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28 Julho 2017

Ao contrário de Lula e Dilma, primeiro governo de esquerda do país tinha projeto de Reformas de Base. Mas não soube avaliar nem a força do povo, nem a de seus inimigos

O artigo é de Eduardo Migowski, publicado por Voyager e reproduzido por Outras Palavras, 26-07-2017.

Eudardo Migowski é professor formado em história, mestre em filosofia pela PUC/Rio, e atualmente faz doutorado em ciências políticas na UFF.

Eis o artigo.

Advertências:

1) Este texto aborda o lado humano e, portanto, passível de erros de algumas personalidades que foram transformadas em mitos. Criticar uma pessoa não significa odiá-la ou não reconhecer outros méritos. Sei da importância de nomes como Leonel Brizola e Luis Carlos Prestes, mas, como todo mortal, eles não estão acima de bem e do mal e cometeram erros ao longo da vida.

2) A culpa de um golpe é sempre de quem o comete. Porém, erros de avaliação política podem permitir que o discurso golpista ganhe corpo e avance. Esse texto não pretende culpar a esquerda pelo golpe da direita, mas refletir sobre possíveis erros.

Introdução

No dia 23 de novembro de 1961, o então ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas, chegou ao Congresso Nacional para uma sabatina. Os parlamentares estavam preocupados e queriam explicações: o Brasil havia reatado relações diplomáticas com a União Soviética, fato que muitos julgavam colocar em risco a soberania nacional.

Tanto no governo de João Goulart quanto no Dilma/Lula, o impasse entre Executivo reformista e Legislativo reacionário dividiu setores da esquerda

Dantas era um jurista filiado ao PTB e, como chanceler, defendia uma inserção autônoma da nação no cenário internacional. A ideia, que deu origem à Política Externa Independente (PEI), como ficou conhecida, era que a diversificação das parcerias proporcionaria maior autonomia ao país. Era uma política que prezava pelo pragmatismo. O Brasil não se aliaria a nenhum dos dois blocos, muito pelo contrário, manteria equidistância de ambos e buscaria tirar proveito das rivalidades entre as potências. Em princípio, não haveria problema, esse tipo de política já se mostrara exitosa em vários momentos. Mas como explicar para os deputados?

Dantas fez uma exposição sucinta sobre as diretrizes da PEI. Destacou seus benefícios políticos, estratégicos e econômicos. Mas não eram essas questões que interessavam naquele momento. Discutir geopolítica é muito chato. O que preocupava os parlamentares era um possível golpe comunista ou o impacto que tal medida teria na fé católica do povo brasileiro. O deputado Arruda Camara, eleito pelo Partido Democrático Cristão (PDC), por exemplo, lembrou aos presentes um detalhe que julgava inadmissível. O acordo fora celebrado no Dia de Ação de Graças, uma afronta à Igreja Católica na avaliação do político, que também era padre. O aparte recebeu palmas e apoio dos demais.

Dantas, um defensor do diálogo, lembrava aos presentes que até os EUA mantinham relações diplomáticas com o bloco comunista e que o Brasil estava ficando isolado. Tudo em vão. O que realmente atormentava o legislativo era o golpe comunista que, imaginava-se, estaria mais próximo.

Não pretendemos discutir Política Externa neste texto. A sabatina de Dantas foi apenas um exemplo para mostrar um fato que muitas vezes é ignorado: o Executivo não governa sozinho. Quando há divergências de ideias entre esses dois poderes, a governabilidade tona-se extremamente complexa. Nesse caso, o fim pode ser trágico.

Tanto no governo de João Goulart quanto no Dilma/Lula, o impasse entre Executivo reformista e Legislativo reacionário dividiu setores da esquerda. É possível governar sem maioria no congresso? Caso a resposta seja negativa, como então obter essa maioria sem abrir mão do projeto reformista? Essas são perguntas difíceis. Na verdade a resposta pode variar dependendo do contexto político. Olhar para casos concretos pode ser uma forma de perceber a complexidade da questão e, sobretudo, evitar que os erros do passado se repitam. Para isso, é fundamental que a esquerda estude de forma mais aprofundada a primeira experiência progressista da história brasileira, o governo de João Goulart.

