25 Fevereiro 2023
O professor de história do cristianismo explica o "ponto de equilíbrio" que Bergoglio procura ter em suas intervenções sobre o conflito, já que "sempre expressou sua proximidade com os refugiados ucranianos e as vítimas". O fato de que "a Santa Sé não é totalmente terceira neste conflito (uma parte da identidade ucraniana está enraizada no catolicismo) torna as operações diplomáticas muito mais complexas".
A entrevista é de Federico Di Bisceglie, publicada por Formiche, 23-02-2023.
A pergunta do pontífice soa como um alerta. Do Vaticano, ecoa em Moscou e chega até Kiev. “Poderá o Senhor perdoar tantos crimes e tantas violências?”. Na audiência geral, o Papa Francisco recorda o "triste aniversário" da invasão da Ucrânia. Em entrevista a Qn esta manhã, o ordinário da Igreja Católica de rito latino de Odessa, Stanislav Syrokoradjuk, afirma claramente que "Kiev espera o Papa" (segundo algumas fontes, uma visita de Francisco à capital ucraniana é iminente), além de reiterar que "as armas ocidentais são abençoadas por Deus". No entanto, há mais de uma questão sobre o que a diplomacia do Vaticano e o Papa estão fazendo para resolver o conflito. “Bergoglio está tentando estabelecer um equilíbrio, apesar das fortes pressões ideológicas de ambos os lados, mas sem nunca esquecer que há um agressor e alguém agredido”. A análise é de Alberto Melloni , professor de história do cristianismo na Universidade de Modena e Reggio Emilia, um dos maiores especialistas sobre o Concílio Vaticano II e a relação entre cristianismo e política.
Eis a entrevista.
Melloni, está sendo feito o suficiente para trazer a paz?
O verdadeiro ponto é entender que a paz não pressupõe necessariamente uma vitória. A suposição do papa é que na era atômica não há guerra justa. É estranho, neste contexto, que os mais ferrenhos defensores do direito internacional tenham confundido os organismos multilaterais com grandes palcos, em vez de utilizá-los como instrumentos para alcançar a resolução do conflito na Ucrânia. O papado, por outro lado, sempre foi multilateralista.
O multilateralismo, porém, não pode ser praticado em detrimento dos atacados...
O papa sempre reiterou que nesta guerra há um agressor – a Rússia – e uma atacada – a Ucrânia. Mas, um ano após o início desta guerra, aquele que aspira encontrar uma solução de paz não pode ser designado como apoiador ou amigo da Federação Russa.
O fato é que Bergoglio, até o momento, não foi a Kiev, mesmo que uma visita à Ucrânia pareça iminente. Como você explica isso?
A "viagem" dos chefes de Estado a Kiev faz parte da agenda de propaganda. O Papa felizmente não precisa ser eleito. Dito isto, não excluo a possibilidade de Bergoglio visitar a Ucrânia de qualquer maneira. No entanto, Francisco demonstrou repetidamente sua proximidade com as vítimas e os milhares de refugiados ucranianos. Não somente. Nessa guerra, desempenhou um papel enorme a divisão da ortodoxia que tem suas raízes no Concílio de Creta em 2016. Repreender o papa por algo agora me parece mais do que qualquer outra forma de limpar sua consciência dos erros cometidos no passado. Uma delas foi o adiamento da visita do papa a Moscou.
Isso não teria sido um revés?
Não, o Papa naquela ocasião poderia ter lançado as bases para a resolução do conflito. Os contatos confidenciais resolverão o conflito, não os que surgirem. E estou convencido de que uma visita do pontífice poderia estabelecer as bases para uma mesa de negociações.
Como está se movendo a diplomacia vaticana?
Se está se movendo e não sabemos (o que espero e acredito), é um bom sinal. O fato de a Santa Sé não ser totalmente "terceira parte" neste conflito (uma parte da identidade ucraniana está enraizada no catolicismo) torna as operações diplomáticas muito mais complexas. A vantagem, porém, é o multilateralismo que caracteriza as ações da diplomacia vaticana.
O Vaticano pode, até certo ponto, exercer uma forma de pressão sobre Pequim para que se aproxime de Moscou?
Há relações constantes entre a China e o Vaticano. Possivelmente a China, ao apresentar uma hipótese negocial, poderá vangloriar-se de ter obtido a aprovação papal para esta solução.
Na sua opinião, qual deve ser o ponto de partida para as negociações?
Precisamos voltar aos acordos de Minsk. Esta guerra, que se parece cada vez mais com a de 15-18, vem acontecendo desde 2014. E, entre outras coisas, há total ignorância sobre o número de mortes causadas durante os eventos de guerra que antecederam a invasão da 'Ucrânia'. O protocolo de Minsk pode ser um bom ponto de partida: os jogadores em campo são sempre os mesmos.
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As palavras do Papa e o difícil equilíbrio sobre o conflito. Entrevista com Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU