19 Janeiro 2023
"O chamado pacto de paz com a natureza visa impedir a continuidade do sistema de destruição da biodiversidade. Os países concordaram com um roteiro visando proteger 30% do planeta até 2030 e libertar 30 mil milhões de dólares em ajuda anual à conservação ecológica para os países em desenvolvimento".
O artigo é de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador de meio ambiente, publicado por EcoDebate, 18-01-2023.
Eis o artigo.
“A humanidade se tornou uma arma de extinção em massa”
- António Guterres (06-12-2022)
A população humana era de apenas 4 milhões de habitantes no início do Holoceno, há 12 mil anos. No ano 1 da Era Cristã já estava em torno de 200 milhões de habitantes, chegou a 1 bilhão de habitantes por volta de 1800 e atingiu 8 bilhões de habitantes em 2022. Nos últimos 250 anos, a economia global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. Este crescimento demoeconômico foi maior do que o que ocorreu em todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens.
Mas todo o crescimento e enriquecimento humano ocorreu às custas do encolhimento e empobrecimento do meio ambiente e da biodiversidade.
Segundo Ron Patterson (2014): “Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são 97 por cento”. A jornalista Elizabeth Kolbert, no livro “The Sixth Extinction”, documentou o processo de extinção das espécies que ocorre com o avanço da civilização.
O Relatório Planeta Vivo 2022, divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), em 14 outubro de 2022, mostra que o crescimento das atividades antrópicas tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado um ecocídio da vida selvagem do planeta: as populações de vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 69% entre 1970 e 2018.
O relatório da WWF é baseado no acompanhamento de 31.821 populações de 5.230 espécies, utilizando câmeras, análise de pegadas, programas de investigação e ciências participativas. Da vida marinha às florestas tropicais, da abundância de pássaros, peixes, anfíbios e répteis – toda a riqueza da vida selvagem – está em queda livre, diminuindo em média mais de dois terços nos últimos 50 anos, como mostrado no gráfico abaixo. Enquanto isto os humanos continuam a se avolumar e a desmatar florestas, consumindo além dos limites do planeta e poluindo em escala agropecuária e industrial.

Relatório planeta vivo 2022 | Fonte: EcoDebate
Para tentar reverter o processo de ecocídio da 6ª extinção em massa das espécies, mais de 190 Estados participantes da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica (COP15) chegaram a um acordo histórico em Montreal, no Canadá. O chamado pacto de paz com a natureza visa impedir a continuidade do sistema de destruição da biodiversidade. Os países concordaram com um roteiro visando proteger 30% do planeta até 2030 e libertar 30 mil milhões de dólares em ajuda anual à conservação ecológica para os países em desenvolvimento. Além desta garantia de 30% da superfície protegida e das metas de financiamento, o Acordo Kunming-Montreal propõe restaurar 30% das terras degradadas, cortar pela metade os riscos ligados ao uso de agentes químicos e pesticidas e reduzir em 50% o desperdício global de alimentos até 2030.
Diversas organizações ambientalistas festejaram o acordo depois de uma década de esforços fracassados para acabar com a devastação da natureza e dos ecossistemas. A experiência de condução conjunta entre Canadá (como anfitrião) e China (presidindo a cúpula) apresentou resultados positivos na COP15, apontando um avanço na governança global para o ambiente.
Atualmente, apenas 17% da terra e 8% dos mares estão protegidos. No início da COP15, o secretário-geral da ONU, António Guterres disse que a humanidade se tornou uma “arma de extinção em massa” e pediu às partes que aprovassem o “pacto de paz com a natureza”. Como disse a ministra Sônia Guajajara: “A luta pela Mãe Terra é a mãe de todas as lutas”.
Reconhecer a necessidade de reverter a degradação ecológica é um passo fundamental. Mas a grande dificuldade é implementar a proteção à biodiversidade. O grande desafio colocado é que a humanidade já superou a capacidade de carga da Terra e continua aumentando a Pegada Ecológica global. Sem um decrescimento demoeconômico em nível internacional será difícil garantir espaço para as outras espécies vivas do Planeta.
Referências
ALVES, JED. Erradicar o Ecocídio, Ecodebate, 31/10/2012
WWF. Living Planet Report 2022 – Building a nature-positive society. Almond, R.E.A., Grooten, M., Juffe Bignoli, D. & Petersen, T. (Eds). WWF, Gland, Switzerland, 2022
PATTERSON, Ron. Of Fossil Fuels and Human Destiny, May 7, 2014
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A Convenção da Biodiversidade será capaz de reverter o ecocídio? Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU