1º de abril de 1964: golpe de Estado é golpe, ditadura é ditadura

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01 Abril 2019

"Não é possível celebrar um período histórico onde a barbárie oficial foi praticada com tal repressão e com tanta morte. Um Congresso como o nosso, que garantiu o impeachment de uma presidente com fundamento principal em 'pedaladas fiscais' (!?), certamente não tomará qualquer iniciativa de iniciar um processo desse tipo contra o atual presidente, por força da decisão que ele tomou", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

Eis o artigo.

“É incompatível com o Estado Democrático de Direito festejar um golpe de Estado e um regime que adotou políticas de violações sistemáticas aos direitos humanos e cometeu crimes internacionais”.

Assim é introduzido, pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o assunto da nota pública nº 1 de 2019, assinada em 26 de março findo, pelas Procuradoras Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, Eugenia Augusta Gonzaga, Domingos Dresch da Silveira e Marlon Alberto Weichert, sobre a recomendação que o presidente Bolsonaro dirigiu ao Ministério da Defesa para comemorar os 55 anos do golpe de 1964.

A inconstitucionalidade da recomendação é grave, nesses tempos em que esse tipo de vício jurídico, partido de determinações do presidente, repete-se com frequência. A leitura da nota prova o desvio de poder que ela denuncia. Naquilo que mais caracteriza as iniciativas do que ainda se pode chamar de poder executivo no Brasil, o presidente tentou remendar a tal recomendação, fazendo crer que ela não tratava tanto de comemorar mas sim rememorar, como se uma desculpa simplória dessas pudesse livrá-lo da irresponsabilidade de um ato que “representa a defesa do desrespeito ao Estado Democrático de Direito”, como refere a Procuradoria.

Contra possíveis interpretações tendenciosas, de a nota sustentar-se em posições meramente ideológicas ou sem fundamento legal, as procuradoras e os procuradores dela signatários tratam de fundamentá-la na própria Constituição Federal e em leis que enquadram a conduta do presidente até em crime de responsabilidade:

“O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988. O apoio de um presidente da República ou altas autoridades seria, também, crime de responsabilidade (artigo 85 da Constituição, e Lei n° 1.079, de 1950). As alegadas motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de derrubada inconstitucional de um governo democrático, em qualquer hipótese e contexto. Não bastasse a derrubada inconstitucional, violenta e antidemocrática de um governo, o golpe de Estado de 1964 deu origem a um regime de restrição a direitos fundamentais e de repressão violenta e sistemática à dissidência política, a movimentos sociais e a diversos segmentos, tais como povos indígenas e camponeses.” {...} “Festejar a ditadura é, portanto, festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas. Aliás, utilizar a estrutura pública para defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11 da Lei n° 8.429, de 1992.” {...} “De fato, os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas. Estima-se que entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. Esses crimes bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais) foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República.”

Não é possível celebrar um período histórico onde a barbárie oficial foi praticada com tal repressão e com tanta morte. Um Congresso como o nosso, que garantiu o impeachment de uma presidente com fundamento principal em “pedaladas fiscais” (!?), certamente não tomará qualquer iniciativa de iniciar um processo desse tipo contra o atual presidente, por força da decisão que ele tomou. Contudo, se as bases legais da nota publicada pela Procuradoria da República de defesa do cidadão for interpretada sem a trave da “segurança” dos “riscos”, até hoje celebrados (!) pelo escalão militar golpista de 1964, para explicar o inexplicável, essa possibilidade existe com previsão expressa.

Qualquer leitor/a da referida nota, pode formar juízo sobre a gravidade do crime praticado pelo presidente bem como passível de um processo como o de impeachment, com muito maior razão:

- No seu artigo 85, inciso V, da Constituição Federal, lê-se o seguinte: Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: V - a probidade na administração;

- Da lei Lei 1079 de 1950, alguns dos incisos do seu artigo 7º poderiam ser lembrados para considerar-se a prática criminosa do presidente:

“Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais: 5 - servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua; 7 - incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina; 8 - provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis.

Quando esta lei foi promulgada, a Constituição de 1946 ainda estava em vigor. O nº 9 do mesmo artigo 7 desta lei 1079 de 1950 incluía a lembrança dos artigos 141 e 157 da então Constituição de 1946, justo os que previam direitos individuais e sociais - como a Constituição brasileira em vigor prevê nos seus artigos 5º e seguintes - prevendo crime de responsabilidade, também, na hipótese de se: “9 - violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição.”

Não existem direitos mais desobedecidos pelo atual (des)governo do Brasil do que os sociais. Todo o arcabouço dos seus projetos de lei e nomeação de seus ministros, de modo paradoxal, só aqueles são redigidos e só esses escolhidos conforme o seu perfil político, se forem contrários aos referidos direitos.

- Da lei 8429 de 1992, referida igualmente pela nota da Procuradoria da República, pode ser lembrado o artigo 11 inciso I : “11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: “ I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.”

Como a fidelidade ao seu mandato e a obediência à Constituição vigente não são prioridade de quem manda atualmente no Poder Executivo da União, é mais do que provável ignore ele o aviso constante na nota assinada pela Procuradoria Federal de defesa do cidadão. Até quando a nação vai suportar esse tipo de “exercício de autoridade”, isso, com a vênia de quantas/os o elegeram, a nota parece indicar que esse limite já foi até ultrapassado.

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