07 Março 2024
"É tão recente e assustador. Em 2019, antes da pandemia de Covid-19, 1 bilhão de pessoas viviam com algum tipo de transtorno mental em todo o mundo, desse total mais de 500 milhões eram mulheres. Em 2023, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o fim do quadro pandêmico, os números de transtorno mental explodiram".
O artigo é de Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
Estamos esgotadas e fadigadas. Engolidas por agendamentos contínuos de múltiplas responsabilidades, por vezes compreendendo ser somente nosso o dever de cuidar. Um cuidar sem escuta das nossas dores. Muitas de nós estão mentalmente transtornadas, as mulheres mais pobres, pretas, quilombolas; as indígenas que moram nas cidades.
Esgotamento e fadiga produzem danos, sofrimento, sensação carregada por milhares de mulheres de diferentes faixas etárias. É o que revela o estudo Esgotadas, realizado em 2023, pela ONG “Think Olga” , envolvendo 1.078 mulheres, com idade de 18 a 65 anos de todas as regiões do Brasil. Nele, as entrevistadas expõem seus medos, tristezas, estresse e aguda baixa na autoestima em porcentuais expressivos
É tão recente e assustador. Em 2019, antes da pandemia da Covid-19, 1 bilhão de pessoas viviam com algum tipo de transtorno mental em todo o mundo, desse total mais de 500 milhões eram mulheres. Em 2023, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o fim do quadro pandêmico, os números de transtorno mental explodiram. No Brasil, 45% do total de mulheres entrevistas disseram possuir diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum tipo de transtorno mental. O Brasil lidera a prevalência de transtornos mentais e por uso de substâncias em todo o mundo: a média brasileira é de 19 mil mulheres enquanto a média global é de 13.3 mil. Igualmente alta é a taxa masculina, de 14.5 mil para os homens brasileiros contra 11.9 mil global, por cada 100 mil habitantes.
Perceber as mulheres como pessoas detentoras de dignidade e de direitos humanos é o desafio não enfrentado. A questão não é pautada pelos governos, os legisladores e as gerências das instituições nem pela sociedade civil. Os movimentos feministas e de mulheres tentam emplacar o tema em meio a luta contra o feminicídio – um tipo de epidemia que assume características de pandemia – e a escalada da violência doméstica. As ativistas também estão esgotadas e precisam ser cuidadas. A mídia ocupa-se episodicamente desse tema.
A violência política de gênero é mantida com certa naturalidade nas casas legislativas do País, dominadas por homens. Parlamentares trans sofrem repetidamente atos de constrangimentos por parte principalmente de parlamentares homens de cultura machista. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nas ultimas eleições, a cada 30 dias, ocorreram setes casos “envolvendo comportamentos para humilhar, constranger, ameaçar ou prejudicar uma candidata ou mandatária em razão de sua condição feminina”.
A saúde mental das mulheres reivindica o envolvimento responsável de diferentes setores – público, privado e a sociedade – na elaboração e execução de políticas públicas que considerem as intersecções ou consubstancialidades de gênero, raça, classe como fundamentais no desenvolvimento das ações. A OMS, em 2022, ofereceu um plano aos governos, aos acadêmicos, aos profissionais da saúde e outros setores para a adoção de outro posicionamento em relação à saúde mental, resultante do que a organização definiu como “maior revisão em saúde mental” do mundo. A meta é chegar a 2030, daqui a seis anos, com respostas efetivas aos quatro objetivos principais. São eles: liderança e governação mais eficazes para a saúde mental; prestação de serviços abrangentes e integrados de saúde mental e assistência social em ambientes comunitários; implementação de estratégias de promoção e prevenção; e sistemas de informação, evidências e investigação reforçados.
O Brasil, de modo geral, tem enorme dificuldade para cumprir esses objetivos e, quando a investigação sobre saúde mental inclui o recorte de gênero, raça, classe e por região, a situação se agrava, como no caso das mulheres da Região Amazônica. As mulheres brasileiras carregam fardos pesados demais. São pesos ignorados e ainda nominados por estereótipos – mimimis. As mulheres, se mantidas sob um sistema de adoecimento, como é hoje, também famílias e comunidades, a população – cuja maioria é de mulheres – transtornadas, doentes. A democracia padece. Ganham mais espaços o racismo, o autoritarismo, a direita radical que se alimentam na negação da equidade e na produção de mecanismos para legitimar a ideia de subalternidade das mulheres.
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Saúde mental das mulheres, quem se importa? Artigo de Ivânia Vieira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU