07 Outubro 2023
Enquanto observava a procissão na abertura do Sínodo sobre a Sinodalidade começar nas portas de bronze do palácio apostólico esta manhã, 4 de outubro, e abrir caminho através da multidão de 18.000 fiéis reunidos na Praça São Pedro até o altar em frente da Basílica, minha mente voltou às imagens de uma procissão semelhante para a abertura do Concílio Vaticano II, em 11-10-1962. Essas imagens conectaram aquele momento decisivo na história da Igreja moderna com o evento eclesial de hoje.
A reportagem é de Gerard O'Connell, publicada por America, 04-10-2023.
Fiquei impressionado primeiro com as diferenças nas procissões. Em 1962, a cruz era carregada na frente da procissão, como acontece hoje, mas depois foi imediatamente seguida pelos padres conciliares: os bispos usando mitras, ou coroas no caso dos prelados de rito oriental. Hoje, no entanto, os membros “não bispos” do Sínodo (sacerdotes, freiras, leigos e leigas) processaram-se imediatamente após a cruz, seguidos pelos cardeais (incluindo os 20 novos que Francisco criou em 30 de setembro) e pelos bispos.
Em 1962, o Papa João XXIII chegou ao fim da procissão, carregado nos ombros de leigos sobre a sedia gestatoria (um trono cerimonial). Hoje o Papa Francisco chegou numa cadeira de rodas no momento em que a cruz que conduzia a procissão chegava ao altar. Ele então sentou-se e observou enquanto os membros do Sínodo entravam.
Ao contrário dos seus cinco antecessores imediatos – João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI – Francisco não compareceu ao Vaticano II (1962-1965); mas desde o início do seu pontificado, ele se propôs com determinação a continuar a sua implementação. O Sínodo é um dos frutos desse Concílio e, com este Sínodo sobre Sinodalidade de duas sessões, o Papa Francisco procura desenvolver o seu potencial para a renovação da vida da Igreja. Na verdade, a presença de não bispos, especialmente mulheres e leigos na procissão de hoje, como membros titulares do Sínodo, já é um sinal do progresso que ele fez.
Francisco ligou repetidamente o Sínodo ao Concílio Vaticano II. Ele fez isso novamente hoje em sua homilia inspiradora e desafiadora, quando citou o discurso de João XXIII na abertura do Concílio.
Ele citou seu antecessor na homilia depois de dizer aos 494 participantes do Sínodo (365 dos quais são membros plenos com direito a voto): “E não nos ajuda um olhar imanente, feito de estratégias humanas, cálculos políticos ou batalhas ideológicas (...). Não estamos aqui para realizar uma reunião parlamentar nem um plano de reformas. (...) Não estamos aqui para parlamentar, mas para caminhar juntos com o olhar de Jesus, que bendiz o Pai e acolhe a quantos estão cansados e oprimidos”.
“O olhar de Jesus nos convida a ser uma Igreja que, com o coração alegre, contempla a ação de Deus e discerne o presente”, disse o papa. “E que, no meio das ondas por vezes agitadas do nosso tempo, não desanima, não procura lacunas ideológicas, não se barrica atrás de noções preconcebidas, não cede a soluções convenientes, não deixa o mundo ditar a sua agenda”.
Esta, disse Francisco, é a “sabedoria espiritual da Igreja”, que João XXIII “resumiu com serenidade” quando falou aos padres conciliares: “Igreja não se aparte do patrimônio sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; mas, ao mesmo tempo, deve também olhar para o presente, para as novas condições e formas de vida do mundo, que abriram novos caminhos ao apostolado”.
Embora Francisco tenha citado João XXIII apenas uma vez na sua homilia na alegre missa de abertura do Sínodo, que ele concelebrou com os 20 novos cardeais, ainda assim há muito nela que lembra o discurso do seu antecessor na abertura do Vaticano II, no qual ele disse a famosa frase: “Sentimos que devemos discordar daqueles profetas sombrios, que estão sempre prevendo desastres, como se o fim do mundo estivesse próximo”.
Francisco também tem de enfrentar “profetas sombrios” em relação ao Sínodo, alguns dos quais o veem como uma “caixa de Pandora” que desencadeará sobre a Igreja todos os tipos de desastres. Mas, como João XXIII, ele confia no Senhor e lembra a eles e aos membros do Sínodo: “Somos d’Ele e – nunca o esqueçamos – existimos apenas para O levar ao mundo. (...) Não queremos glórias terrenas, não queremos parecer bem aos olhos do mundo, mas fazer-lhe chegar a consolação do Evangelho, para testemunhar melhor, e a todos, o amor infinito de Deus”.
