Revolução verde X finanças. Entrevista com Gaël Giraud

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26 Outubro 2021

 

“Sem medidas estruturais e uma revisão dos mecanismos financeiros, a tão alardeada transição ecológica será um simples greenwashing”.

 

Economista brilhante, agora padre jesuíta e diretor do Programa de Justiça Ambiental da Universidade de Georgetown, Gaël Giraud é um dos primeiros defensores da necessidade de se realizar uma mudança radical em nossas sociedades que leve a uma descarbonização total.

 

Num livro de 2013, “A transição ecológica. As finanças ao serviço da nova fronteira da economia” (em tradução livre, Emi), ele destacava as dificuldades de um desafio que hoje está mais do que nunca no centro do debate público.

 

Encontramo-nos com ele em Roma, num momento de pausa entre várias conferências na sede da Fundação Magis, a obra missionária da província euro-mediterrânica da Companhia de Jesus.

 

A entrevista é de Stefano Liberti, publicada por L'Espresso, 24-10-21. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis a entrevista.

 

A Europa lançou um amplo programa de descarbonização, revendo para cima as metas de redução de emissões para 55% até 2030 em comparação com o nível de 1990. O que não convence você?

 

Uma verdadeira transição para uma sociedade de emissões zero deve se assentar em quatro eixos: a substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis, a renovação térmica dos edifícios, a mobilidade verde, a transformação da indústria e da agricultura para modelos menos dependentes de energia. Essa transição custa muito. Com os vínculos impostos pelo tratado de Maastricht para a redução da dívida pública, os Estados hoje não têm os meios para financiar uma mudança tão radical. Já há algum tempo venho dizendo isto: nunca haverá um autêntico novo acordo verde europeu enquanto não revermos radicalmente os mecanismos de funcionamento da União Europeia e não colocarmos as finanças a serviço da transição ecológica.

 

 

 

 

 

Quanto custa a transição ecológica?

 

De acordo com meus cálculos, 500 bilhões de euros por ano deveriam ser gastos na área do euro. Só para a Itália, são necessários 70 bilhões por ano. Esse valor deveria ser tirado do orçamento europeu todos os anos. Como fazer? Colocando um imposto sobre o carbono, ou um imposto sobre as transações financeiras, ou colocando novamente um imposto sobre o capital. Se, além disso, regulamentássemos os paraísos fiscais na Europa, como Irlanda, Luxemburgo, Países Baixos, se obrigássemos a Suíça e o Liechtenstein a terem uma maior seriedade, teríamos um verdadeiro orçamento europeu que poderia ser distribuído nos países para uma verdadeira transição ecológica.

 

Enquanto isso, no entanto, a União Europeia reservou cerca de um terço do total de 750 mil milhões de euros do fundo Next Generation EU para a transição verde. Você não vê isso como uma mudança de linha?

 

Sim, mas são sempre dívidas, que terão de ser saldadas. E se trata de uma medida única: no ano passado, a Alemanha deu sinal verde para uma emissão de dívida, mas especificou que era a primeira e a última vez. Para tornar esta medida credível, dever-se-ia, em primeiro lugar, garantir que os Estados não sejam obrigados a reembolsá-la. Além disso, não se deveria computar no cálculo de 3 por cento da relação déficit / PIB todos os investimentos necessários para a transição ecológica. Isso pode ser feito sem alterar os tratados. Em Bruxelas, eles devem se convencer de que para a área do euro se trata de uma questão de sobrevivência. Enquanto a Comissão Europeia não se empenhar numa reflexão séria sobre este ponto, far-se-ão pequenas coisas marginais, que estarão rodeadas por um grande aparato de comunicação, mas de fato não vão mudar quase nada. Na situação atual, os estados não têm condições de fazer investimentos de longo prazo.

 

O ministro italiano Roberto Cingolani disse que uma transição muito rápida seria um banho de sangue. Por que a transição ecológica é vista como um fardo em vez de uma oportunidade no imaginário coletivo?

 

Todos os ministros da ecologia na Europa estão desacelerando em vez de acelerar por uma razão bem específica.

