Declarações de Ricardo Barros mostram desconhecimento da saúde, afirmam especialistas

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Por: Cesar Sanson | 19 Mai 2016

Para especialistas da área ouvidos pelo Saúde Popular, a nova gestão representa a concretização de um projeto de desmonte e privatização do Sistema Único de Saúde (SUS).

A reportagem é de Rute Pina e José Eduardo Bernardes e publicada por Saúde Popular, 18-05-2016.

Com frases como “a fé move montanhas” [sobre medicamentos que não possuem eficácia comprovada], “quanto mais gente puder ter, melhor” [sobre os planos de saúde] e defendendo a participação das Igrejas no debate sobre aborto, Ricardo Barros, em sua primeira semana à frente do Ministério da Saúde do governo interino de Michel Temer (PMDB), já coleciona uma série de declarações polêmicas.

Para especialistas da área ouvidos pelo Saúde Popular, a nova gestão representa a concretização de um projeto de desmonte e privatização do Sistema Único de Saúde (SUS).

Barros é o primeiro ministro da Saúde, desde 2003, que ocupa o cargo, mas não tem nenhuma relação formal com o setor. Engenheiro civil por formação, ele apresentou poucos projetos ligados à área na Câmara dos Deputados. O maior doador individual de sua campanha para deputado federal em 2014 foi Elon Gomes de Almeida, presidente e fundador do Grupo Aliança, empresa que oferece a contratação coletiva de planos de assistência médica e odontológica. O grupo doou R$100 mil à campanha do atual ministro.

Ele, no entanto, afirma que sua falta de experiência na Saúde não será uma falha, pois contribuirá para a pasta como “gestor e especialista em orçamento”.

Hêider Pinto, no entanto, médico mestre em Saúde Coletiva e ex-secretário de gestão do trabalho e da educação na saúde (pasta responsável pelo Programa Mais Médicos no Ministério da Saúde), acredita que Barros entra para poder privatizar e ampliar as parcerias com o setor privado.

“Não pelo fato dele ser engenheiro, mas pelo fato de representar um governo sem legalidade, legitimidade e que assume com uma pauta de colocar nas costas do cidadão a conta da crise. Os documentos Ponte para o Futuro e Travessia Social [como foi batizado o plano de governo de Temer] mostram que o objetivo é privatizar tudo o que for possível, reduzir o gasto com Saúde – como a desvinculação do orçamento. Isso significa tentar fazer com que o SUS seja segmentado e focado em algumas populações”, afirmou o médico.

A professora de Medicina Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Heloísa Mendonça, seguiu na mesma linha, ao dizer que o ministro deu declarações claras de que “não entende a saúde como direito universal”. “A gente não tem como reconhecer esse senhor como ministro, porque ele se opõe ao direito constitucional da saúde universal”, disse.

Menos médicos estrangeiros

Em sua primeira coletiva de imprensa, Ricardo Barros afirmou que uma das ações para o Programa Mais Médicos, símbolo do governo de Dilma Rousseff na área da Saúde, seria incentivar a presença dos médicos brasileiros no programa para “prestigiar nossa academia, a Associação Brasileira dos Médicos e demais representantes”.

Para Hêider Pinto, a alegação do ministro demonstra que ele “está preocupado em prestar conta a estes grupos que desde 2013 tem um discurso xenófobo, conservador e corporativo”.

“Por ele ser engenheiro e não um super-especialista ligado às entidades, a tendência seria que fosse menos corporativista. Mas temos o pior das duas coisas: uma pessoa que não conhece a Saúde, e onde ela poderia ter alguma coisa positiva, que seria se preocupar mais com a população e menos com a corporação, ela tem uma atitude totalmente corporativa”.

O ex-secretário da pasta responsável pelo programa diz que o ministro “deu declarações genéricas” e desconhece informações básicas sobre o tema. “A lei já garante prioridade aos médicos brasileiros. O fato de aproximadamente 70% dos médicos do programa serem estrangeiros, é porque os brasileiros não se dispuseram a ocupar as vagas do programa, em especial, nas comunidades e municípios mais vulneráveis”, pontuou.

Segundo Hêider, mesmo com um aumento de brasileiros que aderiram ao programa nas duas últimas chamadas, eles continuam se dirigindo aos municípios com menos dificuldades. “Ao reduzir o número de médicos estrangeiros, ele [Barros] está falando em reduzir de 45 milhões para 12 milhões de pessoas que seriam assitencializadas pelos estrangeiros. A grande pergunta é se esses 33 milhões continurão sendo atendidos com regularidade pelos brasileiros nestes lugares”, questionou.

