A parábola de Jeffrey Sachs da “terapia de choque” ao anticapitalista Francisco

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27 Outubro 2021

 

O Papa Francisco nomeou o economista Jeffrey Sachs membro ordinário da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, prestigiosa entidade de acadêmicos na qual, entre outros, tomam assento o Presidente do Conselho, Mario Draghi, e a ministra da Justiça, Marta Cartabia, esta última nomeada no mês passado. A escolha de Sachs, diretor do Centro para Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia e responsável pela comissão Covid-19 da revista Lancet, não é surpreendente. Há anos fornece consultoria à Santa Sé em matéria de desenvolvimento sustentável, crise climática e políticas contra a pobreza, e o papa confiou-lhe informalmente a tarefa de orientar uma reflexão econômica em sintonia com a visão franciscana, duramente crítica com os excessos do capitalismo.

 

A reportagem é de Mattia Ferraresi, publicada por Domani, 26-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Sachs foi um dos principais autores da encíclica “climática” Laudato si', de 2015, e desde então tem sido onipresente nos debates econômicos e sociais na órbita do Vaticano, falando quase sobre qualquer assunto. Nos últimos anos, visitou o Vaticano em média duas vezes por mês, de acordo com o National Catholic Reporter. Em 2018, declarou que ele, um judeu, encontrou sua "bússola moral" na doutrina social da igreja.

Justamente poucos dias atrás, em um discurso na Universidade Católica de Milão, Sachs ilustrou seu "novo paradigma econômico", que se alicerça sobre os pilares da transição ecológica e da inclusão social. Ele criticou a "democracia do dinheiro" e a "ética da acumulação" que estão na base do modelo capitalista dominante, explicando que o problema, em última análise, deve ser buscado na separação do pensamento econômico das "profundas tradições da sabedoria antiga".

 

Terapia de choque

 

Em poucas palavras: quando a ciência econômica se divorciou da concepção aristotélica do bem comum, gerou mecanismos destrutivos e aumentou desmedidamente as desigualdades. Nas últimas décadas, essa dinâmica teve uma aceleração: “Nos últimos quarenta anos, as nossas sociedades, junto com a destruição do meio ambiente, tornaram-se injustas”, disse Sachs.

De fato, muitos economistas contribuíram para esse processo de separação. Um, por exemplo, é Jeffrey Sachs, que foi o criador da "terapia de choque" que em 1989 levou a Polônia do dirigismo soviético ao liberalismo desenfreado num abrir e fechar de olhos. A ideia era que uma transição “chocante” teria gerado danos e desequilíbrios no curto prazo e prosperidade no futuro, mas uma transição gradual seria “um desastre total”, como escreveu então num memorando ao governo polonês.

A economia polonesa realmente cresceu significativamente, mas quinze anos depois tornou-se evidente que o modelo selvagemente desregulamentado de Sachs havia criado desigualdades estruturais na sociedade, e quem ficou do lado errado da revolução imediatamente se voltou para o populismo conservador em busca de proteção. Não exatamente o modelo social preferido pelo papa dos últimos, que troveja contra o capitalismo insaciável. E até mesmo Aristóteles não o indicaria como um exemplo de eudaimonia.

Outro ponto de tensão entre a ortodoxia de Sachs e a da Igreja diz respeito ao controle populacional e à contracepção, pilares da "saúde reprodutiva" com os quais Sachs pretendia alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos para erradicar a pobreza.

 

Ídolo da mídia de Pequim

 

Deixando de lado as objeções científicas levantadas nos últimos anos aos projetos de desenvolvimento que Sachs concebeu e tentou replicar, com resultados que variam de inconclusivos a desastrosos, disseminados em todo o hemisfério sul, o economista de referência de Francisco é também um filantropo incansável e defensor dos direitos humanos, que muitas vezes se posicionou como defensor oficial da China de Xi Jinping. Ele atacou Donald Trump por sua cruzada contra a China, depois fez o mesmo com Joe Biden, explicando que os EUA devem cooperar, não competir com a China, e que a tragédia política na tragédia sanitária do Covid-19 foi a falta de solidariedade e coordenação com Pequim.

Quando questionado sobre a repressão aos Uigures, que o Departamento de Estado dos EUA descreveu como genocídio, ele respondeu que os Estados Unidos também violam sistematicamente os direitos humanos, o que o tornou uma celebridade na mídia do regime chinês.

A posição pró-chinesa de Sachs converge em certo sentido com a do Vaticano, que renovou o acordo - cujos termos permanecem secretos - com o regime sobre a nomeação de bispos e gestão da igreja patriótica, e evita cuidadosamente qualquer atrito com Pequim.

Precisamente neste ponto, o Vaticano atingiu o mais alto nível de tensão com a administração Trump. Mas uma coisa são os acordos políticos, embutidos em uma doutrina realista que anima a política externa do Vaticano há séculos, outra é a apologia de uma ditadura por um economista que há anos vem se pronunciando sobre as questões fundamentais de nosso tempo como se tivesse sempre no bolso uma bula papal em branco, para ser preenchida com conteúdo ao seu gosto.

 

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