O teólogo Yves Congar, das sombras à luz do Vaticano II. Entrevista com Étienne Fouilloux

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12 Fevereiro 2021

O historiador Étienne Fouilloux acaba de publicar uma biografia sobre o teólogo dominicano Yves Congar, que criticava Roma antes de ocupar um lugar de destaque no Concílio Vaticano II.

A entrevista é de François Huguenin, publicada por La Vie, 15-01-2021. A tradução é de André Langer.

Étienne Fouilloux é um dos melhores historiadores do catolicismo contemporâneo. Ele escreveu especialmente Une Église en quête de liberté. La pensée catholique française entre modernisme et Vatican II (1914-1962) [Uma Igreja em busca de liberdade. O pensamento católico francês entre o modernismo e o Vaticano II (1914-1962)] e biografias sobre François Varillon e o cardeal Tisserant (Desclée de Brouwer).

Fouilloux acaba de publicar, pela editora Salvator, uma biografia sobre o teólogo dominicano Yves Congar (1904-1995), de quem foi um interlocutor próximo e de quem editou o Journal d’un théologien, Cerf (Diário de um teólogo). Pioneiro do ecumenismo e eclesiólogo de alto nível, Congar estava na mira de Roma, antes de desempenhar um papel decisivo no Concílio Vaticano II e terminar como cardeal.

Eis a entrevista.

Você acabou de escrever uma biografia sobre Yves Congar!

Eu conheci Yves Congar pessoalmente em 1967, quando preparava minha tese sobre a história do ecumenismo. Mantivemos o diálogo ao longo de 20 anos. Eu o encontrei primeiramente Le Saulchoir entre 1968 e 1971, depois no convento dominicano de La Glacière no 13º arrondissement de Paris, e finalmente em seu leito de sofrimento nos Invalides, no final de sua vida. Ele abriu seus arquivos para mim sobre sua participação no movimento ecumênico e seus problemas com Roma, de uma forma muito liberal. Esta biografia é a culminância de uma longa jornada.

Que lugar ele ocupa entre os grandes teólogos do século XX?

Não tenho certeza se ele é um dos maiores. Ele próprio concordou que não tinha formação filosófica para dominar todos os problemas. Ele teve uma cultura tomista, mas não tinha a formação fenomenológica de Karl Rahner, nem o universalismo humanista de Hans Urs von Balthasar, nem mesmo a abertura intelectual de Henri de Lubac. Era um especialista na Igreja. Mas seu trabalho sobre a reforma da Igreja e o ecumenismo coincidiu perfeitamente com as linhas gerais do Vaticano II.

Ele tinha uma capacidade de trabalho excepcional...

Ele dormia 5 horas por noite e isso era o suficiente para ele. Quando eu ia vê-lo, seu leitmotiv era sempre me dizer: “Trabalhe!” Nos seus campos de competência, a história da Igreja e a eclesiologia, a teologia da Igreja e o ecumenismo, ele tinha, pelo volume dos seus conhecimentos e pela sua capacidade de registrar tudo o que lia, um material extraordinário que reorganizava em sua própria linha de pensamento. Era um homem completo, que lia várias línguas, tanto o alemão como o francês, mas também o inglês e o italiano.

O senhor diz que Congar tinha quatro vocações: sacerdotal, dominicana, mas também eclesiológica e ecumênica. Todas elas eram de igual importância?

Penso que as vocações eclesiológica e ecumênica são mais importantes do que a vocação sacerdotal. Congar rapidamente percebeu que não seria padre de paróquia. Claro, a vocação dominicana é central, mas ele hesitou durante muito tempo com a ordem de São Bento. Para o ecumenismo, sentiu-se chamado em Düsseldorf ao ler a oração pela unidade de Cristo. A eclesiologia e a unidade cristã sempre foram suas principais preocupações.

Em sua juventude, Congar experimentou influências muito diversas, até mesmo contraditórias...

Logo no início de sua vida, tem a influência do abade Lallement, de Jacques Maritain e, em menor medida, de Réginald Garrigou-Lagrange. E tem a Action Française, da qual seus irmãos são muito próximos. Ele permaneceu um patriota francês durante toda a sua vida, e durante a guerra seu antissemitismo político permaneceu problemático.

Ele recebe contribuições bem diferentes, como a do padre Marie-Dominique Chenu...

Chenu é fundamental, especialmente porque o separa das influências anteriores, dando-lhe maior liberdade no apego à fé cristã. Ele substituiu Lallement como mentor e foi um grande amigo.

Na década de 1930, Congar atacou o que chamou de “teologia barroca”, ou seja, um certo escolasticismo tomista antimodernista que era a teologia oficial dos papas e da Igreja. O que esse movimento de contestação representou na época?