Segundo a professora da UFPE, o ministro quer se reconciliar com a corporação médica, que tem interesses “muitos escusos da corporação, travestido de zelo”. “O Conselho Regional de Medicina e a Associação Médica Brasileira estão fazendo looby contra o Mais Médicos. A ideia do Conselho é carreira para os médicos brasileiros. Mas isso é blefe, porque eles sabem perfeitamente que, se até hoje, decorrido 27 anos da Constituição, nós não tivemos ainda uma carreira implantada para o SUS, não vai ser agora que ela será implantada”, disse.

Orçamento

Em outro ponto prioritário de seu discurso inaugural da pasta, o ministro disse que deseja otimizar os gastos do SUS e implantar um sistema integrado de informações e conhecer iniciativas de municípios, que com “poucos recursos fazem trabalhos excelentes” já que a pasta não pode “pensar agora em aumentar recursos”.

Heloísa Mendonça, no entanto, afirma que o debate não está atrelado apenas aos poucos recursos do Ministério. Ela argumenta que a verba destinada à Saúde está vinculada ao orçamento da Seguridade Social, área na qual “se instalou uma ofensiva nos últimos dias” e que “a falta de recursos com a previdência não está descolado das questões da saúde”.

Foi por esta linha que Barros tentou argumentar em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo nesta terça-feira (17), após dizer que o Estado não tem como assumir todas as garantias previstas na Constituição, incluindo o acesso universal à saúde. Horas depois, ele recuou dizendo que o SUS “está estabelecido”. “Enquanto a previdência continuar crescendo nos gastos públicos, não haverá recursos para ampliar em outras áreas. O presidente [interino, Michel Temer] já garantiu que não mexerá em direitos adquiridos. Não falei em rever o tamanho do SUS”, se desdisse Barros à Folha.

Segundo Hêider, o ministro fez um comentário “superficial e precipitado de alguém que não discute e não tem aprofundamento no tema da saúde”. “É um chavão que pode ser usado em qualquer setor, ‘vou integrar o sistema e vai haver um choque de gestão’”, acusou o especialista. “Esta é uma visão equivocada. Poderíamos até fazer um debate sobre aumento de eficiência, mas independente disso, o Brasil gasta pouco e precisa elevar o percentual de gastos com a saúde em relação ao PIB [Produto Interno Bruto], porque, dessa forma, não conseguiremos cumprir a Constituição de 1988 e ter a saúde como direito universal”, acredita.

Atualmente, o Brasil tem um gasto com saúde de 3,8% em relação ao PIB do país. A taxa ainda está bem distante de países que aspiram a um sistema amplamente público, como Reino Unido, um dos modelos que inspiraram a implatação do SUS, que compromete 7,6% de seu orçamento em relação ao PIB, ou ao Canadá, que tem um índice de 7,4%, ou mesmo de países que tem uma despesa pública com saúde da ordem de 10%, como Cuba e Suécia.

Planos de saúde

Barros não parou por aí em relação as declarações polêmicas. Ele lembrou que propostas em trâmite no Congresso Nacional, caso aprovadas, poderiam “aliviar” o SUS, como a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 451, proposta pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O texto pretende incluir como garantia fundamental o plano de assistência à saúde, oferecido pelo empregador.

Hêider Pinto acredita, porém, que tal projeto que a princípio parece positivo, se alinha ao programa de desmonte do SUS e à privatização da saúde, representados pelo Governo Temer.

“Esta medida é um super negócio para os planos de saúde. Em uma tacada só se triplica o mercado deles. E também desfinancia o sistema público, através da isenção de impostos para os empregadores e empregados, e joga essas pessoas no mercado livre para que elas tentem ter saúde, passando a funcionar pela regra de mercado”.

“Os temas da Ponte Para o Futuro só têm conexão quando lembramos desta PEC e do que está colocado na Agenda Brasil, pelo PMDB”, disse. Para ele, o momento de retrocesso “é absolutamente preocupante” e só se equivale ao momento que Collor vetou o financiamento da Lei Orgânica da Saúde, em 1990. “É um momento crítico e eu comparo só estes dois momentos. Por isso, mais do que nunca, lutar por saúde, neste momento, está associado à luta pela democracia”, finalizou.

Na mesma linha, a professora Heloísa Mendonça espera que o desmonte da saúde pública seja detido pela luta organizada do setor. “Com esse governo, a universalização da saúde só se dará no campo da luta política. É uma ofensa um ministro afirmar que não adianta lutar por direitos que não poderão ser entregues pelo Estado. O que tem sido a história da humanidade e dos trabalhadores do mundo, a não ser lutar pela conquista de direitos sociais, direitos civis, direitos políticos?”, questiona.

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