09 Mai 2024
"É realmente urgente sermos responsáveis, pensar, agir (e por que não, também votar) com uma visão ecológica integral, que o Papa Francisco já delineou claramente na Laudato si'. Ela pode/deve também se tornar um caminho teológico e catequético, não apenas sistemático, mas também crítico, a ser seguido tanto nas salas de aula universitárias quanto nas paróquias e no ensino catequético", escreve Vincenzo Bertolone, arcebispo emérito de Catanzaro-Squillace, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 08-05-2024.
Eis o artigo.
"Finalmente colocamos fim à irresponsável brincadeira que apresenta a questão apenas como ambiental, 'verde', romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses econômicos. Finalmente admitimos que se trata de um problema humano e social em sentido amplo e em vários níveis". São solicitações solenes da exortação apostólica Laudate Deum do Papa Francisco, publicada oito anos após a encíclica Laudato si’.
Um convite "urgente" - significativamente insistente nos últimos dez anos - para parar com as "brincadeiras", especialmente com exortações que não tenham efeitos reais e comprováveis. Precisamos dramaticamente admitir, portanto, que estamos diante de um tema universal, que requer ideias e ações urgentes, não mais adiáveis.
Tudo isso foi dito pelo Papa também em vista da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima em Dubai (COP 28), que então se encerrou na quarta-feira, 13 de dezembro de 2023, com um acordo e um objetivo, aprovado na sessão plenária: manter o compromisso de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C.
Após Dubai, em dezembro de 2023, o Ministro italiano do Meio Ambiente e da Segurança Energética teve, no entanto, que falar novamente em termos de "compromisso alcançado como equilibrado e aceitável para esta fase histórica, caracterizada por fortes tensões internacionais que pesam sobre o processo de transição"; em suma, "o melhor resultado possível"; certamente, ainda não a solução desejada para o problema ambiental.
Preocupações angustiantes pela casa comum
Essas palavras de abertura da exortação apostólica Laudate Deum foram escritas pelo Papa alguns meses antes da COP 28, com o objetivo de reiterar - como ele mesmo expressou - "minhas preocupações angustiantes com o cuidado de nossa casa comum".
Tratando-se de um problema social global, declarado pelo pontífice intimamente ligado à dignidade da vida humana, não apenas se esclarece o porquê, mas a relevância e o sentido daquele importante pronunciamento do magistério. Tudo dentro do horizonte de uma verdadeira e significativa "mudança de rumo", que os economistas cristãos têm destacado repetidamente no ensinamento social da Igreja nos dias de hoje.
Não se trata de uma invasão de campo (estamos, de fato, no âmbito da doutrina social da Igreja, sobre a qual o magistério da Igreja é pertinente); nem se trata apenas de, por assim dizer, "piscar o olho" para as atuais propostas mundiais e europeias de uma economia verde, que não são desconhecidas pelo pontífice, que explicitamente recordou a Conferência do Rio de Janeiro em 1992, afirmando autoritariamente que ela "levou à adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), um tratado que entrou em vigor quando as ratificações necessárias foram alcançadas pelos países signatários em 1994. Esses Estados se reúnem anualmente na Conferência das Partes (COP), o mais alto órgão decisório. Algumas foram um fracasso, como a de Copenhague (2009), enquanto outras permitiram passos importantes, como a COP3 de Kyoto (1997). Seu valioso Protocolo é o que estabeleceu o objetivo de reduzir as emissões totais de gases de efeito estufa em 5% em relação a 1990. O prazo era 2012, mas evidentemente não foi cumprido".
A "Europa verde" às vésperas de uma eleição
Do pensamento social da Igreja, portanto, vem um forte impulso para um tema e um campo que hoje ressurge significativamente no debate pré-eleitoral. A Comissão Europeia já adotou uma série de propostas para tornar as políticas da UE sobre clima, energia, transporte e tributação adequadas para reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa em pelo menos 55% até 2030, em comparação com os níveis de 1990.
Fala-se, assim, do Pacto Ecológico Europeu, apresentado também como a âncora de salvação para sair definitivamente da pandemia de Covid-19. Estamos realmente diante de um impulso emergente para o atual debate político e eleitoral. Além disso, um terço dos 1,8 trilhão de euros de investimentos do plano de recuperação NextGenerationEU e do orçamento de sete anos da UE financiará, precisamente, esse Pacto Ecológico Europeu.
As questões ainda são muitas: como e com quem implementar políticas que salvem vidas humanas, reduzam os custos e protejam a prosperidade? Quem lidará com as preocupações de muitos europeus diante das temperaturas recordes e eventos meteorológicos extremos registrados no último ano? Quem e como tornará a Europa climaticamente "neutra" até 2050, impulsionando a economia por meio da tecnologia verde, criando indústrias e transportes sustentáveis e reduzindo a poluição?
O que está em jogo, e sobre o qual será necessário responder no debate político, é realmente transformar os desafios climáticos e ambientais em oportunidades, visando a uma transição justa e inclusiva para todos. E tudo isso considerando que o alcance do desafio não é o mesmo para todos os europeus, dado que as regiões dependentes de combustíveis fósseis e indústrias de alta intensidade de CO2 (17 Estados membros!) serão especialmente afetadas e passarão por uma profunda transformação econômica, ambiental e social.
Não apenas mudanças de rótulos
Em 26 de fevereiro de 2021, o nosso Conselho de Ministros também aprovou o decreto-lei "Ministérios" (lei desde 16.12.2022), que reorganizava competências e estruturas de alguns ministérios e oficializava o nascimento do Ministério da Transição Ecológica (Mite), que substitui o Ministério do Meio Ambiente e da Proteção do Território e do Mar.
Transição ecológica é a nova palavra de ordem na Itália, em vista da nova
coordenação das políticas nacionais para a transição ecológica e sua programação política, econômica e social.
São muitos os temas e nós em discussão: desde a água (existem riscos de uma guerra planetária por este recurso essencial), até a administração ambiental marítima, das áreas protegidas ao ar. Tudo isso com consequências bioéticas, sociais e econômicas significativas, que interpelam a doutrina social católica.
Tornam-se cada vez mais urgentes e centrais as questões da biodiversidade e da biossegurança, dos OGMs e do acesso justo aos recursos genéticos, da descontaminação e do clima, para não mencionar a economia circular, a Economia Verde, a transição ecológica. Tudo isso com notáveis reflexos no plano educativo e formativo (educação ambiental, formação universitária), também para despoluir a casa comum em nível acústico, eletromagnético, químico, radioativo.
Não é coincidência que todos os partidos políticos - percebam hoje que as mudanças nas preferências dos eleitores do próximo junho passarão também pela completa neutralidade climática, o fim do uso de carvão, gás fóssil e petróleo, biocombustíveis, incentivos à energia solar, hídrica, eólica e geotérmica (energias renováveis).
É preciso se perguntar, com espírito crítico, se e quais perigos estão embutidos na promessa da nova transformação verde e, em particular, se e como ela pode ser um motor de progresso sustentável, sem novas formas de pobreza.
É facilmente previsível, a esse respeito, que o tema da justiça e equidade social acompanhe o debate político e cultural durante todo o processo de transição, uma vez que - por exemplo - a transição digital exigirá mão de obra altamente especializada, com o risco de deixar muitos trabalhadores de fora do "Novo Mundo", se não for assistido por um programa de educação, formação e qualificação.
Ainda: o novo curso será capaz de preencher a lacuna social no acesso às ferramentas digitais, ou novas formas de pobreza surgirão enquanto as antigas se agravam?
Não há também o perigo de que a produção industrial descarbonizada gere custos mais altos e torne, portanto, competitivos os preços dos produtos provenientes de países pobres, como o Brasil, sobre o qual é considerada tangível por muitos a possibilidade de que o desmatamento da Amazônia seja aumentado para lidar com um aumento adicional na demanda agrícola europeia?
Em resumo, a transição verde, para não se tornar um bumerangue social ou a transformação camaleônica da especulação financeira, deverá ser acompanhada por políticas de apoio ao trabalho, formação em novas tecnologias, proteção contra a pobreza, finanças éticas, responsabilidades internacionais.
Não reagimos o suficiente ainda
Se em 4 de outubro de 2023, por ocasião da festa de São Francisco de Assis, padroeiro da ecologia, o Papa Francisco quis publicar o Laudate Deum, ele o fez não apenas para levantar uma voz profética em direção a um cuidado renovado com nossa casa comum e uns com os outros, especialmente os mais vulneráveis entre nós e os futuros habitantes do planeta Terra. Ele também fez isso para instigar todos os crentes a um novo compromisso social, econômico e político.
Não foi este um claro indicativo de empenho educativo, formativo e catequético? Se ainda "não reagimos o suficiente" e se "o mundo que nos acolhe está se desintegrando e talvez esteja se aproximando de um ponto de ruptura", em suma, "não nos é pedido nada além de uma certa responsabilidade pela herança que deixaremos para trás após a nossa passagem neste mundo".
Se o tempo realmente está se esgotando, saberemos, como crentes em Cristo, despertar diante da gravidade da ameaça existencial à vida e à civilização neste planeta que ainda chamamos de "casa"?
É realmente urgente sermos responsáveis, pensar, agir (e por que não, também votar) com uma visão ecológica integral, que o Papa Francisco já delineou claramente na Laudato si'. Ela pode/deve também se tornar um caminho teológico e catequético, não apenas sistemático, mas também crítico, a ser seguido tanto nas salas de aula universitárias quanto nas paróquias e no ensino catequético.
A mensagem cristã pode muito bem dar alma aos muitos pacotes de iniciativas estratégicas (iniciadas pela Comissão Europeia em dezembro de 2019, com a subsequente "tomada de conhecimento" do Conselho Europeu).
Pode muito bem fazê-lo, também ajudando a resolver as divergências internas, que se concretizaram na recusa de alguns Estados em aderir aos objetivos do Pacto Ecológico, bem como a superar certas desconfianças manifestadas pelos Estados do Leste Europeu.
As visões ideais, éticas e religiosas, hoje são uma ajuda eficaz para encontrar caminhos, não apenas para a efetiva cobertura financeira no orçamento plurianual 2021–2027 (e nos subsequentes até 2050), mas principalmente para orientar o discernimento das críticas. Elas são movidas hoje por aqueles que afirmam que o acordo europeu é pouco ambicioso e possui recursos escassos em comparação com a produção econômica do velho continente e, sobretudo, em comparação com a crise da economia capitalista que, por muito tempo, dominou um mercado praticamente sem regras.
A alegria da convivência e da esperança passa, em suma, também pela educação ética e religiosa, que educa a exercer um controle cívico sobre o poder político europeu, nacional, regional e municipal.
O processo sinodal em curso, aliás, nos pede para identificar todos os caminhos a percorrer e os instrumentos a adotar em diferentes contextos e circunstâncias, para valorizar a originalidade de cada batizado e de cada Igreja na única missão de anunciar o Senhor ressuscitado e seu Evangelho ao mundo de hoje.
Não é coincidência que o Documento da Secretaria Geral do Sínodo, intitulado "Como ser Igreja sinodal em missão? Cinco perspectivas a serem aprofundadas teologicamente em vista da Segunda Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos" (14.03.2024), nos peça - no caminho comum rumo a Cristo - uma peculiar sensibilidade sinodal em relação aos espaços habitáveis e aos contextos, agora também na direção do ambiente digital: "Vivemos em uma época em que a relação das pessoas e das comunidades com a dimensão do espaço está mudando profundamente. A mobilidade humana, a presença no mesmo contexto de culturas e experiências religiosas diversas, a pervasividade do ambiente digital (a infosfera) podem ser considerados "sinais dos tempos" que precisam ser discernidos" (V).
E se os poetas voltassem?
"Faz de um rio o teu sangue [...]./ Então plante-se,/ brote e cresça/ para que tua raiz/ se agarre à terra/ perpetuamente/ e no final/ seja canoa,/ bote, balsa,/ solo, jarro, estábulo e homem". São versos de Javier Yglesias ("Chamado", na Revista Peruana de Literatura, n. 6, junho de 2007, 31), citados, junto com muitos outros, em Querida Amazônia.
Ela acrescentava, à linguagem tradicional do magistério, muitos e muitos versos de muitos poetas, na certeza de que "as várias expressões artísticas, e em particular a poesia, foram inspiradas pela água, pela floresta, pela vida fervilhante, bem como pela diversidade cultural e pelos desafios ecológicos e sociais".
Que beleza salvará o mundo? - perguntava e recordava Hipólito ao príncipe Míchkin, em O Idiota de Dostoiévski. Uma pergunta de 1869, que então evocava a situação comprometida do mundo onde se esperava, de qualquer maneira, o inevitável surgimento do bem e um resgate.
No entanto, era uma pergunta sem resposta, com o silêncio predominante, carregado da presença e compaixão do príncipe Míchkin, que se tornava uma iconografia cristológica da figura infinitamente mais bela, a de Jesus Cristo.
Hoje - como lembra Querida Amazônia - talvez seja apenas a poesia que possa nos ajudar a salvar este mundo, esta casa comum, que desejamos como o maduro fruto do acordo verde. Não é verdade que já o Sumo Poeta "com seu árduo trabalho, sustentado por um impulso poético altíssimo" quis "confiar à humanidade a mensagem de uma profunda renovação interior, que do perigo de uma experiência negativa chegue à posse definitiva do Deus Uno e Trino, segundo o itinerário de sua viagem poética ultraterrena"?
Tudo isso a poesia pode fazer, no entanto, "com a humildade de sua voz", por exemplo, a expressa naquele grande jogo - como escreveu Romano Guardini - que é a ritualidade litúrgica e seu ritmo poético e celebrativo. Se a liturgia é, ao mesmo tempo, espelho e alimento da vida da Igreja, que os poetas voltem realmente entre nós e, acima de tudo, que voltem em benefício da casa comum.
No trabalho poético, existem versos e palavras, mas também ritos e música, em suma, a grande beleza, para cuja construção também contribuem o cinema e outras obras e artifícios da inteligência humana: "Apenas as obras que conseguiram expressar a harmonia, tanto na alegria quanto na dor, a harmonia humana, são aquelas que passam para a história... É um trabalho evangélico. Também um trabalho poético, porque o cinema é poesia: dar vida é poético". Foi o que disse em 20 de fevereiro de 2023 o Papa Francisco. Além disso, "a oração é diálogo com Deus; e cada criatura, de certa forma, 'dialoga' com Deus. No ser humano, a oração se torna palavra, invocação, canto, poesia... A Palavra divina se fez carne, e na carne de cada homem a palavra retorna a Deus na oração".
Um estímulo forte e claro, se realmente queremos contribuir para o acordo verde e, sobretudo, para a desejada salvação da casa comum.
Referências
[1] Esortazione apostolica Laudate Deum del santo padre Francesco a tutte le persone di buona volontà sulla crisi climatica (4.10.2023), n. 58.
[2] Ivi, n. 2.
[3] Ivi, n. 44.
[4] Laudate Deum, n. 2.
[5] Ivi, n. 18.
[6] Esortazione apostolica post-sinodale Querida Amazonia del santo padre Francesco al popolo di Dio e a tutte le persone di buona volontà (2.2.2020), n. 31.
[7] Ivi, n. 35.
[8] Sono battute testuali della Lettera di papa Paolo VI al cardinale Amleto Cicognani in occasione del VII anniversario della nascita di Dante Alighieri (5.11.1965).
[9] Querida Amazonia, n. 46, che riprende Vinicius de Moraes, Para vivir un gran amor, Buenos Aires 2013, 166.
[10] R. GUARDINI, L’opera d’arte, Morcelliana, Brescia 1998, 31-36.
[11] Papa Francesco, Udienza generale di Mercoledì, 21 aprile 2021.
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Transição Ecológica: Notas Teológico-Pastorais. Artigo de Vincenzo Bertolone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU