É possível melhorar a globalização? Artigo de Branko Milanović

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19 Setembro 2021

 

“Os políticos de direita podem, como fez Trump, fazer muitos movimentos (e barulho) para inclinar o campo de jogo a favor de seus países, mas não podem se desconectar da globalização. Sua oposição à globalização sempre ficará no nível verbal”, escreve Branko Milanović, economista sérvio-americano e professor da Universidade da Cidade de Nova York, em artigo publicado por Letras Libres, 15-09-2021. A tradução é do Cepat.

 

Eis o artigo.

 

Em um excelente livro recém-publicado, Six faces of globalization, Anthea Roberts e Nicolas Lamp apresentam seis narrativas plausíveis da globalização e o que deu certo ou errado com ela, conforme cada uma. Seu enfoque está em reunir cada uma dessas narrativas, apresentar todos os seus aspectos conforme se posicionariam seus defensores, com mínimas interferências externas (ou seja, com poucas interferências próprias), e na segunda parte discutir suas diferenças e intersecções.

Aqui, resenharei as seis narrativas, talvez falando um pouco sobre cada uma delas explicitamente, porque todas são muito conhecidas pelo público em geral e porque espero que minha crítica a cada narrativa lance indiretamente luz suficiente sobre os pontos principais.

O primeiro enfoque discutido por Roberts e Lamp é o ponto de vista do establishment, segundo o qual a globalização beneficia, em última instância, todos os participantes, mesmo que os benefícios sejam desiguais e, em muitos casos, demorem muito para se materializar.

A narrativa do establishment é muitas vezes egoísta, como quando ignora o fato de que os Estados Unidos não se tornaram ricos com o livre comércio, mas, ao contrário, com o protecionismo hamiltoniano, ou que os acordos comerciais estabelecidos após a Segunda Guerra Mundial foram menos motivados por princípios de livre comércio ou “ordem internacional liberal” e mais pelo desejo estratégico de unir, em um marco de forte interdependência, os países do “Mundo Livre” (convenientemente definido para incluir todos os que não fossem comunistas, independentemente da política interna).

A maior vantagem da narrativa do establishment é que pode reivindicar, de modo muito plausível, que os vínculos econômicos mais estreitos entre países contribuíram, a partir de 1980, para duplicar a produção mundial per capita e o consumo de bens e serviços.

A narrativa de esquerda (sob a qual combino o que Roberts e Lamp chamam de narrativa de esquerda “populista” a Bernie Sanders e Elizabeth Warren com a narrativa monopolística do “poder corporativo”) é, em muitos sentidos, a mais consistente. Seus pontos fortes são dois: (1) as políticas internas se inclinaram a favor das pessoas ricas em capital e de alta renda, e (2) as políticas a favor das empresas permitiram que as grandes empresas se tornassem monopsonistas no mercado de trabalho (o único empregador local) e que não paguem a parte de impostos que lhes corresponde.

Os dois pontos não apenas estão certos, mas dirigem corretamente a atenção para as origens políticas do mal-estar da classe média. O mal-estar foi em grande medida (voltarei a esse qualificativo “grande”) produzido pela capacidade das empresas e os ricos em criar um marco legal favorável a eles mesmos, sobretudo com impostos mais baixos. (Ler The Wall Street Journal permite definir de modo muito simples a visão de mundo dessa categoria de pessoas. Só há duas variáveis que importam: quão alto está o “mercado” e quão baixos são os impostos?).

Mas o qualificativo “em grande medida” não estava ali sem motivo. A queda tanto do tamanho como da renda relativa da classe média ocidental não é apenas produto das políticas internas. Ocorreu também porque a globalização permite às empresas se deslocar para lugares mais baratos (com salários mais baixos) ou substituir a produção de bens nacionais por importações mais baratas.

Os defensores da visão de esquerda têm dificuldades em reconhecer uma coalizão tácita de interesses que foi criada entre os capitalistas do mundo rico e os pobres dos países em desenvolvimento. Ambos ganham ao substituir os trabalhadores ocidentais mais caros.

