Da direita à esquerda, imprensa pediu cabeça de Getulio em 1954

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24 Agosto 2013

"O aspecto central em 1954 é o golpe de Estado contra um presidente constitucional", escreve Mário Magalhães, jornalista, em artigo publicado no seu blog, 23-08-2013.

Existe um livro chamado “Em agosto, Getulio ficou só”. Nunca o li, mas sempre apreciei o título bem bolado.

Neste sábado, 24 de agosto, o suicídio do presidente Getulio Dornelles Vargas completa 59 anos. A visita à imprensa da época evidencia que, se dependesse do radicalizado ambiente jornalístico, o gaudério de São Borja não teria mesmo como escapar. Ele foi deposto de madrugada, na forma de uma “licença”. Ao se matar, de manhãzinha, impediu os militares de assumirem diretamente o governo. Com o sacrifício, atrasou o golpe de Estado em dez anos.

Com muitas publicações levando para a internet suas coleções, e a Biblioteca Nacional botando no ar parte de sua hemeroteca, ficou mais fácil consultar os velhos jornais. Eles confirmam que o presidente sufragado pelo voto popular em 1950 estava acossado pela direita, principalmente, mas também pela esquerda.

Além da “Última Hora”, financiada pelo Palácio do Catete, então sede da Presidência, o “Jornal do Brasil” se opôs à iminente virada de mesa institucional. Não deveriam estar sozinhos, como um levantamento mais vasto demonstrará, mas quase.

As primeiras páginas abaixo são dos matutinos, em 24 de agosto de 1954, e dos vespertinos, na véspera. Isto é, as derradeiras edições antes do anúncio do tiro no peito. Nem todos os links, que permitem ler o jornal inteiro, têm acesso livre. Não encontrei na hemeroteca digital, ainda incompleta, a “Tribuna da Imprensa”, propriedade de Carlos Lacerda, opositor obstinado. O site da Biblioteca Nacional demora anos-luz para baixar as imagens. Minha assinatura venceu, e não pude ir além da capa de “O Estado de S. Paulo”.

O jornal mais panfletário foi o “Diário Carioca”, que saiu com o minieditorial “Reú, renúncia, rua”. A demissão do presidente seria “exigência da consciência nacional ante a vergonha nacional e internacional a que o governo dos Vargas arrastou o Brasil”.

Detalhe da primeira página do “Diário Carioca”

O Globo” também deu editorial pedindo a cabeça de Getulio. Ofereceu duas opções: “por um ato de sua livre vontade” ou “sob coação das circunstâncias”. Em caso de derrubada, o Brasil continuaria na condição de “um estado juridicamente constituído”.

O “Diário da Noite” pertencia à rede do magnata Assis Chateaubriand. Fiel escudeiro de Chatô, o jornalista Austregesilo de Athayde pontificou, em sua coluna: haveria “podridão do governo” e “negociatas do chefe da Guarda Pessoal” do presidente. Aconselhou interferência militar: “Atentem nesse índice a opinião e as Forças Armadas, a fim de ajuizarem corretamente a anarquia moral em que se encontra submerso o país”.

Na polarização da Guerra Fria, os três diários mencionados estavam ao lado dos Estados Unidos. Porém, a “Imprensa Popular” (li em arquivo físico da Universidade Estadual Paulista), pró-União Soviética, também conclamou pela derrubada de Getulio. Ou seja, pelo golpe. Na manhã de 24 de agosto, o jornal republicou uma entrevista do principal líder comunista, Luiz Carlos Prestes. Seu partido, então banido, editava a “IP”. Embora denunciasse “os golpistas” em geral, Prestes defendeu, mimetizando Lacerda, “pôr abaixo o governo Vargas”.

Os paulistanos “Folha da Manhã” e “Folha da Noite” noticiaram os movimentos do presidente e as ações dos conspiradores golpistas, mas não tomaram posição explícita, pelo menos que eu tenha reparado.

Como era seu padrão, “O Estado de S. Paulo”, histórico contendor de Getulio Vargas, dedicou a primeira página ao noticiário internacional.

No Rio, o “Jornal do Brasil” também tinha suas idiossincrasias, reservando quase toda a capa para anúncios de arrumadeiras, copeiras, choferes e jardineiros. Foi a única publicação consultada com a informação da queda de Getulio, mas não da morte. Fechou depois das cinco da manhã. A manchete: “Renunciou o presidente da República”. Não havia renunciado, mas havia fogo sob a fumaça. Em editorial, o “JB” se opôs à deposição, porque inexistia “conhecimentos dos fatos”, sobre o atentado contra Carlos Lacerda no começo do mês. Sem conhecê-los, seria temerário opinar acerca de “quaisquer das soluções de natureza constitucional que as crises imponham”. Jamais se provou que Getulio soubesse do plano contra Lacerda.

Na internet, só encontrei a “Última Hora” em um trabalho acadêmico. A manchete histórica: “Só morto sairei do Catete!”. No dia seguinte, o jornal estampou: “O presidente cumpriu a palavra: ‘Só morto sairei do Catete!’”.

Se permitem um pitaco, são legítimas todas as apreciações sobre Getulio Vargas e seu legado, que estamos conhecendo melhor com a trilogia de fôlego que o jornalista Lira Neto vem publicando, pela Companhia das Letras (acaba de ser lançado o segundo volume, relativo ao período 1930-45). Mas o aspecto central em 1954 é o golpe de Estado contra um presidente constitucional.

Getulio não era mais o ditador da quadra 1930-34 e 1937-45, em tantos ângulos deplorável ou mesmo asqueroso. Era um governante eleito pelo povo. Sua derrubada fez mal ao país, que desprestigiou a democracia. E aos trabalhadores, cujas conquistas haviam se acumulado na administração democrática do presidente que saiu da vida para entrar na história.

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