Jesus, o Messias de Israel revelado aos povos

(Foto: Unsplash)

06 Janeiro 2023

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre as leituras da solenidade da Epifania do Senhor, 06-01-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Primeira Leitura – Isaías 60, 1-6

Sob a orientação eficaz do Espírito de Deus, o profeta às vezes lê situações e eventos concretos, revelando seu significado na história da salvação. Outras vezes, olha para o horizonte do tempo e, como um “visionário”, narra o indizível, o inaudito.

Nesta página, Isaías tenta descrever a cidade santa de Jerusalém revestida de luz, que vê seus filhos dispersos retornando de longe, enquanto a glória do Senhor aparece sobre ela, em uma verdadeira epifania.

Porém, não são apenas os filhos de Israel que fazem essa peregrinação, mas os povos da terra também os acompanham, para chegar à presença do Senhor com seus dons e proclamar a glória (ou a salvação, segundo a versão grega dos LXX) do Senhor.

Segunda Leitura – Efésios 3,2-3a.5-6

Na carta aos cristãos de Éfeso, o Apóstolo tenta lhes transmitir o mistério de Cristo, escondido durante séculos, mas revelado aos apóstolos e ais profetas da Igreja: os gentios, que pareciam excluídos da promessa e da bênção de Deus, quando Jesus Cristo veio na história humana, são chamados, junto com os filhos de Abraão, a participar da mesma herança e a se tornar um só corpo em Cristo.

Essa é a boa notícia da qual Paulo se sente apóstolo e pregador para toda a humanidade, porque agora “não há mais judeu nem pagão” (Gl 3,28), e o Filho de Deus, nascido de mulher (cf. Gl 4,4), veio na carne para todos, sem excluir ninguém.

Evangelho – Mateus 2,1-12

No nascimento e na morte de Jesus, ressoa para ele o mesmo título, “Rei dos judeus”. No nascimento – é o texto que a liturgia nos propõe hoje – os magos dizem isso, e os escribas e Herodes o repetem; na morte, Pilatos faz com que se escreva isso em um cartaz (cf. Mc 15,26 e par.; Jo 19,19), os soldados o usam para zombar dele (cf. Mc 15,18; Mt 27,29; Jo 19,3), todos os presentes o leem na execução bárbara da crucificação (cf. Jo 19,20).

No nascimento e debaixo da cruz, está a mesma revelação: a humanidade é uma só na busca de Deus e no repúdio de Deus ou, melhor, ao crer no bem com esperança ou ao não crer no bem, preferindo a violência, o mal.

Portanto, o Evangelho da Epifania, da manifestação da identidade de Jesus aos gentios, àqueles que não eram judeus, filhos de Israel, é um Evangelho decisivo, que dá à festa de hoje um significado particular: Jesus nasceu Rei dos judeus, mas para todos, e todos podem ir a seu encontro.

Nesse relato de Mateus, há a história, mas há também uma leitura que o evangelista faz na fé. Nasce um menino em uma simples família formada por um artesão, José, e pela sua jovem esposa, Maria; nasce em uma estrebaria, abrigo para o rebanho nos campos de Belém, mas alguns homens de longe, a partir do Oriente ou, melhor, da sua sabedoria orientada, na sua busca, são levados a ver nesse simples nascimento o cumprimento da sua busca, a plenitude da sua sabedoria.

De fato, todos os humanos de todos os tempos e culturas têm em comum, acima de tudo, a busca do bem, mesmo que depois contradigam esse seu desejo tão exigente. Em cada ser humano, existe um anseio de bem, de vida plena, de paz, e esse fogo que habita os humanos os leva a buscar, a se pôr a caminho, a declarar como insuficiente para eles a terra que habitam, o horizonte costumeiro.

Por esse caminho, os humanos buscam e encontram como sinais aquilo que podem: o céu, a terra, o mar e também as criaturas animadas e inanimadas com as quais sabem se comunicar.

Nessa longa peregrinação, especialmente da mente e do coração, alguns sábios, os magos, olharam para as estrelas, para a areia do deserto, para os animais que cavalgavam, para a bagagem que transportavam com eles, para viver e para dar de presente. Para quem perscruta o horizonte, sempre surge uma estrela, sempre – como diz o nosso trecho evangélico – há um oriente, um elevar-se que convida ao caminho.

E assim aconteceu para aqueles mágoi, que, do oriente (apó anatolôn), chegam a Jerusalém, a cidade santa, o umbigo do mundo (cf. Sl 48,3; cf. Ez 5,5; 38,12). Eles perguntam: “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer?”, justamente aos judeus que não haviam se dado conta do nascimento do seu Rei. Não havia se dado conta o rei que reinava naquele momento, Herodes; não haviam se dado conta os sacerdotes nem os especialistas das Sagradas Escrituras, os escribas.

Eis o escândalo: quem se dedica a conhecer e a observar aquilo que acontece, não sabe; quem é capaz de interpretar pontualmente as Escrituras em referência ao Rei dos judeus anuncia isso com clareza e certeza, mas em uma situação de radical cegueira.

É assim, e ocorre assim ainda hoje: pode-se conhecer as palavras de Deus contidas nas Escrituras, pode-se citar e explicar com competência, pode-se até ensinar aos outros, mas, ao mesmo tempo, permanecer em uma situação de total cegueira ou surdez, manifestações da sklerokardía, da calosidade do coração...

Essa vinda dos magos, porém, causa inquietação, perturbação por parte dos representantes do poder político e de toda a Jerusalém, porque, quando um poder vê outro poder surgir, teme e treme, sentindo-se ameaçado. A partir daquela hora, a inquietação e a perturbação não cessarão, até o dia em que esse Rei dos judeus que nasceu tiver acabado para sempre, revestido por um manto de púrpura, com uma cana como cetro na mão, com uma coroa de espinhos na cabeça, zombado, esbofeteado e, por fim, pendurado nu em uma estaca, a cruz!

Porém, aqueles sábios obedientes às Escrituras dos judeus ou, melhor, reorientados pelas Escrituras, conseguem novamente ver a estrela, que os conduz ao menino Rei Messias, a Belém, onde encontram aquilo que buscavam, mas que certamente não esperavam assim: não um palácio real, não uma corte real em festa, nem a pompa digna do nascimento de um príncipe, mas simplesmente um menino e sua mãe. Contemplam não aquilo que há muito esperavam e buscavam, mas outra coisa.

E assim, como convertidos, mudados em sua mente e em seu coração, reconhecem a realeza na antirrealeza, a realeza poderosa e universal na fraqueza humana, em um infante incapaz de falar e de ser eloquente com a palavra. No entanto, os magos entendem, chegam à fé, embora não tendo nem a revelação nem as Sagradas Escrituras; e não por acaso Mateus anota que eles retornam a seu país por meio de outro caminho, isto é, de outro modo de pensar e de viver.

Assim ocorre a revelação, para os judeus e para os gentios: somente olhando para a fraqueza de Jesus, para a sua pequenez, pode-se compreender sua verdadeira realeza, sua verdadeira identidade, não moldada com base nas imagens dos reis e dos poderosos deste mundo. Por outros caminhos, os outros Evangelhos dirão a mesma coisa: contemplação (theoría) de Jesus é vê-lo crucificado (cf. Lc 23,48); visão que leva à fé em Jesus é vê-lo como semente caída na terra (cf. Jo 12,24).

Aqueles magos, convertidos diante da vista do menino naquela pobre família, naquela manjedoura, adoram, prostram-se e lhe oferecem como presente ouro, incenso e mirra, produtos preciosos do Oriente, elaborados pela cultura dos gentios. Aquilo que Jesus ressuscitado poderá dizer aos discípulos – “Ide e fazei discípulas todas as nações” (Mt 28,19) – tem aqui sua primícia. Os povos, de fato, tornam-se discípulos quando buscam com sinceridade, abrem-se com audácia e se põem a caminho sem demora.

Quantos homens e quantas mulheres, do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, como esses magos, buscam o bem, sentem-se viandantes, a caminho, exercitam-se a reconhecer a salvação como humanização e trabalham para que o humano seja cada vez mais humano. Quer saibam ou não, são pessoas às quais toda criança que nasce, todo humano que vem ao mundo aparece com a dignidade de um rei; aparece como um irmão ou uma irmã que espera de nós o nosso ouro (aquilo que temos), o nosso incenso (o perfume desprendido pela nossa presença), a nossa mirra (aquilo que sabemos sacrificar de nós mesmos, gastando a vida pelo outro).

A Epifania é manifestação da verdadeira realeza a todos, cristãos e não cristãos. Mas já nos encaminhamos para a Páscoa, como recorda o anúncio da data dessa festa das festas, que hoje é feita nas Igrejas do Oriente e do Ocidente: a Páscoa, quando o Rei dos judeus terá o fim de qualquer pessoa que ouse pensar e pôr em prática uma realeza como serviço ao outro e não como poder violento. Mas a última palavra pertence a Deus, ao Deus de Jesus!

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