“Não largo o ativismo mas é preciso descolonizar o movimento pela luta climática”. Entrevista com Greta Thunberg

Greta Thunberg. (Foto: Raph_PH | Flickr CC)

25 Novembro 2022

A ativista ambiental mais famosa do mundo desmente o boato de que gostaria de se afastar. E aqui fala do futuro do planeta, mas também do seu futuro. Entrevista exclusiva.

A garotinha cresceu. Em comparação com as primeiras fotos que marcaram nossa memória, agora Greta Thunberg tem traços e aparência de adulta. Da cozinha do apartamento que divide com algumas amigas em Estocolmo, após uma longa série de cancelamentos de última hora, ela responde a perguntas sobre The Climate Book (Mondadori, 2022), o pesado livro sobre a crise climática que idealizou envolvendo os principais especialistas em circulação. Ser questionada como um oráculo é, para essa garota de 19 anos terrivelmente precoce, tão normal quanto para qualquer garota da mesma idade discutir qual camiseta usar com os jeans.

The Climate Book: The Facts and the Solutions

Ao longo da entrevista, ela terá muito cuidado para não criticar as escolhas cada vez mais radicais de outros subconjuntos do movimento ambiental que ela batizou. E que, apesar de algumas notícias na imprensa, não pretende abandonar. No final, ao apontar-lhe uma contradição, conseguirei até arrancar-lhe uma risada que devolverá uma terna dimensão humana à ativista em permanente plantão efetivo.

A entrevista é de Riccardo Stagliano, publicada por La Repubblica, 24-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Quando você teve a ideia para esse livro e quanto tempo levou para elaborá-lo?

Com a pandemia, não podendo mais fazer greves e passeatas, tive tempo disponível e pensei em como aproveitá-lo. A escolha, para estudar melhor as causas do problema, que queríamos resolver, foi escrever um livro que se tornaria o destino para todos aqueles que quisessem se aprofundar. Demorou quase dois anos.

Como você escolheu os especialistas?

A ideia central era reunir histórias e especialistas. Primeiro fiz uma lista de temas. Depois pedi a pessoas de minha confiança que sugerissem quem poderia explicá-los bem. Salvo raras exceções de pessoas que não tinham tempo, contei com uma disponibilidade incrível pela qual agradeço mais uma vez.

Há alguma coisa nova que você aprendeu com esse trabalho?

Eu entendi melhor que a crise climática está ligada a muitas outras crises. Que é também uma crise do sistema econômico, de opressão do sul do mundo que tem menos responsabilidade, mas paga um preço mais alto. Que a abordagem justa não é aquela binária, mas sim aquela interseccional, que analisa não só a opressão, mas os modos e as culturas que a geraram. Em suma, o livro ajudou a ligar os pontos e a alargar o meu olhar.

Existe um consenso na comunidade científica sobre as soluções a serem adotadas contra a crise planetária?

O único consenso é que precisamos abandonar rapidamente a nossa dependência dos combustíveis fósseis. Ainda existem muitas opções diferentes sobre como fazer isso.

Eu estava pensando em soluções como geoengenharia. Já foi a desculpa usada pelos negacionistas para não mudar o nosso estilo de vida. Hoje até pessoas como Elizabeth Kolbert, que assina uma das contribuições do livro, estão mais abertas à ideia. O que você pensa a respeito?

Que ainda hoje é muitas vezes uma desculpa para não mudar radicalmente as coisas. Corre o risco de ser uma grande distração. Só os países mais ricos poderiam realmente tentar montar sistemas desse tipo mas, se as coisas dessem errado, as consequências seriam pagas mais pelos países pobres que não tiveram voz na decisão de criar, por exemplo, escudos de aerossol contra os raios solares.

A pandemia mostrou que, querendo, grandes mudanças de hábitos podem acontecer de repente. Por que isso não acontece com comportamentos que prejudicam o clima?