O PTB e as Reformas de Base

João Goulart durante o Comício da Central do Brasil (Foto: Acervo do Jornal do Brasil)

Nos anos 1960, basicamente três partidos dominavam o cenário político nacional. O PTB, agremiação mais à esquerda, era o herdeiro do trabalhismo varguista. O PSD era uma legenda de centro, muito forte no interior do país. À direita estava a UDN, partido liberal/conservador que tinha nas classes médias urbanas sua principal base política.

O PTB foi criado por Vargas. Quando da sua fundação, a legenda não tinha um projeto político claro. Na primeira convenção, realizada em 14 de novembro de 1945, foram aprovadas apenas algumas diretrizes vagas, como: “melhor distribuição da riqueza” ou “amparar o trabalhador”. A verdade era que o PTB dependia apenas de uma única liderança.

Com a morte do presidente em 1954, os trabalhistas entraram num dilema. A principal liderança carismática não existia mais, não seria possível viver eternamente do passado. É nesse momento que intelectuais, como San Tiago Dantas, ganham projeção.

É, portanto, após 1954, que o PTB começa a conformar um projeto político coerente. Segundo os intelectuais do partido, o nacional desenvolvimentismo dava sinais de esgotamento. O crescimento econômico já não era o mesmo e a inflação não parava de crescer. A proposta que emerge nesse contexto era a de converter o nacional-desenvolvimentismo num social-desenvolvimentismo.

A modernização não poderia ser mais conservadora. Seria preciso fazer reformas sociais capazes de diversificar a produção (para controlar a inflação) e ampliar o mercado interno (para retomar o crescimento).

É dessa discussão que ganham força as chamadas Reformas de Base (basicamente agrária, urbana, educacional e financeira). Tal projeto teve excelente acolhida nos diversos campos da esquerda. Podemos dizer que, excluindo algumas pequenas correntes stalinistas (reunidas no recém-criado PCdoB), as Reformas de Base uniram as esquerdas. Até o PCB, que a esta altura já havia desistido da revolução armada, apoiou tais medidas.

Porém, nada em política é simples. Se as Reformas de Base uniam as esquerdas, os meios para alcançá-las era fator de infindáveis disputas. A realidade é sempre mais complexa que a teoria.

O Governo Goulart e as Disputas Ideológicas

Charge de Lan, publicada no Jornal do Brasil,
em junho de 63

João Goulart é muitas vezes apresentado como um político inábil, tanto por setores da esquerda quanto pela direita. Muitos inclusive o culpam pelo desfecho trágico do seu governo. Mas, analisando de perto o contexto e as opções políticas a seu dispor, é possível perceber a complexidade da empreitada que havia caído no colo do presidente.

Jango tinha em suas mãos um projeto reformista ousado, porém estava cercado por um congresso extremamente conservador, por uma mídia hostil e por um exército golpista. Para piorar, estava sendo pressionado pela esquerda, para impor as reformas, independente da opinião do legislativo; e pela direita, que temia um golpe comunista. De fora, os EUA asfixiavam o país financeiramente enquanto fortaleciam a oposição nos estados.

Para piorar, o PTB estava rachado. De um lado, a ala mais radical, comandada por lideranças como Leonel Brizola e Miguel Arraes, queria o que ficou conhecido como reformas na lei ou na marra. Esse grupo, que era reforçado pelos movimentos sociais e pelo PCB, não aceitava qualquer tipo de acordo com o centro. Ou as reformas passavam ou elas seriam impostas. O problema era que na lei, havia o veto do Congresso, e na marra, havia o “veto” dos militares. Mas nada parecia importar, eles queriam as reformas a qualquer custo. Pressionavam o executivo sem, contudo, mostrar como tais políticas seriam implementadas. A batata quente estava nas mãos do presidente, era ele quem deveria decidir. Esse primeiro grupo da esquerda foi apelidado, por San Tiago Dantas, de esquerda negativa.

Dentro do mesmo partido, mas com opiniões mais moderadas, estava a chamada “esquerda positiva”, liderada obviamente por Dantas e por um jovem intelectual que, a despeito da pouca experiência política, já era muito respeitado pelo seu brilhantismo acadêmico, Celso Furtado. A “esquerda positiva” defendia a conciliação com o centro político e a adoção de um calendário reformista pactuado. San Tiago Dantas, ao criticar a esquerda radical, numa frase que se mostrou profética, disse que esse grupo queria “desenvolver uma ação capaz de desencadear no país um processo revolucionário, com o perigo de dar lugar à implantação de uma ditadura das forças reacionárias”. Sua proposta, em contrapartida, seria a conformação de uma frente ampla pelas reformas, que respeitasse os limites da democracia.

Goulart se aproximou de Dantas e Furtado. A estratégia era sinalizar para os setores mais progressistas do PSD, o maior partido do Congresso (118 parlamentares). O PTB, por sua vez, possuía 116 correligionários eleitos para o legislativo. Juntos, os dois partidos poderiam isolar a UDN e aprovar as reformas com boa margem. A coligação PTB/PSD já havia sido a responsável pela volta do regime presidencialista e poderia proporcionar ao presidente a governabilidade necessária para concluir seu mandato. Nada, porém, seria simples.

A Primeira Experiência Progressista da História Brasileira

(Foto: Voyager)

A crise política havia agravado os problemas econômicos. A dívida externa já passava dos três bilhões de dólares e, desses, mais de dois bilhões estavam para vencer. Goulart também contava com a má vontade dos EUA para a renegociação dessas pendências. O déficit fiscal havia pulado dos 39 bilhões (1955) para 193 bilhões (1961). Quando da volta do presidencialismo, ele já era de 360 bilhões. O preço do café estava em queda no mercado internacional, deixando o país estrangulado financeiramente.

A inflação disparava. A junta militar, que assumiu a presidência entre a renuncia de Jânio Quadros e a adoção do parlamentarismo, havia imprimido 56 bilhões em apenas duas semanas, somente para colocar a máquina militar em funcionamento e impedir a posse de Goulart. A inflação beirava os 50%, assustando a população como um todo. Diante de tantos problemas, qual seria a margem de manobra do presidente?

Isolado, Goulart cedeu de vez às pressões e adotou a estratégia do confronto. Foi o último suspiro da democracia.

O projeto econômico de Goulart, elaborado por Dantas e Furtado, ficou conhecido como Plano Trienal. Ele era, com efeito, a reprodução na economia da lógica política da conciliação. O projeto basicamente tinha duas etapas. Num primeiro momento, seriam adotadas medidas ortodoxas, para conter a inflação. Controlada a carestia, numa segunda etapa, entrariam as Reformas de Base, que, na avaliação dos formuladores, impulsionariam um novo clico de crescimento sustentável.

O que poucos perceberam na esquerda foi que, as medidas ortodoxas, não significavam uma submissão ao liberalismo. A inflação incomodava todas as camadas sociais; controlá-la seria a maneira de o governo de conquistar o apoio de setores conservadores, fundamental para a estabilidade política. “O Plano Trienal realmente incluía medidas ortodoxas, como um plano de estabilização negociado com o FMI. Mas essas medidas queriam possibilitar uma alternativa para a economia brasileira; essa, aliás, nada ortodoxa”. (Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira).

No papel, o plano parecia perfeito. Era um projeto de médio e longo prazo. Segundo a historiadora Ângela de Castro Gomes e o historiador Jorge Ferreira, os empresários, apesar de divididos, acolheram bem as medidas. As críticas mais contundentes vieram das esquerdas. O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) prontamente se colocou contrário. Luis Carlos Prestes, que já vinha criticando o governo por colocar “personalidades” do PSD nos ministérios, chamou o projeto de burguês e imperialista. Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, batia na mesma tecla dos comunistas: na sua avaliação, o Plano Trienal era “antipopular”, “antinacional” e “pró-imperialista”. Vinicius Brant, presidente da UNE, seguiu a mesma linha: “o plano não se volta contra o latifúndio nem contra o imperialismo; ao contrário, serve apenas aos interesses dos monopólio estrangeiros”. Para Leonel Brizola: “falam em sacrifício de todos, mas o que se está vendo é o sacrifico do povo”. De uma hora para outra, Celso Furtado havia virado um “agente da CIA”. O economista, com fineza, respondia os críticos: “devo esclarecer que não me encomendaram um projeto de revolução, mas um plano de governo”.

A esquerda, que criticava Furtado e Dantas, exigia a realização imediata de reforma agrária. Exigia o controle da remessa de lucro das empresas estrangeiras. Exigia a reforma tributária. Exigia a ampliação do monopólio da Petrobras. Exigia a nacionalização das empresas multinacionais. Exigia. Exigia. Era tudo ou nada.

O Plano Trienal fracassou, durando apenas quatro meses. Não havia saída pactuada num contexto de radicalização política. “Pactos sociais dependem do comprometimento voluntário das partes envolvidas. Também dependem de instituições fortes que obriguem essas partes a cumprirem o que foi negociado. No primeiro caso, houve disposição ao menos de parte do empresariado. Mas, é possível dizer, nenhuma do movimento sindical”. (Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira, os números que serão citados abaixo foram tirados do livro 1964, dos mesmos autores).

Diante do fogo cerrado, Goulart cedeu. Para agradar a extrema esquerda, autorizou um reajuste de 70% do funcionalismo público. A Companhia Siderúrgica Nacional aumentou em 20% o preço do aço. Vendo o recuo do governo, as montadoras também exigiram a expansão do crédito. A inflação voltou a crescer e o Plano Trienal, que dependia da estabilização, foi implodido. “O inovador plano de estabilização elaborado por San Tiago Dantas e Celso Furtado durou apenas quatro meses: de janeiro a abril de 1963. Seu desmonte, em maio, foi crucial na história do governo Goulart”. Ao ceder às pressões, o presidente jogou fora o único projeto de reformas que havia disponível. Com o fim do Plano Trienal, o governo ficou sem rumo.

A última tacada para salvar seu mandato seria a aprovação da reforma agrária. Todas as forças foram nessa direção, mas, como sempre, nada seria simples. Esse ponto é polêmico e precisa de algumas explicações. Durante muito tempo, o Golpe de 1964 foi explicado como uma reação das forças conservadora à reforma agrária. Estudos recentes, contudo, têm demonstrado que não foi bem assim. Havia uma ampla base popular em defesa das reformas. Tal apoio não era restrito à esquerda. Havia defensores de tais medidas dentro do PSD e até mesmo na UDN. Goulart tinha margem para negociar. Mas, para isso, seria necessário fazer política.

A primeira iniciativa nessa direção já mostrava as dificuldades que estavam pela frente. Goulart realizou uma reforma ministerial para abrir espaço ao PSD. Segundo Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira: “A reforma ministerial de 1963 faz pensar nas dificuldades e na importância das relações entre Legislativo e Executivo durante o governo Goulart. Mesmo considerando-se que regimes presidencialistas permitem maior fortalecimento das ações do Executivo, é fundamental entender que, a despeito do regime político, tanto presidentes como primeiro-ministros precisam manter boas relações com o Congresso –, de preferência, manter maioria parlamentar –, para ter seus projetos aprovados”.

Em março daquele ano, o governo conseguiu aquela que talvez tenha sido a sua maior vitória, a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, que estendia os direitos sociais aos trabalhadores do campo. Esse projeto tramitava no Congresso desde os anos 50 e só foi aprovado graças à união entre setores moderados da esquerda e do centro. Mas, ao tentar dar o passo seguinte, a Reforma Agrária, a conciliação não seria mais aceita.

Os radicais do PTB queriam o que ficou conhecido como “programa máximo”, que consistia numa reforma agrária em terras produtivas e improdutivas sem nenhuma forma de indenização aos proprietários. Esse grupo, liderado por Brizola, que havia formado A Frente da Mobilização Popular (FMP), desconsiderava que o artigo 141 da Constituição garantia o direito à propriedade, só sendo possível a desapropriação por interesse público mediante a “prévia e justa indenização”. Ora, para mudar a Constituição seria necessário o apoio do PSD, que essa mesma esquerda abominava. A conta não fechava, mas a FMP estava irredutível.

Percebendo a radicalização, o PSD apresentou sua proposta, que previa uma reforma agrária com indenização aos proprietários. Os golpistas da UDN, por sua vez, tiveram um surto legalista e passaram a defender o lema: “a Constituição é intocável”.

Não havia alternativa legal. Para a Reforma Agrária seguir o curso institucional seria necessário um entendimento entre PTB e PSD. Tal conciliação, porém, não era mais possível. “Não admito fórmulas conciliatórias para a reforma agrária, que terá de ser radical”, bradava Brizola.

Enfim, caso Jango colocasse em votação o projeto do PTB, o Congresso vetaria. Se escolhesse qualquer outra opção, que não fosse a “proposta máxima”, o PTB votaria contra. Como proceder? Sem opções, o presidente enviou o “projeto máximo”, como queriam seus correligionários, sendo prontamente negado e acabando com as esperanças de qualquer tipo de distribuição de terra.

O que pretendia Brizola ao forçar o presidente a enviar uma proposta que todos sabiam que não seria aceita? Como muitos estudos têm demonstrado, havia nesse período o que alguns historiadores tem chamado de “déficit democrático”, tanto à esquerda quanto à direita. Eram poucos os nomes, como San Tiago Dantas, que valorizavam a democracia. Grande parte da esquerda via o parlamento com um clube das oligarquias, não como um interlocutor necessário dentro do jogo democrático. Brizola, desde a posse de Jango, vinha pressionando o presidente a fechar o Congresso e aprovar as reformas sem o legislativo. Após várias recusas, o líder da FMP começou a pensar em alternativas, chegando inclusive a propor métodos de democracia direita que contornassem o parlamento. Mas, até para seguir esse caminho, também era necessário o aval do legislativo. Havia paradoxo que a esquerda não percebia. Goulart virou presidente dentro das regras constitucionais vigentes e não poderia governar sem elas. A situação era complexa.

Com o fracasso da reforma agrária, Jango ficou sem rumo. O PSD se afastou em definitivo. Antes, porém, os pessedistas alertaram: “o partido aconselha a esquerda a não testar demasiadamente as decantadas virtudes pessedistas de tolerância, amor à legalidade, tendência à conciliação e à contemporização”. Para Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes, a mensagem era taxativa: “entre um “governo radical” e o eleitorado, o PSD escolheria pelo segundo”.

San Tiago Dantas ainda tentou uma última vez estabelecer um diálogo em nome da democracia, formando a Frente Progressista (FP), para se opor à radicalização. Mas era tarde. Essa estratégia já não era possível. Àquela altura, a radicalização e o engessamento das pautas impediam qualquer forma de diálogo. Isolado, Goulart cedeu de vez às pressões e adotou a estratégia do confronto. Foi o último suspiro da democracia.

No início de 64, a conspiração da direita já estava avançada. Ao se aproximar da extrema esquerda, Goulart empurrou ainda mais os militares, os empresários, os latifundiários e a classe média em direção à direita golpista 

No início de 64, a conspiração da direita já estava avançada. Ao se aproximar da extrema esquerda, Goulart empurrou ainda mais os militares, os empresários, os latifundiários e a classe média em direção à direita golpista. A esquerda radical, num brutal erro de avaliação, pensava que o confronto direto a favoreceria. Portanto, jogavam mais gasolina na fogueira. Para Jango, as alternativas eram nulas. Ele estava cada vez mais isolado. Caso se afastasse das suas bases, ficaria refém do PSD. Caso aderisse à esquerda radical, sucumbiria à FMP e a Leonel Brizola.

Mais uma vez sua escolha foi pelos grupos de esquerda. A estratégia do confronto teria o objetivo colocar o povo contra o Congresso e, assim, forçar os deputados e senadores a aprovarem as reformas contra a sua vontade. O famoso Comício da Central do Brasil seria o primeiro de vários outros atos pelo país. O governo havia “cruzado o Rubicão”.

A mobilização popular assustava ainda mais a direita, que via o golpe como a única alternativa à anarquia. Após o 13 de março, o movimento conspiratório foi acelerado. Poucos dias depois 500 mil pessoas saíram as ruas pedindo uma intervenção divina ou militar contra o “golpe comunista”. Eram as famosas Marchas da Família. Os golpistas tinham uma clara base social para sua empreitada.

Conclusão

O final, todos sabem, no dia primeiro de abril o golpe militar estava concluído, praticamente sem nenhuma resistência. A assimetria de forças ficou evidente. A esquerda que queria um confronto direto com as forças conservadoras não estava minimamente preparada, quando esse dia chegou.

Para os militares não haveria distinção. Todos eram “comunistas” e seriam igualmente caçados. San Tiago Dantas morreria de câncer meses após o golpe. Celso Furtado perdeu seus direitos políticos por uma década e partiu para o exílio. Brizola e Jango receberam o mesmo destino. O ex-presidente morreria no Uruguai, provavelmente envenenado. Brizola, um dos poucos que não teve sua carreira política destruída, anos mais tarde faria uma autocrítica e reconheceria que a pouca experiência o fez defender posições sectárias. Miguel Arraes foi preso pelo exército e permaneceu no cárcere por um ano e meio, em Fernando de Noronha. Francisco Julião também não teve melhor sorte, acabando preso e exilado.

O país, por sua vez, agonizou por 21 anos uma ditadura e até hoje espera pelas Reformas de Base.

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