No capítulo sobre a narrativa da ganância corporativa, uma crítica precisa às grandes corporações ocidentais para evitar impostos se mistura com uma tentativa de mostrar que o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio ou outros acordos semelhantes produziram piores resultados para os trabalhadores nos países ricos e pobres. É muito difícil aceitar isso.

Os trabalhos muito mal remunerados do ponto de vista ocidental são geralmente trabalhos muito bem remunerados do ponto de vista dos países em desenvolvimento. Os trabalhadores do Vietnã, Tailândia, Etiópia ou Peru não estão descontentes por serem contratados por empresas estadunidenses, europeias ou chinesas. Em muitos casos, sua alternativa é não ter nenhum trabalho ou viver no limite da subsistência através do trabalho autônomo. As tentativas em defender algum tipo de solidariedade internacional dos trabalhadores fracassam sobre a dura base do interesse próprio.

No entanto, esse problema não incomoda aqueles a quem Roberts e Lamb chamam de “populistas de direita”. Os populistas de direita têm uma visão coerente do mundo. Primeiro, nele, o bem-estar dos estrangeiros não importa em absoluto (portanto, de modo algum têm interesse se os trabalhadores mexicanos estão melhor com o comércio ou não). Em segundo lugar, a homogeneidade cultural nacional - uma recriação em grande parte fictícia dos anos 1950 e 1960 - é o ideal pelo qual lutar. Seu problema não é a falta de coerência intelectual.

O problema dos populistas de direita é que seus partidários gostam das partes da globalização que lhes fornecem bens baratos, mas não gostam de perder trabalhos bem remunerados, que é uma condição sine qua non para a produção dos bens baratos que gostam. Em outras palavras, seus seguidores adoram comprar telas de televisão HD baratas, mas também gostam de ter trabalhos na indústria a 50 dólares por hora.

Mas essas duas coisas não podem coexistir. Portanto, os políticos de direita podem, como fez Trump, fazer muitos movimentos (e barulho) para inclinar o campo de jogo a favor de seus países, mas não podem se desconectar da globalização. Sua oposição à globalização sempre ficará no nível verbal, estão presos ao mastro da globalização pela atração em alcançar uma alta renda real por meio do consumo de bens mais baratos. Portanto, na minha opinião, não se deve levar a sério a oposição de direita em matéria de políticas.

Mencionarei apenas de forma breve as outras duas narrativas. A narrativa geoeconômica enxerga a globalização através dos olhos belicosos do interesse nacional. Não é uma abordagem atraente, mas é coerente do ponto de vista interno. Para seus partidários, não existe uma globalização boa ou ruim. Só existe uma boa globalização para os Estados Unidos ou uma má globalização para os Estados Unidos (ou qualquer outro país).

Isso lhes permite transitar, sem problemas, do apoio ao uso do poder para retirar direitos de propriedade intelectual à utilização do poder para evitar o compartilhamento dos direitos de propriedade intelectual; do posicionamento a favor de melhores condições trabalhistas a ser contra elas. Assim, sua total incoerência intelectual em particularidades se explica pela total coerência intelectual em um nível superior.

A última narrativa é a do tipo “nós [todos os que vivemos no mundo, independentemente da nação, renda, classe, gênero, raça, etc.] estamos no mesmo barco”. Não há muito o que dizer a esse respeito, exceto que, ao contrário de qualquer outra narrativa, consegue não ter coerência intelectual interna e ser totalmente fluida em relação a como as coisas devem ser melhoradas.

Então, é possível, considerando a abordagem do livro de Roberts e Lamb, “melhorar” a globalização? A única narrativa que mostra alguma promessa é a que eles chamam (na minha opinião, erroneamente) de esquerda “populista”. Enxerga os problemas cruciais em nível de política nacional, nos sistemas políticos nacionais, e pode, ao menos em teoria, se concentrar nessas deficiências e tentar repará-las.

Penso que não pode ser muito otimista em todos os temas devido à propensão natural da globalização, seja através dos movimentos de capital ou do comércio, em favorecer os produtores mais baratos, e a classe média ocidental geralmente não é esse produtor. Mas essa abordagem pode reduzir o poder político e econômico do 1% mais rico, financiar bens públicos, aumentar os impostos para os ricos e as grandes empresas e melhorar o clima político nacional.

 

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