Conversando com Christoph Theobald. Artigo de Marcello Neri

Christoph Theobald. (Foto: B. Litzler | cath.ch)

27 Abril 2023

Retomando um costume de amizade interrompido pela pandemia, no último sábado passei um dia de diálogo e trabalho teológico comum com Christoph Theobald. Apresento aqui algumas das questões que discutimos.

O processo sinodal da Igreja Católica não só envolve, mas também coloca em questão a teologia, seu posicionamento na comunidade de fé, seus procedimentos acadêmicos e os lugares de seu exercício.

Certamente chamada a participar ativamente da refundação da Igreja, à qual aspira o dinamismo sinodal ativado pelo Papa Francisco, a teologia é, porém, ao mesmo tempo, chamada a uma profunda revisão da própria autocompreensão.

Christoph Theobald. (Foto: Settimana News)

O artigo é de Marcello Neri, teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 26-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Efeitos sinodais na teologia

Em primeiro lugar, porque uma sinodalidade efetivamente praticada desloca o próprio sujeito da teologia – partindo da corporação profissional das teólogas e dos teólogos para o povo de Deus em suas vivências concretas. A reflexão teológica, já em curso de maneira inativa na consciência crente dos discípulos e das discípulas, situada contextual e historicamente, ilumina-se num segundo momento - precisamente, como explicitação daquele movimento intrínseco à fé concretamente vivida.

Esse deslocamento sinodal do sujeito teológico comporta, além disso, numa redefinição da hierarquia dos conhecimentos teológicos em sentido estrito – colocando a forma prático-pastoral como forma teológica primária.

Deste ponto de vista, a teologia prática deveria ser entendida como disciplina empírica do conhecimento da fé, porque é chamada a trabalhar sobre o material que emerge, e lhe é oferecido, pelas vivências da fé tal como concretamente se realizam. É assim, de fato, que se pode honrar, no plano especificamente teológico, o sensus fidei das comunidades crentes - acolhendo-o não como uma massa indistinta, desprovida de pendor teológico, mas como um dado que não se deve somente escutar, mas ao qual também se deve uma obediência, pois está carregado e prenhe da efetiva concretização da revelação cristã de Deus no aqui e agora da multiformidade da história humana.

Nesse sentido, no contexto da teologia prática, poderia ser recuperada a abordagem substancialmente homóloga que caracteriza a proposta teológico-espiritual de Moioli - que encontra seu objeto exatamente na experiência cristã. Incluindo, ao mesmo tempo, o relevo teológico e fenomenológico do deslocamento induzido pelo processo sinodal que impede de ver naquela experiência o mero objeto formal da teologia, tendo-o de fato recolocado em posição de sujeito ativo e ativante a própria reflexão teológica sobre a vivência cristã.

A partir dessa vivência, são geradas questões de vida crente que vão além do primeiro e fundamental reconhecimento teológico-prático, chamando em causa outros âmbitos do conhecimento da fé (da exegese ao fundamental, da moral ao direito canônico, e assim por diante). Âmbitos que poderiam assim reencontrar o vínculo que constrói seus nexos exatamente na subjetividade teológica própria às diversas formas contextuais da vivência cristã reativada, depois de séculos, pelo início da praxe sinodal na Igreja Católica.

Essa recolocação do sujeito da teologia na complexidade e na diversificação do povo de Deus permite, além disso, lançar uma nova luz sobre uma questão secular que acompanha a instituição católica da fé: aquela da tensão dialética entre magistério eclesial e teologia acadêmica.

De fato, as razões da disputa entre essas duas instâncias, substancialmente hipostasiadas por abstração das práticas da fé, encontrariam não só o seu lugar, mas também a sua origem nas vivências crentes do povo de Deus. Perdendo assim tanto o colorido ideológico, que por muito tempo caracterizou a atmosfera dessa antiga disputa, quanto a função sub-reptícia de instrumento adjudicante do poder dentro da Igreja Católica.

A ideologia se esvai nas sensibilidades práticas da fé de onde se origina a tensão dialética, que, ao mesmo tempo, tira tanto do magistério dos teólogos quanto dos bispos o primado sobre as dialéticas da concretização da revelação cristã de Deus.

O ministério ordenado

Um segundo âmbito que não pode ficar imune ao processo sinodal no qual a Igreja Católica entrou é aquele do ministério ordenado e de sua compreensão eclesial.

A urgência de encetar os trabalhos sobre o tema está diante dos olhos de qualquer um que esteja disposto a olhar. Mas justamente aqui deve-se registrar não apenas um atraso com relação às instâncias conciliares delineadas na Presbyterorum ordinis, mas também uma irresponsável resistência para acertar as contas com a realidade e a condição atual do ministério ordenado dentro da Igreja Católica.

Se do lado da instância conciliar é necessário registrar toda uma série de cesuras e interrupções que impediram aquelas ampliações de visão, ainda que presentes no texto do Concílio Vaticano II, do lado de uma fenomenologia realista do exercício do ministério ordenado encontramo-nos perante um enrijecimento que vai contra a própria plausibilidade do ministério ordenado na Igreja e na sociedade atual.

Se tal ministério é considerado essencial à missão e ao mandato da Igreja Católica, esperou-se demais para iniciar uma verificação direta e realista da coerência evangélica das condições de acesso a ele. Até o ponto em que as condições históricas de acesso prevaleceram sobre a essencialidade católica de um ministério ordenado na vida da Igreja, de um lado. E, do outro, levando a uma dificuldade quase acanhada em reconhecer e nomear ministérios que, de fato, garantem a tradição do Evangelho às próximas gerações do povo de Deus.

Levando à situação paradoxal atual, em que a Palavra é acompanhada em sua circulação por simples vivências de fé que garantem sua acessibilidade e compreensão, por um lado, e que as comunidades cristãs permanecem existindo mesmo sem a celebração da Eucaristia. Este resultado, devido justamente ao enrijecimento institucional sobre as condições de acesso ao ministério, e a uma sua declinação que substancialmente engloba e destrói o conjunto dos carismas e ministérios da fé, que por si só produz a irrelevância do ministério ordenado em relação às vivências crentes como lugares de concretização e atualização da revelação cristã de Deus.

A sinodalidade pode oferecer alguma inspiração não só para uma simples revisitação das coordenadas fundamentais do ministério, mas também para uma sua verdadeira e própria refundação, sem a qual aquela da Igreja como um todo corre o risco de permanecer um simples desejo.

Deixando para trás a ênfase no sacerdócio comum de todos os batizados, que quase imediatamente chega à diferença essencial e não só de grau que acaba separando o ministério ordenado do corpo global do povo de Deus, o que é necessário é encontrar um novo ponto de entrada para uma legitimação plausível do exercício de um ministério ordenado dentro da Igreja Católica.

Poder-se-ia, portanto, tentar começar entrelaçando três elementos fundamentais da tradição católica da fé: Palavra, comunidade batismal, simbologia sacramental.

A comunidade messiânica do discipulado do Senhor é substancialmente uma comunidade convocada pela Palavra – que a destina a um mandato profético no tempo da história humana. Essa origem permanece constitutiva também e precisamente para a Igreja como instituição; e pede, portanto, para encontrar uma sua adequada simbolização sacramental dentro dela.

Esse poderia ser o ponto de inserção para uma refundação do ministério ordenado na Igreja Católica, que alimente a sua plausibilidade e o impeça, ao mesmo tempo, de se apropriar de carismas e ministérios que não lhe competem - empobrecendo assim a vivência eclesial e impedindo à comunidade cristã a fidelidade que ela deve à sua origem e ao seu mandato.

Deste ponto de vista, o ministério ordenado deveria ser entendido como um ministério da Palavra, e não sacerdotal que santifica quem assume o seu exercício, que concretiza simbolicamente a convocação da comunidade crente - sem a qual ela não existe como comunidade crente gerada para o mundo porque convocada pela Palavra.

Entendido, portanto, como ministério da convocação, abre-se o espaço adequado para colocar as questões que ele enfrenta atualmente: do celibato à ordenação das mulheres. Além disso, como ministério da convocação deixa à comunidade a possibilidade de identificar dentro dela outros ministérios e carismas que lhe permitam corresponder ao mandato profético que lhe compete como tal.

Mas não só. A efetiva reunião da comunidade tem a força de legitimar e justificar um ministério de convocação dentro dela - estabelecendo as coordenadas do mútuo reconhecimento em que se realiza a mesma dignidade batismal que compete a todos os crentes e a cada um como parte do povo de Deus.

Se, além disso, o ministério ordenado for destinado à convocação da comunidade, chamada à Palavra e pela Palavra, então é nela que se buscarão aquelas dinâmicas coletivas de discernimento que reconheçam a destinação dos crentes que pertencem à assunção dessa simbolização sacramental da convocação original da Palavra. Assim também será possível sair do impasse gerado com a privatização e espiritualização do ministério ordenado da Igreja induzido pelo imaginário da vocação individual do crente independentemente do reconhecimento comunitário (artificialmente reconstruído naquela instituição total que é o seminário).

Precisamente por ser ministério da convocação, a sua concretização na presidência da celebração eucarística não implica necessariamente que deva assumir também a sua orientação - permitindo que outras formas ministeriais se encarreguem disso comunitariamente, para que o ministério ordenado possa se concentrar sobre aquele que é o seu mandato justamente a favor de toda a comunidade dos fiéis como momento interno a ela e não separado da comum dignidade batismal de todos.

Assim recalibrado, abrem-se também perspectivas para uma reconfiguração do exercício episcopal do ministério ordenado que encontraria a sua colocação no vínculo originário com uma Igreja local, por um lado, e com o presbitério que efetivamente a convoca nas suas diversas expressões territoriais, pelo outro.

Questões críticas

Tanto do lado da sinodalidade quanto do ministério ordenado, podem se encontrar elementos críticos que ameaçam tornar estéreis todas as forças da fé que as comunidades cristãs estão introduzindo na obra de refundação da Igreja Católica.

No que diz respeito ao processo sinodal, duas poderiam ser indicadas. A primeira diz respeito ao longo tempo que exige – a virtude evangélica da sinodalidade é aquela da paciência do agricultor que sabe esperar que os processos iniciados sigam seu curso segundo uma sequência temporal que não depende da sua vontade.

Pela impaciência da fé está disseminado todo o variegado processo sinodal em que a Igreja Católica está se empenhando. De muitas formas e de muitas maneiras, entre os defensores de Francisco e os oponentes, entre os proponentes de um ministério exclusivamente masculino, como entre aqueles que se posicionam pela ordenação das mulheres. Estando em Paris, poderíamos nos reportar ao que recentemente aconteceu na sede da Conferência Episcopal Francesa.

Após o relatório final da Comissão Sauvé sobre os abusos sexuais na Igreja francesa, os bispos criaram nove comissões de trabalho com base em algumas observações e sugestões apresentadas pelo Relatório. Estas realizaram um trabalho sério, de qualidade e aprofundado - chegando à redação de uma documentação precisa entregue aos bispos alguns dias antes de sua assembleia.

Quiseram discuti-lo imediatamente, sem tomar o tempo necessário não só para uma adequada leitura do que foi escrito pelas várias comissões, mas também para elaborar adequadamente os resultados do trabalho que realizaram. Essa urgência é prejudicial para uma boa prática da sinodalidade porque não permite um verdadeiro discernimento, uma séria assunção das observações que as comissões fizeram à Igreja francesa, como uma disseminação e confronto com as próprias comunidades locais (como o espírito sinodal preferiria).

E é aqui que se insere a segunda questão crítica relativa ao processo sinodal. Trata-se da questão da pressão entre o meramente consultivo e o efetivamente deliberativo. Enquanto a sinodalidade for um mero exercício de escuta que não incide e participa nas escolhas da Igreja, não passará de um exercício de maquilagem que deixa tudo como está.

Também aqui podemos tirar um exemplo da atitude que caracterizou a recepção episcopal francesa da documentação elaborada pelas comissões constituídas pela Conferência Episcopal. A rapidez com que o seu presidente, mons. Moulins-Beaufort, apressou-se em afirmar que o que fora elaborado pelas comissões não tinha caráter vinculante para os bispos, por ser apenas um procedimento consultivo, não é bom não só para a sinodalidade, mas também para a credibilidade do próprio ministério episcopal - desgastando o que de bom foi feito até agora, com a coragem e a imparcialidade ditadas pela dramática realidade do fracasso da Igreja francesa e de seus bispos diante dos abusos nela cometidos.

Passando para o lado do ministério ordenado, aqui também duas críticas mais urgentes podem ser indicadas. A primeira diz respeito à remoção institucional da crise em que se encontra hoje o ministério ordenado e das razões que a provocam. É como se não se quisesse ver que em largas faixas do catolicismo um ministério ordenado logo não estará mais presente, dadas as atuais condições de acesso (e que em outros lugares, por motivos diversos, já falta).

Se retomarmos hoje os apelos e convites de cinquenta anos atrás, veremos que, quanto ao ministério ordenado, permanecemos completamente inertes - sacrificando a sua existência e subsistência no altar do privilégio ligado às condições de acesso a ele.

Inércia, e este é o segundo ponto crítico, que logo levará a decisões não pensadas, ditadas pela emergência e não por uma retomada eclesial da figura do ministério ordenado. Quando formos obrigados a escolher, será feito sem a devida preparação porque se escolheu conscientemente se entregar à crise, agindo como se ela não existisse, em vez de governá-la e orientá-la.

E é aqui que se abre outro aspecto desta segunda criticidade: o risco de queimar novas formas de exercer o ministério ordenado dentro de uma figura eclesial desgastada e esgotada, que poderia arrastar em sua própria implosão também as energias e as forças que essas outras figuras trazem com elas.

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