O papa lembrou aos participantes do Sínodo e aos seus críticos que a principal tarefa do Sínodo é “centrar de novo o nosso olhar em Deus, para sermos uma Igreja que olha, com misericórdia, a humanidade. Uma Igreja unida e fraterna, ou pelo menos que tenta ser unida e fraterna, que escuta e dialoga. Uma Igreja que abençoa e encoraja, que ajuda quem busca o Senhor, que estimula benevolamente os indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma Igreja que tem Deus no centro e, consequentemente, não se divide internamente e nunca é dura externamente. Uma Igreja que se arrisca com Jesus. É assim que Jesus quer a Igreja, é assim que Ele quer a sua Esposa”.
Ele disse que Jesus nos chama a ser uma Igreja “que não impõe pesos e, a todos, repete: 'Vinde, cansados e oprimidos; vinde, vós que vos extraviastes ou sentis distantes; vinde, vós que fechastes as portas à esperança: a Igreja está aqui para vós!' A Igreja das portas abertas para todos, todos, todos!”
O Papa lhe disse: “diante das dificuldades e desafios que nos esperam, o olhar bendizente e acolhedor de Jesus impede-nos de cair nalgumas tentações perigosas: ser uma Igreja rígida – uma alfândega –, que se arma contra o mundo e olha para trás; ser uma Igreja tépida, que se rende às modas do mundo; ser uma Igreja cansada, fechada em si mesma”.
O primeiro papa latino-americano escolheu abrir o Sínodo no dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis, santo cujo nome ele tomou como papa, e aniversário do dia de 1962 em que João XXIII foi rezar no túmulo de São Francisco pelo sucesso do Concílio.
O Papa Francisco incentivou os participantes do Sínodo: “humildes, ardorosos e alegres. Caminhemos pelas pegadas de São Francisco de Assis, o Santo da pobreza e da paz, o 'louco de Deus' que trouxe no corpo os estigmas de Jesus e, para se revestir d’Ele, despojou-se de tudo”.
Ele lembrou que São Boaventura relatou que, enquanto São Francisco rezava, o Crucificado lhe disse: “Vá e conserte minha igreja”. O Papa argentino disse: “O Sínodo serve para nos recordar isto: a nossa Mãe Igreja sempre precisa de purificação, de ser 'reparada', porque todos nós somos um Povo de pecadores perdoados (ambas as coisas: pecadores e perdoados), sempre necessitados de regressar à fonte que é Jesus e de nos colocarmos novamente nos caminhos do Espírito para chegar a todos com o seu Evangelho”.
O Papa Francisco concluiu a sua homilia dirigindo estas palavras incisivas aos participantes do Sínodo: “E se o Povo santo de Deus com os seus pastores, de todas as partes do mundo, nutre anseios, esperanças e até qualquer receio sobre o Sínodo que iniciamos, recordemos mais uma vez de que não se trata duma reunião política, mas duma convocação no Espírito; não se trata dum parlamento polarizado, mas dum lugar de graça e comunhão”.
Terminou lembrando-lhes mais uma vez, como fez muitas vezes durante os seus dez anos de pontificado: “Espírito Santo rompe as nossas expetativas para criar algo de novo que supera as nossas previsões e as nossas negatividades. (...) Abramo-nos a Ele e invoquemo-Lo: Ele é o protagonista, o Espírito Santo. Deixemos que seja Ele o protagonista do Sínodo! E com Ele caminhemos, com confiança e alegria”.
Em seu discurso aos padres conciliares em 11-10-1962, João XXIII contou como sua decisão de convocar aquele concílio ecumênico veio de uma inspiração do Espírito Santo. Em sua homilia na missa de hoje, e novamente no discurso ao Sínodo da tarde, o Papa Francisco lembrou aos participantes que o principal protagonista do encontro é o mesmo Espírito Santo. E, como disse em diversas ocasiões, ele enxerga este Sínodo como a implementação do Concílio Vaticano II, e não como o Vaticano III. Na verdade, disse ele à revista espanhola Vida Nueva: “Ainda não estamos maduros para o Concílio Vaticano III”.
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O Sínodo não é o Vaticano III. É a implementação do Vaticano II pelo Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU