O novo cardeal Matteo Zuppi: um padre está nas ruas, não nos salões

Matteo Zuppi. Foto: Romano Siciliani | KNA

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05 Setembro 2019

Padre Matteo”, repetem todos, é um “padre das ruas”. A expressão o faz sorrir: “Mas é claro. Diga-me onde mais um padre deveria estar. Em uma sala de estar?”.

A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 04-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Matteo Zuppi, 63 anos, arcebispo de Bolonha, é o único italiano entre os 13 novos cardeais que receberão a púrpura no consistório convocado por Francisco para o dia 5 de outubro. Quando o papa o anunciou no Ângelus, no domingo, ele estava em peregrinação a Lourdes com os fiéis das dioceses emilianas. Ele não imaginava. Francisco não avisou.

“Em princípio, eu não percebi o celular que estava tocando. Depois, vi os telefonemas, as mensagens...”

Eis a entrevista.

Qual foi a primeira coisa em que o senhor pensou?

Eu estava olhando para as pessoas na minha frente. O sofrimento que não se esconde, a capacidade de se ajudar em vez de fugir, uma grande imagem da Igreja como deve ser, que, na fragilidade, ama e defende a vida como uma mãe. Naquele dia, era Santo Egídio. Eu vivi isso como um sinal, para além das leituras de geopolítica interessada, de contracheque ou cegas, que querem criar alinhamentos e contraposições na Igreja, replicando o que às vezes vemos dolorosamente na sociedade civil.

Existe a tentação de aplicar categorias políticas à Igreja?

Ela sempre existiu e acaba a ofendendo e enfraquecendo. A Igreja é complicada, é feita de seres humanos e sempre tem algo de imprevisível, o Espírito. Francisco fala de poliedro: ele tem muitas facetas, e isso deve nos fazer crescer na comunhão. Amar a Igreja na sua diversidade: devemos aprender isso.

O senhor falava de Santo Egídio. A sua vocação nasceu na comunidade?

Sim, no Liceu Virgilio, de Roma, quando eu estava na quinta série ginasial e conheci Andrea Riccardi. Lá, eu encontrei um Evangelho vivo e aprendi o que um cristão deve fazer: amar a Deus e ao próximo, e assim a si mesmo. Na universidade, decidi me tornar padre. Eu me formei em Letras e Filosofia na História do Cristianismo, com uma tese sobre o cardeal Schuster. O Pe. Turoldo me ajudou a entendê-lo. Em Milão, ele defendeu e acolheu muitos partigiani e, depois, com razão, ficou escandalizado com a barbárie da Praça Loreto, não por ser antifascista ou fascista, mas por ser padre e monge.

O papa está partindo para Moçambique. Há 27 anos, o senhor também estava na delegação da Santo Egídio, que mediou entre as facções em guerra.

Eu era vice-pároco em Trastevere, celebrava em Primavalle. Na primeira vez, fomos para Moçambique em 1984. Havia condições de vida inacreditáveis. A seca, a guerra. E os mercados vazios, não havia nada. É bem verdade que a atenção aos outros nos torna melhores: a necessidade de fazer algo, de não se resignar à lógica da impossibilidade.

Francisco denuncia a “terceira guerra mundial em pedaços” e viaja para as periferias.

O papa diz que, na realidade, toda guerra é uma guerra mundial e, portanto, também diz respeito a nós. As consequências não podem ser circunscritas. E não podemos “tapar o sol com a peneira”: temos que resolver.

O senhor é o segundo cardeal da família, depois de Carlo Confalonieri.

Ele era tio da minha mãe, de Seveso, ex-secretário de Pio XI. Lembro-me do seu rigor ambrosiano, a ideia do serviço à Igreja, ônus e não honras. Nesse sentido, ele era um verdadeiro católico romano: os católicos romanos obedecem ao papa e não o interpretam de modo malévolo para criticá-lo.

Mas as contestações contra Francisco vêm em nome da Tradição.

A força da Igreja é a unidade em torno daquele que preside na comunhão. A preocupação de Francisco é pastoral. “Trair” [tradere] significa entregar. O problema não é adaptar a verdade ou reinventá-la, mas sim torná-la próxima para que o Evangelho possa chegar a muitos. As subleituras ditadas por resíduos ideológicos não o entendem. O papa nos ajuda a reviver o Evangelho: a Galileia é periferia, o homem meio morto pela estrada é periferia. Lá encontramos o próximo.

Existe um cristianismo identitário e soberanista que se opõe a isso.

A política deveria se ocupar de resolver os problemas, em vez de conduzir uma campanha eleitoral permanente. Encontre soluções, não faça com que os pobres no mar paguem a conta. Passaram-se 30 anos desde que Jerry Masslo, que fugiu do apartheid, foi morto em Villa Literno. Aquela manifestação de ódio, preconceito, arrogância, exploração e camorra foi o início de algo que precisávamos aprender a gerir: como enfrentar um problema epocal? Mas ainda estamos em dificuldades. A Europa deveria recorrer à sua verdadeira raiz: o humanismo. A nossa identidade verdadeira são as pessoas que, na Calábria, mergulharam na água para salvar os náufragos.

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