É claro que era Le Saulchoir, o lugar de formação teológica dos dominicanos, mas também a escola de Fourvière, com os jesuítas, tendo Lubac na liderança. Enquanto os dominicanos focam seu trabalho na historicização do tomismo, para não petrificá-lo, os jesuítas preferem usar a filosofia de Maurice Blondel. Mas, em menor grau, iniciativas semelhantes podem ser encontradas na Alemanha, em Louvain, em Freiburg e em Milão. Esta ofensiva suscita o aborrecimento e até a condenação de Roma, especialmente na França.

Como era o trabalho de Congar na prática?

A sua atividade desenvolve-se em três frentes: a coleção “Unam sanctam”, que ele cria e dirige na editora Cerf, que é concebida como um instrumento de reforma da Igreja. Depois vêm os encontros ecumênicos: Yves Congar é o padre francês que tem mais contatos com outras denominações cristãs. E, finalmente, toda uma atividade direcionada para a Juventude Operária Católica (JOC) belga e do norte da França.

Ele sofreu duas ondas de ataques: a primeira no final dos anos 1930 e a segunda durante o expurgo de 1954... É ainda notável que, como Lubac ou antes dele o padre Marie-Joseph Lagrange ou Pierre Teilhard de Chardin, Congar se submete a Roma, mas mantendo sua independência de pensamento...

Todos eles se submeteram, ao contrário de Émile Poulat ou Henri Desroche, que deixaram as suas respectivas ordens. Mas eles nunca desistiram de suas ideias. Congar está convencido de que está certo e de que os teólogos do papa estão errados. Sua submissão nunca irá tão longe a ponto de capitular intelectualmente. Ele se perguntou se deveria tornar-se protestante ou anglicano, mas optou por permanecer na Igreja Católica.

O que os anos de cativeiro durante a Segunda Guerra Mundial nos dizem sobre sua personalidade?

Ele viu a interrupção de sua atividade normal de forma muito dolorosa. Mas ele não se resigna. É um rebelde que, desde o primeiro dia, tenta escapar. Ele se entrega a uma forma de resistência modesta que é muito difícil para nós conciliarmos com seu marechalismo. Mais tarde, ele disse: “Eu me tornei duro nessa época”. Contra Roma, ele transpôs de alguma forma essa fase de resistência à opressão, mesmo que as duas realidades não tenham nada a ver com isso. Ele chegou a chamar provocativamente o Santo Ofício de “Gestapo” e continuou sendo de difícil manejo para seus superiores.

Principalmente porque na verdade é inclassificável e irredutível a rótulos...

Sua independência de espírito é um traço de caráter que remonta à infância. Ele não é nem de direita nem de esquerda. Ele não é conservador, mas também não é progressista, ao contrário de Chenu. Mas eu diria que ele é um homem de progresso no plano eclesial.

No Concílio, ele passa do status de convidado surpresa que lutou para existir plenamente, para ser a pessoa que melhor encarnou o evento. Por quê?

A glória de Congar precede em pouco sua ação no concílio. Ele passou das sombras à luz pouco antes de se tornar um dos redatores dos textos conciliares. Para muitos bispos, ele é a pessoa certa porque, ao contrário de Rahner, ele sabe redigir textos sem passar todas as suas ideias, buscando o melhor consenso possível. Ao contrário de Lubac, que tem um temperamento mais reservado, também sabe trabalhar em equipe. Mas foi preciso esperar a redação da Lumen Gentium em 1963 para que ele decolasse. Ele também participa da redação da Dei Verbum. Ele tem menos sorte com a Gaudium et Spes, uma vez que seu esquema não é mantido.

Mas Congar volta a ser determinante no trabalho da comissão mista formada entre a comissão teológica – a que pertence – e o secretariado para a unidade, com a redação dos três esquemas que levam ao decreto sobre o ecumenismo (Unitatis Redintegratio), à declaração sobre as religiões não-cristãs (Nostra Ætate) e à declaração sobre a liberdade religiosa (Dignitatis Humanæ). Junto com Joseph Ratzinger, foi ele mesmo quem, ao final do concílio, retoma a redação de alguns textos menores que começaram mal teologicamente...

E acaba recebendo o barrete de cardeal, in extremis...

Depois do concílio, ele continuou a defender as reformas, como os avanços sobre a colegialidade. Em sua última conversa com Paulo VI, ele evoca o lugar das mulheres. Ele ainda é considerado por alguns – erroneamente, na minha opinião – como um revolucionário. Mas devemos admitir que ele foi um cardeal “atrasado” em 1994. Na minha opinião, ou ele deveria ter recebido essa distinção logo após o Concílio, ou deveria ter renunciado a ela.

Esta geração é a última a produzir grandes teólogos?

A contribuição desta geração foi integrar a contribuição da história com a teologia. Hoje, os teólogos tornaram-se novamente metafísicos, mais fenomenólogos do que tomistas. Eles deixaram a história para os acadêmicos e estão mais orientados para a exegese ou a patrística. Mas, afora Christoph Theobald, não vejo o equivalente. Ou então entre os leigos, como Jean-Luc Marion ou Rémi Brague.

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