Porque os bancos, incluindo os bancos italianos, têm em seus balanços ativos financeiros ligados às energias fósseis. Em junho passado, fiz um estudo que analisou a situação dos 11 principais bancos europeus, incluindo os italianos Unicredit e Intesa San Paolo. Esses bancos têm um total de 500 bilhões em ativos financeiros ligados às energias fósseis. Para cada um deles, isso representa uma média de 95% de seus fundos. Os banqueiros há muito entenderam que, se a transação for rápida demais, seus bancos iriam à falência. Então puxaram o freio para impedir que todos possam ir em frente.

 

Uma falência generalizada dos bancos não seria fácil de gerenciar. Como governar tal passagem?

 

Acredito que no médio prazo ainda haverá uma crise financeira determinada por esses ativos fósseis comparável à das hipotecas subprime de 2007-2008. Para evitá-la, nos deparamos com três opções:

 

  • a primeira é nacionalizar todos os bancos que falirem, mas é uma opção perigosa porque a falência de um banco é difícil de controlar.
  • Segunda opção: cada país cria um bad bank, que compra os ativos fósseis dos bancos privados e assume as perdas causadas pela queda desses ativos fósseis. O problema é que, nesse caso, a dívida pública aumentaria e, no final das contas, seria o contribuinte quem pagaria essa passagem.
  • Uma terceira opção, que é indolor para todos, é que o Banco Central Europeu (BCE) compre de volta os ativos fósseis. O BCE pode fazer isso tranquilamente, sem grandes solavancos. Obviamente, deveria fazê-lo com a condição de que esses bancos não invistam mais em energia fóssil.

 

Por que esse tema não está no debate público?

 

Porque os economistas ortodoxos se opõem. O governador do banco central da França me disse que isso seria tecnicamente viável, mas politicamente não seria gerenciável, pois criaria o caos. A verdade é que não querem que os povos percebam o poder de criação monetária do Banco Central Europeu.

 

Por que insiste em dizer que a União Europeia deveria liderar a transição ecológica? São 27 estados que falam línguas diferentes, têm culturas diferentes, modalidades distintas de produção de energia. Não é mais simples que o processo seja impulsionado por uma realidade mais coesa como os Estados Unidos?

 

Para fazer a transição ecológica é necessário dinheiro, excelentes engenheiros e uma população que consiga resistir ao chamado "efeito rebote", onde cada vez que realizamos passos à frente na produção energética, os perdemos porque inventamos novas necessidades energéticas. Deste ponto de vista, a sociedade dos EUA é uma sociedade que consome muita energia e está pelo menos uma geração atrás da Europa. Portanto, a Europa ou o Japão podem ser sociedades líderes nessa transição, mas o Japão está preso à deflação há mais de 25 anos.

Também a Europa está à beira da deflação; se acabarmos como o Japão, a transição ecológica nunca acontecerá. Para tanto, precisamos de um grande plano voluntário, que crie empregos, que crie inflação. Precisamos regulamentar as finanças e fazer aquela operação cirúrgica nos bancos europeus que mencionei antes. Essa transição permitiria criar 6 milhões de empregos só na agricultura, porque faríamos uma agricultura em que haveria menos insumos químicos e uma maior necessidade de trabalhadores.

 

Se a política anda lentamente, a mudança não poderia começar pelos indivíduos?

 

Os indivíduos mais austeros, os mais heroicos que levam uma vida franciscana, podem reduzir sua pegada ecológica em 20-25 por cento. Este é o resultado máximo que pode ser alcançado se todos se tornarem vegetarianos, não utilizarem mais o avião, movendo-se apenas de bicicleta, etc. Os restantes 75% dependem dos Estados, das regiões, das cidades: é preciso que as finanças públicas assumam as suas responsabilidades.

 

Uma pesquisa realizada pela Fundação Magis entre alunos de colégios jesuítas mostrou que as mudanças climáticas são a principal preocupação dos alunos. Mas a mesma pesquisa mostrou dificuldade em imaginar soluções. Você tem esperança nos jovens?

 

Na realidade, a mesma incapacidade de imaginar soluções também é vista entre as gerações mais velhas. Também fiz um levantamento entre meus alunos: um em cada quatro declarou que não teria filhos porque não queria trazê-los ao mundo em um planeta tão comprometido. Há uma inquietude generalizada. Mas, ao mesmo tempo, há um grande desejo de fazer. Quando você dá a eles os instrumentos, os jovens entendem mais rapidamente e começam a imaginar soluções de uma forma extraordinária. Meus alunos me dão energia e uma grande esperança para o futuro.

 

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