A derrota histórica dos trabalhadores e o projeto nacional-desenvolvimentista autônomo. Entrevista especial com Mário Maestri

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Por: João Vitor Santos | Edição: Patricia Fachin | 30 Agosto 2018

Nas eleições deste ano, ao contrário daquela que ocorreu no início dos anos 1960, quando Jânio Quadros foi eleito presidente do Brasil, “não temos sequer um nacionalista-radical como Leonel Brizola, com topete suficiente para chamar a população a enfrentar o golpismo e o imperialismo”, constata o historiador Mário Maestri à IHU On-Line. Para ele, “a rendição” do ex-presidente Lula, na ocasião da sua prisão, “foi uma espécie de paródia — em negativo — do suicídio de Vargas”. Ele explica: “Se o ato extremo de Getúlio levantou a população indignada, a submissão de Lula da Silva, proclamando sua confiança na Justiça, teve consequências desastrosas para o movimento social”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Maestri estabelece algumas relações entre o momento político do país desde o governo Vargas até os dias de hoje. “Entre a radicalização operária e a Campanha da Legalidade, em 1961, e os dias atuais, há o enorme abismo cavado pela derrota histórica dos trabalhadores e populares e pela traição de suas direções. O próprio projeto nacional-desenvolvimentista autônomo, apoiado em grandes empresas nacionais, voltado para o mercado interno, hoje superado em todos sentidos, foi abandonado pelos governos que se seguiram à chamada redemocratização de 1985, sem exceção”, lamenta. Nas últimas décadas, frisa, “a ênfase tem sido o corte dos direitos e serviços sociais, a serem substituídos pelo mercado; a internacionalização da economia e da sociedade, e, sobretudo, as exportações. Essas últimas permitem a prática de salários escorchantes, já que grande parte da produção nacional se vende no exterior”.

Nesta quinta-feira, 30-08-2018, o historiador Mário Maestri estará no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ministrando a palestra A Campanha da Legalidade e a radicalização do PTB na década de 1960. Reflexos no contexto atual, a partir das 17h30min na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.

Mário Maestri | Foto: Acervo IHU

Mário Maestri é graduado em Ciências Históricas pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica, onde também realizou mestrado e doutorado na mesma área. Em 1991, fez o pós-doutorado na mesma universidade. Atualmente, é professor da Universidade de Passo Fundo. É autor de Uma história do Rio Grande do Sul: a ocupação do território (Passo Fundo: UPF Editora, 2006), O escravo no Rio Grande do Sul: trabalho, resistência, sociedade (Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006) e Antonio Gramsci: vida e obra de um comunista revolucionário (São Paulo: Expressão Popular, 2007), entre outros.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como compreender o contexto político que culminou na renúncia de Jânio Quadros?

Mário Maestri - Quando da crise mundial do capitalismo, em 1929, a produção industrial brasileira, concentrada no RJ e SP e, menos, no RS, superava a produção agroexportadora, sustentáculo da República Velha (1889-1930). A “Revolução de 1930”, a Constituinte de 1934 e, sobretudo, o Golpe do Estado Novo, de 1937, substituíram o federalismo pela centralização exigida pelo industrialismo. Esses foram os tempos da construção do Estado-nação brasileiro. A “industrialização por substituição de importações” fortaleceu-se com a II Guerra [1939-45] e a militarização das indústrias europeia e estadunidense, incapazes de abastecer em manufaturados o mercado do Brasil.

O impulso industrialista foi financiado sobretudo pela transferência de renda do campo para a cidade, pela exploração da mão de obra fabril, pelos capitais nacionais disponíveis. O Estado interveio fortemente na construção das infraestruturas e indústrias de base, devido à inexistência de capitais nacionais privados para investimentos de grande vulto e longa duração. A nova ordem autoritária-burguesa concedeu velhas e novas reivindicações a setores do operariado urbano, para melhor controlá-lo e discipliná-lo; para fortalecer o mercado interno etc. [“populismo”].

As condições do mundo do trabalho eram muito duras. Mesmo o salário industrial manteve-se próximo ao necessário para a satisfação das necessidades mínimas das famílias trabalhadoras. O PCB, principal organização operária, sob a hegemonia stalinista, defendia a submissão do mundo do trabalho à “burguesia nacional progressista”, até o fim dos pretensos resquícios feudais e desenvolvimento pleno do capitalismo no Brasil. Qualquer coisa como “aumentar o bolo para após reparti-lo”. Sob o nacional-desenvolvimentismo autônomo burguês, a classe operária jamais alcançou efetiva independência político-ideológica, dominando as propostas burguesas [colaboração de classes] e pecebistas [revolução por etapas].

Em 1945, com o fim da II Guerra, a produção capitalista mundial militarizada retomou a exportação de manufaturados e, sobretudo, de capitais. Agora, havia que exportar as fábricas e explorar os trabalhadores sur place, recebendo em retorno lucros, dividendos etc. Para tal, havia que abater, definitivamente, o “nacional-desenvolvimentismo burguês” e submeter o industrialismo nacional.

Desenvolvimento do mercado interno

Quanto da deposição de Vargas, em 1945, o desenvolvimento burguês voltado para o mercado interno encontrava-se em crise tendencial. Para superação desta última, eram necessários avanços estruturais. Vargas poupara o latifúndio, que limitava o mercado interno e o avanço do capitalismo no campo. Era necessário a ampliação das grandes empresas públicas infraestruturais — petróleo, eletricidade, aço, ferrovias, portos etc. Impunham-se a construção de tecnologia nacional e a extensão das leis trabalhistas ao campo. Os salários do campo e da cidade e a produtividade do trabalho deviam avançar.

Por um lado, essas medidas chocavam-se com a ofensiva estadunidense, aliada ao latifúndio de exportação e ao então frágil capital financeiro. O imperialismo almejava a privatização das empresas públicas; a internacionalização do mercado, das matérias-primas, da produção industrial, do sistema bancário nacional etc. Por outro, a burguesia industrial brasileira, a grande privilegiada do “nacional-desenvolvimentismo autônomo”, temia que aquelas medidas aumentassem o poder dos trabalhadores, já em fortalecimento. Preferiram aceitar o tacão imperialista e abandonar a luta por capitalismo nacional autônomo. Reforçavam, assim, o caráter semicolonial da nação.

Por sua pusilanimidade social, a burguesia industrial brasileira mostrou-se incapaz de acaudilhar o desenvolvimento nacional autônomo. O comando daquele processo passou a caber às classes trabalhadoras, a ser concretizado no contexto de modificações sociais, econômicas e políticas estruturais. Para tal, os trabalhadores deviam construir-se na direção condizente e conquistar autonomia política e ideológica.

Aninhando-se sob as asas do imperialismo, incapazes de construírem sua hegemonia, o empresariado industrial optou pela solução golpista. Os trabalhadores da cidade e do campo defrontavam-se agora com a aliança de todas as classes dominantes do país ao capital internacional. Em agosto de 1954, o primeiro grande bote golpista fracassou com o recuo do alto comando militar diante da explosão popular motivada pelo suicídio de Vargas. As tentativas de golpes se repetiriam, até a vitória em 1964, que, em 1967, se desviou da linha ideal delineada pelo imperialismo.

IHU On-Line - Que relações podemos estabelecer entre a renúncia de Jânio Quadros e, depois, o Movimento da Legalidade, e o atual momento político do Brasil?

Mário Maestri - Em um momento em que a força popular-eleitoral do PTB tendia a superar a do PSD, de pés e mãos amarrados pelo trabalhismo e pecebismo, os trabalhadores elegeram Juscelino Kubitschek – JK - Jango, em 1955 — naquele pleito, o vice petebista fez mais votos que o candidato à presidência! Juscelino Kubitschek abriu amplas brechas no projeto de “capitalismo nacional autônomo”, ao facilitar o ingresso no país do capital monopólico, com destaque para a indústria automobilística. Alavancou o industrialista com financiamento inflacionário, motivando enormes perdas à economia popular e acirramento dos movimentos grevistas. Fortaleciam-se a organização e consciência dos trabalhadores. Para o imperialismo e o conservadorismo nacional, impunha-se com urgência a destruição do “desenvolvimentismo burguês voltado para o mercado interno” e das organizações e partidos operários.

Apoiado no bloco conservador e pelo imperialismo, Jânio Quadros, político conservador, elegeu-se com campanha populista-demagógica, que prometia sobretudo a luta contra a corrupção — o símbolo de campanha era a “vassoura” e a consigna, “Jânio vem aí”, que nada dizia, como nada diz o repeteco atual “Ciro Gomes vem aí!”. João Goulart, trabalhista, da chapa concorrente, foi eleito vice-presidente, como permitia a legislação de então. Sua fluvial votação mostrava que Jânio Quadros navegava com escasso lastro, que perdeu nos primeiros meses de administração sem rumo.

