12 Setembro 2023
A instituição oficial do “Tempo da Criação” na Igreja Católica, uma celebração de cinco semanas originalmente lançada pelo Conselho Mundial de Igrejas, será provavelmente uma parte importante do legado de Francisco.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 02-09-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A maioria das Igrejas e comunidades cristãs em todo o mundo estão atualmente no meio de um período de cinco semanas denominado Tempo da Criação – oficialmente, pelo menos.
Infelizmente, a maioria de seus membros em todo o mundo – incluindo a esmagadora maioria dos que pertencem à Igreja Católica – parecem estar completamente inconscientes disso. Isso porque é uma observância muito recente. Para os católicos, pelo menos.
“Depois de amanhã, 1º de setembro, celebra-se o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, inaugurando o Tempo da Criação, que durará até o dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis”, lembrou o Papa Francisco a quem participou de sua Audiência geral na quarta-feira, 30 de agosto, no Vaticano, antes de partir na noite seguinte para sua histórica visita à Mongólia, de 1º a 4 de setembro.
“Unamo-nos aos nossos irmãos e irmãs cristãos no compromisso de cuidar da Criação como dom sagrado do Criador”, disse ele às pessoas reunidas na Sala Paulo VI. E então disse o seguinte:
“É necessário estar ao lado das vítimas da injustiça ambiental e climática, esforçando-se para pôr fim à insensata guerra contra a nossa casa comum, que é uma terrível guerra mundial. Exorto a todos a trabalharem e a rezarem para que ela abunde novamente de vida.”
Francisco também confirmou relatos de que planeja publicar “uma segunda Laudato si’” ao término do Tempo da Criação, no dia da festa de seu homônimo papal. A Laudato si’, é claro, é a importante encíclica de 2015 sobre o cuidado da casa comum – ou seja, o cuidado com o planeta Terra e o nosso ambiente natural. Provavelmente devemos esperar que, na nova encíclica, o papa exponha sua preocupação sobre a “insensata guerra” que estamos travando contra o planeta.
A Laudato si’ foi recebida com entusiasmo por ambientalistas e por muitas pessoas que podem não ser católicas ou nem mesmo cristãs, mas que estão profundamente preocupadas com o estado atual do ambiente, especialmente devido a questões preocupantes como as mudanças climáticas e o aquecimento global. Infelizmente, muitos bispos e padres católicos ainda estão oferecendo à encíclica de 2015 uma recepção muito mais fria.
Portanto, parabéns à Conferência dos Bispos dos Estados Unidos por destacarem o Dia Mundial de Oração e o Tempo da Criação, publicando de forma proeminente uma reflexão sobre o tema deste ano – “Jorre a equidade como uma fonte, e a justiça como torrente que não seca” – em seu site. Esperemos que isso ajude a incitar aqueles católicos que são céticos em relação às mudanças climáticas ou aqueles que acreditam que as preocupações ambientais não têm nada a ver com a fé cristã a reconsiderarem sua ambivalência em relação à Laudato si’ e à urgência das preocupações que ela levantou.
O Papa Francisco, que completará 87 anos de idade em dezembro, é uma das principais vozes no debate global sobre as questões ambientais. Isso porque ele é uma verdadeira pessoa de fé – não no ambientalismo, mas em Deus, o Criador. Ele explica isso de uma forma bela e convincente em sua encíclica de 2015. Ser administradores responsáveis da Criação e cocriadores com Deus são parte do ser cristão. De fato, esse é um dever de todo ser humano que vive nesta “casa comum” chamada Terra.
Francisco não é o primeiro papa romano a falar sobre a nossa responsabilidade cristã de cuidar da criação. João Paulo II e Bento XVI também expressaram suas preocupações. De fato, o mesmo fez o Concílio Vaticano II na Gaudium et spes. Mas Francisco é o primeiro papa a publicar uma encíclica (e, em breve, uma segunda) sobre o assunto.
No entanto, ele não é o primeiro líder cristão a se concentrar sistematicamente nas questões ambientais. O primeiro foi o patriarca ecumênico de Constantinopla, o “primus inter pares” do mundo ortodoxo.
Foi o falecido Patriarca Dimitrios I quem instituiu por primeiro o Dia Mundial de Oração pela Criação em 1989. Ele escolheu o dia 1º de setembro como a data de sua celebração anual. Depois, o Conselho Mundial de Igrejas (do qual a Igreja Católica não é membro formal) decidiu estender em 2007 a observância até a festa de São Francisco de Assis, no dia 4 de outubro, chamando-a de “Tempo da Criação”.
Pouco depois de emitir a Laudato si’, o Papa Francisco juntou-se às outras comunidades cristãs e tornou o Dia Mundial de Oração pela Criação uma celebração oficial da Igreja Católica. Ele disse que isso “oferecerá a cada fiel e às comunidades a preciosa oportunidade para renovar a adesão pessoal à própria vocação de guardião da criação, elevando a Deus o agradecimento pela obra maravilhosa que Ele confiou ao nosso cuidado, invocando a sua ajuda para a proteção da criação e a sua misericórdia pelos pecados cometidos contra o mundo em que vivemos”. O papa também destacou que celebrá-lo no dia 1º de setembro seria “uma ocasião profícua para testemunhar a nossa crescente comunhão com os irmãos ortodoxos”.
Mas foi só quatro anos depois que o papa deu os primeiros passos no sentido de abraçar o Tempo da Criação promovido pelo Conselho Mundial de Igrejas. Em sua mensagem para o Dia Mundial de Oração de 2019, ele observou que, como “criaturas prediletas de Deus”, somos chamados a viver “em comunhão, conectados com a criação”. E disse que, “por isso, convido veementemente os fiéis” a observarem o Tempo da Criação, que ele chamou de “uma iniciativa oportunamente nascida em campo ecumênico”. Disse ser mais uma de “nos sentirmos ainda mais unidos aos nossos irmãos e irmãs das várias confissões cristãs”, sublinhando que, pelo fato de estarmos em uma “crise ecológica que tem a ver com todos”, devemos nos sentir “em sintonia profunda também com os homens e mulheres de boa vontade, conjuntamente chamados (...) a promover a salvaguarda da rede da vida, de que fazemos parte”.
A viagem papal à Mongólia pode parecer ter ofuscado o Dia Mundial de Oração e o Tempo da Criação. Mas, em seu primeiro discurso no vasto país da Ásia Central, que tem enfrentado seus próprios problemas ecológicos, o papa elogiou o povo mongol por sua atenção espiritual (ele disse filosófica) e prática à natureza e ao ambiente com estas palavras:
“A sabedoria de seu povo, sedimentada ao longo de gerações de fazendeiros e cultivadores prudentes, sempre atentos a não romper os delicados equilíbrios do ecossistema, tem muito a ensinar a quem hoje não quer se fechar na busca de um interesse particular míope, mas deseja entregar à posteridade uma terra ainda acolhedora, uma terra ainda fecunda. Vocês nos ajudam a reconhecer e a cultivar com delicadeza e atenção aquilo que para nós, cristãos, é a Criação, isto é, o fruto de um desígnio benevolente de Deus, combatendo os efeitos da devastação humana com uma cultura do cuidado e da previdência, que se reflete em políticas de ecologia responsável. (...) Além disso, a visão holística da tradição xamânica mongol e o respeito por cada ser vivo herdado da filosofia budista são uma válida contribuição para o compromisso urgente e não mais adiável com a proteção do planeta Terra.”
Portanto, a visita papal à Mongólia não ofuscou nem irá ofuscar o Tempo da Criação.
A partir de agora, Francisco tem muitas oportunidades para voltar a concentrar a atenção neste momento para “habituarmo-nos a rezar imersos na natureza”, “para refletir sobre os nossos estilos de vida, verificando como muitas vezes são levianas e danosas as nossas decisões diárias em termos de comida, consumo, deslocação, utilização da água, da energia e de muitos bens materiais” e para “empreender ações proféticas”, como ele descreveu em sua mensagem de 2019 as oportunidades que o Tempo da Criação oferece.
Aliás, ela foi emitida há apenas quatro anos. Isso é como um nanossegundo na vida da Igreja Católica. Mas os segundos se transformam em minutos, e os minutos, em horas, tornando-se no fim décadas e séculos. Se os esforços do papa para ajudar a nós, católicos, a abraçarmos plenamente a nossa “vocação cristã (e humana) de sermos administradores da criação”, que atualmente parece irrealizável, e mesmo que muitos fiéis rejeitem ou se oponham a seus esforços, não desanimemos.
Quando a história for escrita daqui a muitos anos, aposto que um dos legados duradouros do pontificado disruptivo e dinâmico de Francisco serão as iniciativas concretas que ele está implementando agora para colocar a Igreja Católica na vanguarda do enfrentamento das mudanças climáticas e da destruição ambiental, e que o estão tornando um líder no cuidado de todas as criaturas e de toda a criação de Deus.
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Papa Francisco e a vocação cristã ao cuidado da “nossa casa comum” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU