Guerra na Ucrânia. A santa aliança de Ramstein

Reunião na base de Ramstein | Foto: Departamento de Defesa dos Estados Unidos

14 Mai 2022

 

"Na base estadunidense de Ramstein, foi assinada uma aliança militar entre 40 países de todo o mundo para ajudar a Ucrânia a derrotar a Rússia e desintegrá-la", escreve Domenico Gallo, juiz italiano e conselheiro da Suprema Corte de Cassação da Itália, em artigo publicado por Chiesa di tutti, Chiesa dei poveri, 11-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

 

Eis o artigo. 

 

Uma maldição paira sobre a base da OTAN de Ramstein, na Alemanha. Desde 28 de agosto de 1988 durante o Airshow Flugtag '88, durante uma exibição da equipe acrobática italiana houve uma colisão entre os três Aermacchi MB 339 das flechas tricolores, um dos quais caiu no meio da multidão causando 67 vítimas e 346 feridos entre os espectadores. Os três pilotos também morreram, um dos quais, o tenente-coronel Ivo Nutarelli, foi uma testemunha chave do massacre de Ustica, porque na noite de 27 de junho de 1980 ele sobrevoava o mar Tirreno meridional e testemunhou a batalha aérea que levou ao abate do DC9 em voo de Bolonha para Palermo. O caso quis se livrar de uma testemunha, mas circunstâncias mais trágicas dificilmente poderiam ser imaginadas.

 

Após 34 anos, a maldição de Ramstein voltou a atacar, mas desta vez as consequências são imprevisíveis e muito mais graves.

 

Em 26 de abril, a convite dos Estados Unidos, ministros da Defesa de 40 países se reuniram na base estadunidense de Ramstein para uma cúpula extraordinária sobre a Ucrânia. Não só os países da OTAN, mas também Suécia, Finlândia, Austrália, Nova Zelândia, entre outros. Na abertura da cúpula, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, disse: “Hoje estamos aqui reunidos para ajudar a Ucrânia a vencer a batalha contra a Rússia. A Batalha de Kiev ficará nos livros de história. Mas agora (...) temos que entender o que a Ucrânia precisa para combater (...) Queremos tornar mais difícil para a Rússia ameaçar seus vizinhos e enfraquecê-la nesse sentido”.

 

Depois ele reiterou: "Queremos ter certeza de que eles não tenham mais capacidade de intimidar seus vizinhos, aquelas que tinham antes do início do conflito na Ucrânia”. Austin também comparou a resistência do povo ucraniano contra os russos à dos europeus e estadunidenses contra os nazistas, acrescentando que justamente essa resistência “inspirou todo o mundo livre e trouxe grande determinação à OTAN e glória à Ucrânia”.

 

Uma espécie de Santa Aliança dos países do Ocidente foi estipulada em Ramstein com o objetivo de fornecer uma poderosa assistência militar capaz de permitir à Ucrânia derrotar a Rússia e colocá-la em posição de não prejudicar para o futuro, custando o que custar em termos de destruição e mortes. Ao mesmo tempo, o presidente Biden anunciou a destinação de 20 bilhões de dólares em armas, enquanto o primeiro-ministro britânico Boris Johnson incentivou a Ucrânia a exportar a guerra para a Rússia, declarando que considerava "totalmente legítimo" o uso pela Ucrânia de armas fornecidas pelo Reino Unido para atingir alvos dentro do território da Rússia.

 

 

Como a derrota de uma superpotência militar como a Rússia não é algo fácil, o secretário da OTAN Stoltenberg declarou na Cúpula da OTAN em 28 de abril que "esta guerra poderia se arrastar e continuar por meses ou anos".

 

A esta altura, é inegável que a guerra em curso não é mais um conflito entre a Rússia e a Ucrânia, mas se transformou em uma guerra por procuração dos EUA, Reino Unido e OTAN contra a Rússia e que o objetivo não é uma negociação com concessões recíprocas para pôr um fim à guerra, mas a derrota militar da Rússia. O que Kiev entende com derrota da Rússia, foi explicado por Kirill Budanov, chefe da KGB ucraniana, citado por Domenico Quirico (La stampa de 5 de maio): “a desintegração da Rússia ou a remoção de Putin com uma sobrevivência relativa da Rússia”.

 

Em entrevista publicada pelo Corriere della Sera em 1º de maio, o economista estadunidense Jeffrey Sachs, professor da Universidade de Columbia, disse: “Minha hipótese é que os Estados Unidos estejam mais relutantes do que a Rússia para uma paz negociada. A Rússia quer a Ucrânia neutra e o acesso aos seus mercados e recursos. Alguns desses objetivos são inaceitáveis, mas ainda assim claros. Os Estados Unidos e a Ucrânia, por outro lado, nunca declararam seus termos para negociar. Os Estados Unidos querem uma Ucrânia no campo do euro estadunidense em termos militares, políticos e econômicos; essa é a principal razão para esta guerra. Os Estados Unidos nunca deram um sinal de compromisso, nem antes nem depois do início da guerra. (...) Quando Zelensky lançou a ideia de neutralidade, o governo estadunidense manteve um silêncio sepulcral. Todos os dias eu vasculho a mídia para encontrar pelo menos um caso de um membro dos EUA que aprove o objetivo de negociar um acordo. Não vi uma única declaração”.

 

Infelizmente, quanto mais o tom do embate aumenta, maior o risco de extensão do conflito, que se transforma em uma espiral de violência cujo desfecho não pode ser previsto.

 

Na entrevista citada, Jeffrey Sachs coloca o dedo na ferida: “o grande erro é acreditar que a OTAN vai derrotar a Rússia, típica arrogância e miopia estadunidense. É difícil entender o que significa derrotar a Rússia, já que Vladimir Putin controla milhares de ogivas nucleares. Os políticos estadunidenses têm um desejo de morte? Conheço bem meu país, os líderes estão prontos para combater até o último ucraniano: é melhor firmar a paz do que destruir a Ucrânia em nome da derrota de Putin”.

 

Depois de Ramstein, estamos diante de uma virada na guerra e talvez da história. A Santa Aliança nos leva direto para o inferno. Por favor, nada de vitória, nós preferimos a paz!

 

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