Jânio Quadros mandou Goulart para a China comunista e entregou carta de demissão aos ministros militares, esperando que eles apoiassem sua pretensão de governar por decretos, no estilo “gaulista”, para impor a reestruturação liberal-conservadora. Sabia que os militares não aceitariam a assunção constitucional do vice-presidente João Goulart. Já sem a confiança do imperialismo e da direita nacional, Jânio viu os ministros militares entregarem a carta de renúncia ao presidente do Congresso e vetaram a posse de João Goulart. Os generais navegavam em direção ao golpe militar, aberto ou encoberto, bordeando a costa, sem enfrentar o alto mar, ressabiados com o levante popular de agosto de 1954. Temiam a fúria dos trabalhadores.

IHU On-Line - De que forma o movimento da Legalidade emerge como resistência e o que estava por trás da ideia de “legalidade”, bradada por Leonel Brizola?

Mário Maestri - O levante popular de agosto de 1954 não tivera direção. Vargas, o maior líder nacional-burguês brasileiro, preferira pôr fim a sua vida a chamar os trabalhadores em sua defesa. Temia também a mobilização autônoma das massas populares. Em agosto de 1961, pelos azares da sorte e da história, a oposição popular ao golpe encontrou liderança no governador trabalhista rio-grandense. Leonel Brizola, com 39 anos, radicalizara o projeto nacional-desenvolvimentista no estado sulino: ensaiara reforma agrária; expandira os bancos públicos regionais; nacionalizara as infraestruturas básicas — telefone, eletricidade, água etc.

Brizola disse não e preparou-se para o que desse e viesse. Mobilizou a ainda forte Brigada Militar; conclamou a população regional e nacional à resistência; apoiou-se nos suboficiais nacionalistas e progressistas, que barraram seus oficiais golpistas, não raro de armas às mãos; distribuiu revólveres à população. Sem outra solução, pressionado pela tropa, o comando do poderoso III Exército aderiu ao constitucionalismo.

Brizola defendia a “legalidade” constitucional, ou seja, a posse de João Goulart, seu cunhado. Exigia, porém, a renúncia do Congresso, que aderira gostosamente ao golpismo, uma nova Constituição, a limpa geral das forças armadas. Coluna militar cruzava já a fronteira sulina para atacar os golpistas quando João Goulart acedeu às exigências de apaziguamento dos derrotados pela Legalidade. Assumiu o governo castrado por ordem parlamentar tirada da cartola do conservadorismo. Profundamente ingrato, esforçou-se para deixar Brizola, agora líder do nacionalismo radical, afastado da nova ordem. Praticamente foi forçado a aterrizar, de viagem ao centro do país, no Estado que lhe garantira a posse.

O que não avança, retrocede. No novo governo, tudo ficou como “dantes, no quartel de Abrantes” e, três anos mais tarde, os golpistas militares e civis assaltaram e mantiveram o poder por 21 anos, modificando estruturalmente o país, em detrimento da população e dos trabalhadores. Goulart justificou sua deserção sem luta, com a proposta de não querer “derramar sangue”. A população brasileira segue pagando, até hoje, a ação do líder farsesco, fazendeiro rico e bonachão, travestido de líder popular e trabalhista.

IHU On-Line - O PTB, no início dos anos 1960, sofria com disputas internas de duas alas, uma mais conservadora e outra mais à esquerda. O que estava por trás dessas disputas e o que levou ao “racha”?

Mário Maestri - O PTB fora criado por Vargas, em maio de 1945, para manter a hegemonia nacional-populista sobre os trabalhadores urbanos, sob a égide do sindicalismo oficial corporativista do Estado Novo [1937-45]. Jamais houve trabalhadores entre as grandes lideranças nacionais petebistas. Sem partido de esquerda que disputasse realmente sua hegemonia, com a radicalização da luta nacional e de classes, o PTB dividiu-se, grosso modo, em duas grandes facções, a radical, que tinha Leonel Brizola como principal direção, e a conservadora, capitaneada por João Goulart. Dissidências de direita, como o Movimento Trabalhista Renovador, de 1954, de Fernando Ferrari, registraram a radicalização das bases operárias do velho PTB de Getúlio Vargas. Sob o mesmo impulso, o PCB começou a dividir-se, nos meses anteriores ao golpe, em ala direitista, sob o comando de Prestes, e em setor mais à esquerda, o “Grupo Baiano”, de Mário Alves, Jacob Gorender, Marighella etc.

IHU On-Line - O Brasil, assim como o mundo, vive um momento que tem sido chamado de “crise da esquerda”. No que consiste essa crise e como se chegou a ela?

Mário Maestri - A chamada “crise da esquerda” tem momento fulcral na derrota histórica do mundo do trabalho, quando do tsunami neoliberal mundial de fins dos anos 1989, que encerrou longo movimento de avanço da revolução mundial, então retrocesso. A recuperação geral das áreas libertadas da exploração capitalista em mais de setenta anos de luta motivou enorme retrocesso objetivo e subjetivo do mundo do trabalho, que passou a não acreditar mais em seu programa como solução dos problemas sociais. O mundo do trabalho mergulhou em profunda crise de “subjetividade”.

Jamais existiu “esquerda”, no singular, mas “esquerdas”, no plural, com eventuais facetas aparentemente convergentes, mas com núcleos sociais e programáticos no geral contraditórios. No novo contexto árido, de fragilidade política, social e ideológica dos trabalhadores, propostas de ordenamento, de reforma, de retoques, de perenidade etc. da sociedade capitalista, e não de sua superação, dominaram o coração da chamada esquerda — Economia Solidária, ONG, fóruns mundiais, políticas compensatórias, discriminação positiva, cotas etc. Propostas “identitárias” — raça, gênero etc. — passaram a habitar o coração programático da “esquerda”, silenciando ainda mais a já fraca voz dos trabalhadores.

IHU On-Line - Podemos associar o “racha” do PTB, que, entre outras consequências, originou a criação do PDT, às disputas internas do PT, que até 2004 capitaneava a esquerda nacional e, desde então, abriu espaço para a criação de legendas como o PSOL? Por quê?

Mário Maestri - A bem da verdade, não houve “racha” do PTB. Em 1980, a Justiça, obediente à ditadura, entregou a legenda a Ivete Vargas, política de aluguel, para debilitar a refundação do trabalhismo ensaiada por Brizola. Aquela reconstrução mostrou-se impossível, pois o PT ocupava, então, o coração político do novo sindicalismo.

O caso do PT, partido do qual participei, quando de sua fundação, é mais complexo. Ele nasceu das grandes mobilizações operárias de fins dos anos 1970, quando, creio, por primeira vez em nossa história, os trabalhadores gozaram de autonomia político-ideológica tendencial. Um movimento que se frustrou devido ao retrocesso das lutas sindicais nos anos seguintes e ao referido tsunami neoliberal de fins dos anos 1989. Então, através do mundo, partidos operários, organizações sindicais reciclaram-se e intelectuais e políticos de esquerda etc. pularam para o outro lado da trincheira ou dedicaram-se ao gozo das benesses da administração do Estado em favor das classes dominantes.

O PT conheceu também essa metamorfose, transformando-se, primeiro, em organização de orientação social-democrática e, muito logo, em agremiação de viés social-liberal. Sob a direção de políticos e sindicalistas como Lula da Silva, José Dirceu, Palocci, Mantega, Luiz Gushiken, Marco Aurélio Garcia etc., o PT rompeu com sua proposta original de transformar e não gerir a ordem capitalista. De partido com raízes no movimento sindical e popular, evolui para organização de políticos profissionais, administradores e burocratas, orientados por interesses particulares, para não dizer mais, em muitos casos.

O primeiro governo Lula da Silva prometeu ao grande capital a execução das reformas da previdência pública, trabalhista e tributária, contra o interesse dos trabalhadores. O massacre do sistema de previdência dos funcionários públicos ensejou ruptura e organização do PSOL, em 2004. Participei também da fundação desse partido que empreendeu o mesmo rompimento realizado pelo PT com suas bases, transformando-se também em partido onde convivem tendências das mais diversas orientações, não raro opostas, em geral interessadas em eleger parlamentares e estranhas ao programa operário.

IHU On-Line - As eleições de 2018 têm sido projetadas por analistas como um momento único, pois qualquer um que saia vitorioso terá grandes desafios para viabilizar seu governo. Como tem observado o atual cenário? Vivemos a iminência de um “acordão parlamentarista”?

Mário Maestri - Sob a orientação do imperialismo, a grande mídia, a Justiça e o alto comando militar, envolvidos no golpe institucional, simplesmente decidiram quem podia e quem não podia participar das eleições. Tudo para deixar Lula da Silva fora do pleito, já que sua eleição desorganizaria o golpe. Pretendia-se originalmente cassar a legenda petista como “organização criminosa”. Sejam quais forem os resultados, as eleições de 2018 serão uma enorme farsa, que tem como principal objetivo legitimar o golpe e a imensa e impiedosa rapina que tem sofrido nossa nação e população. A inevitável maioria conservadora na Câmara e no Senado já garante, de per si, a continuidade da reorganização golpista do país.

Ao contrário de 1961, não temos sequer um nacionalista-radical como Leonel Brizola, com topete suficiente para chamar a população a enfrentar o golpismo e o imperialismo. A rendição de Lula da Silva, quando de sua prisão, sem resistência, em um momento em que trabalhadores afluíam, aos milhares, para defendê-lo, foi uma espécie de paródia — em negativo — do suicídio de Vargas. Se o ato extremo de Getúlio levantou a população indignada, a submissão de Lula da Silva, proclamando sua confiança na Justiça, teve consequências desastrosas para o movimento social. Lula temeu desafiar os poderosos e, sobretudo, pôr os trabalhadores e a população em marcha. Agora, apresenta como seu substituto Fernando Haddad, híbrido petista-peessedebista. Em 10 de agosto de 2016, quando a população tentava resistir à ofensiva direitista, Haddad declarou que “Golpe” era “uma palavra um pouco dura, que” lembrava “a ditadura militar”.

Entretanto, o que vivemos hoje é certamente muito pior que a ordem militar pós-1967 que, ao menos, expandiu a área pública e a classe trabalhadora. Em agosto passado, propôs que a Venezuela e a Nicarágua, sob o ataque direto do imperialismo, não podem ser caracterizadas como “democracias”. Caso seja eleito, talvez teremos o proposto “acordão parlamentarista”, ao qual, como João Goulart, o professor paulista certamente não se oporá, em nome da conciliação. Entretanto, as eleições são ainda uma caixa de Pandora, que se mantém semicerrada, guardando maldades sem fim.

IHU On-Line - Num espectro político mais amplo, quais os maiores reflexos da Campanha da Legalidade e a radicalização do PTB na década de 1960 no contexto atual?

Mário Maestri - Entre a radicalização operária e a Campanha da Legalidade, em 1961, e os dias atuais, há o enorme abismo cavado pela derrota histórica dos trabalhadores e populares e pela traição de suas direções. O próprio projeto nacional-desenvolvimentista autônomo, apoiado em grandes empresas nacionais, voltado para o mercado interno, hoje superado em todos sentidos, foi abandonado pelos governos que se seguiram à chamada redemocratização de 1985, sem exceção. Desde então, a ênfase tem sido o corte dos direitos e serviços sociais, a serem substituídos pelo mercado; a internacionalização da economia e da sociedade, e, sobretudo, as exportações. Essas últimas permitem a prática de salários escorchantes, já que grande parte da produção nacional se vende no exterior. Dessa proposta comungaram os governos Sarney, Collor, FHC, Lula da Silva e Dilma Rousseff. O programa atual do PT promete seguir nesse caminho, tão ao gosto do grande capital. Entretanto, hoje, este último quer muito mais — quer pôr fim à terceirização e abocanhar o comando efetivo do país. Exige transição de ordem semicolonial a um novo colonialismo globalizado, com deslocamento pleno das classes dominantes nacionais do comando da nação.

IHU On-Line - Quais os desafios e por onde passa a ideia de reinvenção política no Brasil?

Mário Maestri - Impõe-se de forma indiscutível a reinvenção de política para o Brasil, projeto extremamente complexo e difícil. Entretanto, impõe-se a rejeição dos simplismos propagandísticos da autoproclamada “esquerda revolucionária”, que exige “revolução proletária”, não raro em nível mundial, praticamente como programa mínimo. Há que se combater igualmente, de forma intransigente, o derrotismo e colaboracionismo criminais das visões desenvolvimentistas que propõem emancipação social através do desenvolvimento da produção capitalista, que nos levou ao desastre atual.

Temos que levantar um ambicioso “projeto nacional independente” que galvanize a população brasileira, mostrando-lhe saída possível, sob a direção confiável das classes trabalhadoras e populares organizadas. Nesse sentido, a classe trabalhadora deve assumir seu destino de caudilho da nação. Tudo, construído em sentido internacionalista, tendo como etapa intermediária, é claro, a simpática proposta do “ursinho” da URSAL, é claro!

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A derrota histórica dos trabalhadores e o projeto nacional-desenvolvimentista autônomo. Entrevista especial com Mário Maestri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU