O Papa aos bispos: não ao clericalismo; ele provoca abusos sexuais e de poder

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10 Setembro 2018

Padres e não patrões, humildes e não carreiristas, homens de comunhão e não “solistas fora do coro” ou “líderes de batalhas pessoais”. Principalmente pastores afastados de todo tipo de “clericalismo”, “forma anômala de conceber a autoridade na Igreja, muito comum em numerosas comunidades onde se verificaram comportamentos de abuso sexual, de poder e de consciência”. Durante o encontro com os novos bispos em territórios de missão, recebidos por ocasião do seminário organizado em Roma pela Congregação para a Evangelização dos Povos, o Papa Francisco definiu as características do ministério episcopal. Um ministério que “provoca calafrios por causa do grande mistério que carrega em si”.

A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 08-09-2018. A tradução é de André Langer.

Aos 74 religiosos de 34 países de quatro continentes, o Papa recordou as palavras escritas na Carta ao Povo de Deus de 20 de agosto passado para denunciar duramente o “clericalismo”, em um momento em que as polêmicas desencadeadas pelos casos de abusos (presentes e passados) sacodem a Igreja: “Dizer ‘não’ aos abusos (seja de poder, de consciência, de qualquer abuso) significa dizer com força ‘não’ a qualquer forma de clericalismo”, pois “gera uma divisão no corpo eclesial que fomenta e ajuda a perpetuar muitos dos males que hoje denunciamos”.

O clericalismo “corrói a comunhão”, que, pelo contrário, é uma das características essenciais do papel do bispo. “Não se sintam senhores do rebanho (vocês não são patrões do rebanho), embora outros o fizeram ou o favoreceram os costumes do lugar”, destaca Francisco. “Que o povo de Deus, para o qual e pelo qual vocês foram ordenados, sinta que são padres, não patrões; padres pressurosos: ninguém deve demonstrar para com vocês atitudes de submissão”. É verdade que neste momento histórico em que “parecem acentuar-se certas tendências de ‘liderança’ em diferentes partes”, apresentar-se como “homens fortes, que mantêm distância e mandam nos outros, poderia parecer cômodo e atraente”, mas, disse o Papa, isso “não é evangélico”. E, “muitas vezes, traz danos irreparáveis ao rebanho”.

Os bispos são chamados a ser algo muito diferente, a ser muito mais: “Homens pobres de bens e ricos de relação, nunca duros e briguentos, mas afáveis, pacientes, simples e abertos”.

É uma natureza que deriva de uma consciência que, por sua vez, vem de uma reflexão: “quem é o bispo?” “Interroguemo-nos sobre a nossa identidade de pastores, para termos mais consciência dela, apesar de sabermos que não existe um modelo padrão idêntico em todos os lugares”, frisou o Papa. O bispo deve imitar Jesus Cristo e, portanto, tende a “dar a vida pelas ovelhas, particularmente as mais fracas e mais ameaçadas”, e nutrir “compaixão” por “todos aqueles que de diferentes maneiras são descartados”.

O bispo, disse o Papa, “não pode ter todos os dons, o conjunto dos carismas (alguns acreditam tê-los, coitadinhos!), mas é chamado a ter o carisma do conjunto, isto é, manter unidos, cimentar a comunhão. A Igreja precisa de união, não de solistas fora do coro ou de líderes de batalhas pessoais. O pastor reúne: bispo para os seus fiéis, é cristão com seus irmãos. Não é notícia nos jornais, não busca o consenso do mundo, não está interessado em defender sua boa reputação, mas ama tecer a comunhão envolvendo-se em primeira pessoa. Não sofre de falta de protagonismo, mas vive radicado no território, rejeitando a tentação de se afastar frequentemente da diocese (a tentação dos ‘bispos de aeroporto’) e fugir em busca de suas próprias glórias”.

Ele é um pastor que, portanto, “não se cansa de ouvir”, “não se baseia em projetos feitos sob medida”, mas “gosta de falar pela fé dos simples. Ele se torna um com sua gente e, acima de tudo, com seu presbitério, sempre disposto a receber e animar seus sacerdotes. Promove pelo exemplo, mais do que com palavras, uma verdadeira fraternidade sacerdotal, demonstrando aos sacerdotes que se é pastor para o rebanho e não por razões de prestígio ou de carreira, o que é tão feio”. A afirmação de Francisco foi quase uma súplica: “Não sejam escaladores, por favor, nem ambiciosos: alimentem o rebanho de Deus não como patrões das pessoas a vocês confiadas, mas tornando-se modelos do rebanho”.
 
O primeiro passo é a oração que, para o bispo, “não é devoção, mas necessidade”. Daí o bispo tira força e confiança, bem como “a coragem para discutir com Deus por seu rebanho”. Rezar, para ele, é uma ocasião para compartilhar com o Senhor sua cruz, que não é apenas a que traz sobre o seu peito, “fácil” de carregar, mas a outra cruz, “muito mais pesada” que Deus pede para colocar “nos ombros e no coração”.

Desta forma, o bispo transforma-se em “homem do anúncio”. “O bispo não vive no escritório, como administrador da empresa, mas entre as pessoas, nas ruas do mundo, como Jesus”, advertiu Francisco explicando que o autêntico pastor “sai de si mesmo para encontrar-se a si mesmo, não gosta da comodidade e da vida tranquila e não economiza energias, mas trabalha para os outros, abandonando-se à fidelidade de Deus. Se busca postos e seguranças mundanas, ele não é um verdadeiro apóstolo do Evangelho”, disse. Mas... qual é o estilo do anúncio? O Bispo de Roma respondeu claramente: “dar humildemente testemunho do amor de Deus, como fez Jesus, que se humilhou por amor”, livre da “tentação do poder”, “do mundanismo”. “O mundanismo... Cuidem-se com o mundanismo”, advertiu Francisco, “sempre existe o perigo de ocupar-se mais da forma do que da substância, de transformar-se mais em atores do que em testemunhas”.

E por essa razão Bergoglio pediu aos bispos nos territórios de Missão para que se preocupem principalmente com algumas realidades. Em primeiro lugar, as famílias: “promovam formas de preparação para o matrimônio e de acompanhamento das famílias” e “defendam a vida tanto daquele que é concebido quanto do idoso, apoiem os pais e os avós em sua missão”. Em seguida, os seminários: “Ali devem ser um de casa. Controlem cuidadosamente para que sejam guiados por homens de Deus, educadores capazes e maduros que, com a ajuda das melhores ciências humanas, garantam a formação de perfis humanos saudáveis, abertos, autênticos e sinceros, que deem prioridade ao discernimento vocacional para reconhecer a voz de Deus, entre as tantas outras que ressoam nos ouvidos e no coração”.

Pediu também que cuidem dos jovens, “aos quais será dedicado o iminente Sínodo, porque são o futuro da Igreja e da sociedade”, e dos pobres, “sem medo de ‘sujar as mãos’”, concluiu Francisco, encorajando os prelados a não caírem na apatia que leva à mediocridade e desejando a todos “a Santa inquietude pelo Evangelho, a única inquietude que dá a paz”.

O Papa finalizou seu discurso com um último e importante conselho: “Desconfiem, por favor, da tibieza, que leva à mediocridade e à indolência, esse ‘démon de midi’. Desconfiem disso. Desconfiem da tranquilidade que esquiva o sacrifício, da pressa pastoral que leva à intolerância, da abundância de bens que desfigura o Evangelho. Não esqueçam que o diabo entra pelos bolsos!”

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