Porque as pessoas percebem as consequências como distantes, tanto geograficamente como no tempo. Mas é um erro: basta pensar nas consequências das inundações em dezenas de milhões de pessoas no Paquistão ou naquelas que a seca tem sobre o alimento de dez milhões no Chifre da África. O fato é que os poderosos nunca estão diretamente envolvidos. E as empresas mais responsáveis pelos danos colocam seus enormes recursos à disposição de lobistas que visam adiar ou negar a necessidade de qualquer tipo de ação. Difundindo, como aconteceu no passado com outras indústrias perigosas, dúvidas e outros elementos de distração da opinião pública.

Ou fingindo ter entendido a lição, tentando recuperar uma virgindade verde, como acontece no chamado greenwashing?

Eles estão tentando de tudo para não mudar nada. O greenwashing é uma força enorme, especialmente agora que as empresas de energia tiveram lucros estratosféricos. Se quiser procurar um aspecto positivo dessa história, ele é que o greenwashing é a consequência da maior conscientização da população de que uma mudança é necessária. Antes não era necessário porque os consumidores não se davam conta da gravidade da situação.

A guerra na Ucrânia pode se tornar uma ocasião única para impulsionar as energias renováveis e, em vez disso, se registram novos recordes no uso de carvão. Nunca fazemos a coisa certa?

Dos vários programas europeus de ajuda financeira, apenas 2% é dedicado às chamadas energias verdes. É mais um fracasso. Enquanto as empresas de energia estão obtendo lucros sem precedentes.

As Fridays for Future sempre foram um movimento pacífico: você não tem medo de que, na ausência de soluções reais, alguém possa passar para a ação violenta?

É possível. É muito compreensível que as pessoas estejam cada vez mais desesperadas. A única forma de evitar que isso aconteça é agir muito rapidamente antes que a sociedade também saia do controle. Por outro lado, a única certeza é que tentamos vários métodos de luta, mas nenhum ainda funcionou.

How to Blow Up a Pipeline, livro de seu compatriota Andreas Malm, recebeu atenção mundial. Como suas abordagens divergem?

Talvez nós estejamos mais focados em entender as causas da crise climática. A meu ver, as ‘ações diretas’, sem explicar as causas, podem confundir as pessoas. O motivo compreensível do interesse, porém, é o de sempre: são sempre mais aqueles que querem mudanças, de uma forma ou de outra.

Hoje, fala-se muito de ações demonstrativas de ativistas que se colam em um quadro de Goya ou jogam sopa em um Van Gogh. Você não acha que, ao fugir do nexo com a luta ambiental, eles poderiam afastar uma parte da opinião pública?

O risco existe. Mas sou uma pessoa apenas e é difícil dizer aos outros o que é certo fazer. Até porque até agora ainda não sabemos qual é a estratégia certa para mudar as coisas. Nada realmente fez diferença. Precisamos de ajuda de todos os lados, lembrando, porém, que, além de chamar a atenção da mídia, é preciso recuperar a perspectiva interseccional da luta, que leve em conta quem está na linha de frente, os indígenas que sofrem as consequências mais graves e assim por diante.

Enquanto falamos, os governos do mundo estão discutindo no Egito na Cop27. No passado você já teve palavras duras em relação a essas reuniões, o agora famoso "Blá, blá, blá". Há algo que possa fazê-la mudar de ideia?

Não acho útil focar nesses eventos. Só lembro que a indústria de combustíveis fósseis enviou 600 lobistas, o que é mais do número de pessoas que enviaram, colocadas juntas, os dez países que sofreram os impactos mais sério da crise climática. Não conseguem sequer chegar a acordo sobre o mínimo sindical, ou seja, um fundo para ajudar aqueles que sofreram os maiores danos climáticos. E este ano talvez seja ainda pior, já que as margens de movimento dos ativistas no local estão ainda mais restritas.

Um relatório do instituto Germanwatch acaba de dizer que nenhum país conseguirá manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5ºC que havia sido estabelecido como meta. Como você se sente diante dessas admissões?

Bem, admitir já é melhor do que mentir ou se empenhar em acrobacias de greenwashing. Ser claros é o primeiro passo para entender o quão mais ambiciosa deve ser a nossa resposta ao problema. Eu sei que é um nível baixo, mas pelo menos é um ponto de partida.

Entre as soluções individuais apontadas estão voar menos e se tornar vegetarianos. Outras contramedidas práticas?

Esses são apenas dois exemplos. Se você é um político, você tem responsabilidades muito mais amplas. O mesmo se, como eu, você tem uma plataforma através da qual as pessoas o ouvem. De maneira mais geral, as coisas que todos podem fazer são informar-se o máximo possível sobre o assunto e depois se tornar, da forma que for, ativistas, no sentido de compartilhar essas informações. Só se essa consciência estiver sempre na cabeça das pessoas, então é possível que se forme o efeito bola de neve que precisamos para mudar o status quo.

Quanto a não voar, como jornalista faço questão de ir ver sobre tudo que escrevo. As matérias e entrevistas ao vivo, em vez de via Zoom como esta, ficam melhores. Você não acha que também poderia ter um impacto maior se voasse para mais lugares do que apenas viajar de trem ou navio?

Talvez o caso do repórter seja diferente, mas alguém como eu realmente não precisa estar no campo o tempo todo, já que os ativistas locais podem fazer um trabalho tão bom quanto o meu. Parece-me que sou mais útil à causa com esse gesto simbólico de me abster de voos inúteis. Em todo caso, 80 por cento da população mundial nunca pisou em um avião e, portanto, dizer que mesmo nós, privilegiados, podemos passar sem isso talvez sirva para comunicar que estamos dentro de uma emergência bastante séria.

Que impacto teve em sua vida se tornar um dos nomes mais reconhecidos do mundo em apenas quatro anos?

Um impacto enorme. Basicamente, a cada hora que estou acordada, a dedico a ser uma ativista. Minha vida mudou completamente. Mas também isso dá um sentido que antes eu não conhecia.

Recentemente você teria dito que estava pronta para deixar seu papel de porta-voz informal do movimento ambientalista para outra pessoa: está cansada?

(Sorri). Eu mesmo não sei exatamente como da declaração original chegamos àquela manchete repercutida por muitos sites e jornais. O que eu disse realmente é que é preciso colocar o megafone nas mãos das pessoas mais diretamente atingidas pelas consequências da crise. Em outras palavras, é preciso descolonizar o movimento pela luta climática. Sou uma ativista e pretendo continuar sendo. Continuo nas greves das sextas-feiras e esse livro é apenas mais uma maneira de lutar. Não, não tenho nenhuma intenção de dar um passo para trás.

O que você imagina para o seu futuro próximo? Não toma em consideração entrar para a política?

Não, não é a coisa certa para mim. Estou me formando na primavera, depois de ter perdido um ano, e não tenho absolutamente nenhuma ideia do que vou fazer a seguir. A única certeza é que quero ser uma ativista e contribuir para uma mudança real.

O seu é um livro pesado que foi impresso e enviado ao redor do mundo. Mas mesmo sua versão eletrônica, que pesa 200 Mb, é o e-book mais pesado que já encontrei. Vocês não poderiam optar por algo mais leve, com uma menor pegada de carbono?

(Ri uma risada que não sei se é mais por embaraço ou libertadora.) No livro proponho um repensamento dos consumos com um impacto decididamente mais significativo do que o dos livros, que pelo menos servem para adquirir consciência. E sim, é um volume pesado, mas isso se deve principalmente aos gráficos que são realmente magníficos e, espera-se, farão muitas pessoas entender melhor. É verdade, claro, que as coisas digitais também consomem muita energia e, portanto, têm um impacto sobre o clima. Mas se a sua casa está pegando fogo, a primeira coisa que você faz é fugir, e só depois pensa nos detalhes que, caso contrário, correm o risco de confundi-lo na hora de se salvar.

Tanto no seu país como no meu, as últimas eleições viram o sucesso de forças de direita que, historicamente, não têm demonstrado grande preocupação com o clima: você está preocupada com isso?

Posso dizer que tanto a esquerda quanto a direita estiveram muito longe de encontrar uma solução para o problema. Nosso governo progressista anterior se destacou por uma fenomenal atividade de greenwashing. O novo, porém, como primeira ação, cortou pela metade o orçamento para o meio ambiente até 2025. E extinguiu o ministério do meio ambiente, incorporando-o a outro. Seria cômico, se não fosse trágico. Então sim, ambos são gravemente insuficientes. Mas as diferenças existem. E como.

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