No Rio, grupos paramilitares aumentam violência após primeiro turno

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21 Outubro 2018

Coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), a cientista social e escritora Silvia Ramos é uma atenta observadora da evolução dos problemas ligados à segurança pública no Rio de Janeiro. Em conversa com a Rede Brasil Atual, ela demonstra preocupação com o aumento das ações ilegais cometidas por policiais, registrado no estado desde que foi proclamado o resultado do primeiro turno das eleições de 2018.

Silvia diz ter a impressão de que "grupos paramilitares desejavam dar um recado de empoderamento advindo dos resultados eleitorais". Além disso, avalia que o gradual aumento da violência das forças de segurança desde o início da intervenção federal no Rio indica um "descontrole dos policiais na ponta, que estão matando mais e não estão sendo contidos, com raras exceções, e do empoderamento de grupos de milícia junto a batalhões inteiros".

A cientista social lamenta a "aderência ingênua aos bordões vazios e irresponsáveis de políticos da extrema direita", mas diz que isso foi uma decorrência de o Brasil não ter realizado "uma revisão profunda da política de guerra às drogas, do superencarceramento e da ineficiência das polícias em investigar crimes, especialmente das grandes quadrilhas". 

A entrevista é de Maurício Thuswohl, publicada por Rede Brasil Atual - RBA, 21-10-2018.

Eis a entrevista.

De acordo com centenas de relatos vindos de favelas em diversos pontos do Rio, aumentaram a truculência e a arbitrariedade contra moradores nas ações policiais realizadas nos últimos doze dias. O mesmo acontece no que diz respeito à ação de milicianos. Muitos dizem que essa "ofensiva" se deve à expectativa de vitória de um candidato do "meio" nas eleições presidenciais. Como a senhora analisa este contexto?

Realmente, as cenas no dia seguinte ao primeiro turno das eleições, de aproximadamente 40 milicianos fazendo incursões na favela do Rola, na zona oeste, como se fossem de comandos policiais – usando fardas da polícia e armas que podem ter sido desviadas da polícia – e a demora da reação do comando do BPM local, tudo isso produziu a impressão de que esses grupos paramilitares desejavam dar um recado de empoderamento advindo dos resultados eleitorais.

É comum que, no início de novos períodos políticos, tanto os grupos de facções do tráfico como outros grupos ilegais – grupos de extermínio, esquadrões ou milicianos – façam demonstrações de força e "testem" a capacidade de resposta das autoridades. As cenas do dia 8, bem como o aumento de mais de 40% das mortes decorrentes de ação policial no período da intervenção no Rio de Janeiro, são indicadores preocupantes do descontrole dos policiais na ponta, que estão matando mais e não estão sendo contidos, com raras exceções, e do empoderamento de grupos de milícia junto a batalhões inteiros.

Do ponto de vista do Cesec, qual impacto teria a proposta, apresentada por Jair Bolsonaro, de conceder imunidade a policiais que participam de ações, de modo que estes não possam ser responsabilizados por eventuais mortes "em confronto"?

Bolsonaro e outros candidatos podem repetir os bordões demagógicos tradicionais – comigo a bandidagem vai morrer; vou condecorar policiais que matam muito; bandido bom é bandido morto etc. – mas coisa diferente é mudar a Constituição, o Código Penal, regulamentos, instruções normativas e uma série de mecanismos de controle do uso da força pela polícia e de regulação da institucionalidade.

É claro que os discursos, em si, podem gerar efeitos graves, porque policiais que cometem ilegalidades se sentem acobertados e o "fazer a coisa errada" pode crescer. Principalmente se não houver freios dos comandos superiores, as ilegalidades, exatamente como a corrupção policial, crescem. Mas não basta que um presidente brade que "bandido bom é bandido morto" ou que "vamos abater" para que as execuções extrajudiciais, o uso ilegal da força, o racismo ou a brutalidade policiais se tornem legais.

As Defensorias, o Ministério Público, as Corregedorias e, acima de tudo a mídia, as redes sociais e o celular que filma o mau policial, tudo isso vai continuar existindo e será acionado com mais força do que nunca se governadores e presidente com discursos violentos forem eleitos. O ativismo digital e os coletivos que lutam por direitos nas favelas e periferias serão, mais do que nunca, importantes numa nova conjuntura onde retrocessos democráticos podem ocorrer.

Pelo que demonstraram as urnas, a população do Rio anseia por respostas na Segurança Pública e isso foi determinante para o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais no estado. Com capital político por ter acabado de vencer as eleições, qual caminho alternativo à política de confronto poderia seguir o próximo presidente para reduzir a sensação de insegurança pública no Rio e em todo o Brasil?

Há muito tempo, uma parte expressiva da população apoia ideias do tipo "bandido bom é bandido morto". A Alerj e a Câmara Federal já contavam com representantes da chamada "bancada da bala". Eles advogam a violência policial sem freios, a redução da maioridade penal, a flexibilização do estatuto do desarmamento e outros mecanismos de ampliação da violência. Nas eleições de 2018 esse s segmentos políticos – com o apoio de uma parte ainda mais expressiva da população – cresceu. Além disso, ganhou o governo em alguns estados e talvez ganhe a presidência da República.

Há uma onda regressiva em várias partes do mundo. No caso do Brasil, essa onda está vindo forte e com certeza foi favorecida por administrações federais incompetentes e com presença de corrupção – além de uma crise das democracias representativas, com dezenas de partidos e o sentido de que políticos não nos representam.

No caso brasileiro, a incompetência de respostas na área da segurança pública é um motor poderoso para a onda reacionária e antidemocrática. Estamos recolhendo os efeitos amargos das nossas taxas de homicídios – entre as mais altas do mundo há duas décadas – dos nossos índices de roubos, furtos e principalmente das ameaças pela presença de grupos ilegais (ligados às facções das drogas ou às polícias e forças paramilitares) nos bairros pobres do Brasil metropolitano.

Não termos feito uma revisão profunda da política de guerra às drogas, do superencarceramento (mais de 700 mil presos) e da ineficiência das polícias em investigar crimes, especialmente das grandes quadrilhas (e não do varejista que está descalço na favela). Tudo isso, me parece, resultou nessa explosão de insatisfação e aderência ingênua aos bordões vazios e irresponsáveis de políticos da extrema direita.

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