em frente. E que ele tentaria novamente deixar o país, pois essa era a única maneira de se salvar. A segunda, a última, mostra-o usando a mesma camiseta azul da primeira foto, mas manchada com o sangue de seus ferimentos. Ele está caído no chão, seus amigos o sacodem para reanimá-lo, mas não há mais nada a fazer. Atingido à morte.
A reportagem é de Eleonora Camilli, publicada por La Stampa, 04-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Ele era um ativista que lutava pelos direitos dos migrantes, fez isso até o fim. Ele morreu porque estava defendendo o que é justo”, enfatiza David Yambio, presidente da Refugees in Libya, que foi o primeiro a denunciar o caso que aconteceu há uma semana. “Conheci Mohannad em 2021 na Líbia, era pouco mais que um garoto. Juntos, participamos dos protestos em frente à sede do ACNUR na Líbia e, em seguida, ele foi preso e detido no campo de Ain Zara”. Em 2023, Mohannad havia se mudado para a Tunísia, onde continuou a denunciar a falta de proteção para migrantes e refugiados. As modalidades de sua morte ainda não estão claras, mas amigos que estavam com ele dizem que foi uma execução. “Um grupo de sudaneses havia se aproximado de uma chácara para lavar o rosto”, conta Yambio, ”quando um homem saiu da casa gritando frases racistas e pedindo que fossem embora, o que eles fizeram, enquanto ele disparava primeiro para o ar e depois sobre o grupo. Uma pessoa ficou gravemente ferida. Então Muhannad voltou ao local para pedir uma explicação e eles o mataram a tiros”. Mas para o presidente da Refugees in Lybia, sua morte não é um caso isolado: “A Tunísia é um país muito perigoso para os migrantes. Todos os dias há pessoas que são agredidas ou ameaçadas. O racismo é generalizado, os migrantes, especialmente os negros, são privados de qualquer forma de assistência social, e até mesmo alugar uma casa é muito difícil. Como se pode considerá-lo um país seguro?”.
Também para a ONG Mediterranea saving humans, Mohannad “sempre continuou a lutar por justiça, para construir solidariedade com todas as outras pessoas oprimidas. E foi assassinado em circunstâncias misteriosas. Naquela Tunísia à qual os nossos governos querem confiar a contenção de migrantes”.
O caso do ativista sudanês assassinado reabre as polêmicas sobre o governo de Kais Saied, o tratamento dado aos subsaarianos e seu acordo com a Itália. Também em vista das novas transferências de migrantes para a Albânia e de possíveis repatriações. “Atualmente, a Tunísia não é um país seguro nem mesmo para os próprios tunisianos. Saied levou a uma erosão contínua dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. Os opositores políticos hoje estão na prisão”, enfatiza Sara Prestianni, da EuroMed Rights. “Além disso, há um clima de terror que também afeta os migrantes subsaarianos”. Prestianni lembra o caso de Sonia Dahamani, advogada e jornalista presa por criticar a gestão da imigração e o problema do racismo generalizado no país. “A violência legitimada pelos discursos de ódio é apenas uma das muitas expressões da deriva democrática que caracteriza o país, que não pode ser considerado seguro. Há também algumas sentenças que confirmam isso”.
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