19 Abril 2016
Exatamente como o papa impôs aos bispos católicos que tomassem nas mãos as situações "chamadas irregulares", assim ele fez com os migrantes. Ele determinou que os bispos devem tomar nas mãos pessoalmente esses dramas e os desastres dos amores extintos não porque ele acha que os bispos sabem dizer palavras apropriadas: mas porque ele pensa que é indispensável que os bispos sejam bispos.
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 17-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com a visita a Lesbos, o Papa Francisco decidiu expor, no fronte político mais quente deste momento, toda a sua força e toda a sua impotência. Ele fez um gesto que se inscreve no quadro dos grandes gestos proféticos e apocalípticos que faltaram nas décadas recentes e que foram confiados a uma impossível história dos "se": se Pio XII tivesse ido ao Palazzo Salviati na Via della Lungara na noite do dia 16 de outubro de 1943 onde haviam sido levados os judeus de Roma...; se João Paulo II em visita ao Chile tivesse pedido que Pinochet o acompanhasse ao forte Silva Palma, em Valparaíso, onde se torturavam os desaparecidos...
A pesquisa histórica nos ensina as razões pelas quais isso não aconteceu: a convicção de poder agir diplomaticamente, de poder fazer melhor dialogando com esses poderes, algumas ilusões politicistas, e assim por diante.
Diante do drama de povos em fuga de um sinal apocalíptico como a guerra – "a bello fame et peste", diziam as ladainhas – aconteceu, no entanto, a visita de Francisco a Lesbos. Aonde chega um desespero que não tem nada comparável à Shoá, que não tem por trás a crueldade da realpolitik estadunidense: mas que também impunha escolhas ao papado. E Francisco fez as suas.
Ele fez um ato litúrgico de intercomunhão com a ortodoxia, tocando juntos a carne do Cristo pobre nos pobres. Escolheu fazer um gesto de humilhação: e, à propaganda jihadista sobre os cruzados, ele mostra um crente desarmado que só pode acariciar alguns rostos daqueles que viveram durante décadas sob as bombas e devem fugir, levando a vida embora como despojo.
E fez um grande gesto político. Que consiste em virar as costas para a política, voltar-se para o lado das vítimas e falar (também à política) apenas permanecendo ali, ao lado do corpo de Abel: o Abel dos mortos estendidos no fundo dos mares que separam as terras da guerra das terras do medo; o Abel dos inocentes vivos e chorosos que pararam na frente dele com gestos que imitavam os próprios episódios do Evangelho.
"Vocês vão encontrar algumas lágrimas para secar", disse o Papa João XXIII na noite do discurso da Lua; Francisco foi dar a carícia do papa às crianças que choravam desesperadas, que se prostraram na frente dele em um gesto comovente que entregava a um homem que foi dizer "não percam a esperança" todo do desespero inconsolável daqueles que estão em fuga e correm o risco de serem jogados de volta nas mãos daqueles que carregaram os seus campos de refugiados para serem usados como arma e como alavanca de uma chantagem que tem funcionado muito bem.
A partir desse ponto-Abel, ele enviou uma mensagem política que denuncia a impotência de uma Europa que se defronta com esses dramas, ou levando aos amigos simpáticos líderes religiosos que tranquilizam uma sociedade secularizada sobre a bondade das "religiões", ou fazendo algumas perguntas equivocadas à sociologia religiosa geralmente francesa...
A solução que Francisco "implorou", de fato, não é feita de princípios: lei natural, normas morais, conceitos de civilização; mas de uma proximidade real da qual ele deu o exemplo indo sozinho (se ele tivesse levado o presidente da Conferência Episcopal Europeia não seria ruim), junto com o patriarca ecumênico e os seus metropolitas.
Exatamente como ele impôs aos bispos católicos que tomassem nas mãos as situações "chamadas irregulares", assim ele fez com os migrantes. O papa determinou que os bispos devem tomar nas mãos pessoalmente esses dramas e os desastres dos amores extintos não porque ele acha que os bispos sabem dizer palavras apropriadas: mas porque ele pensa que é indispensável que os bispos sejam bispos.
E, ao mesmo tempo, o papa sabe que não serão as paróquias do pequeno Estado vaticano ou os episcopados que abrem algumas salas para algumas famílias que vão resolver o drama de milhões de pessoas expulsas de casa por guerras lucrativas e por lucrativos negócios político-petrolíferos: ele sabe, porém, que ter perto de si apenas um pouco desse desastre torna humano aquele que o faz e desumano aquele que não o faz.
"Quem levanta muros não é cristão", disse ele, respondendo a uma piada de Trump que acreditava que podia ser arrogante com o bispo de Roma. Em Lesbos, ele explicou que aqueles que não querem ver o sofrimento do encarcerado – que "é" o Cristo, diz Mateus 25 – não é humano.
Porque, como diz Francisco, "somos todos migrantes": e, por força de muros e fronteiras, o continente europeu, que inventou as guerras religiosas, a guerra total, o colonialismo, os totalitarismos, o extermínio e a limpeza étnica, acabará por se repetir. E porque, como diz Bartolomeu, "a sociedade será julgada pela forma como trata vocês": em sentido etimológico, uma Europa "segura" – isto é, que se livra de "cuidar" dos outros – é uma utopia destinada a dar frutos malvados.
Para uma Europa que "cuida" da paz e da justiça de terras esquecidas, onde os grandes negócios geram grandes cinismos, não basta o desenho de uma criança afegã posto sobre a mesa do papa. As três famílias que se tornam refugiadas no Vaticano não são "a" solução desse drama epocal: elas têm sentido se forem uma pró-memória, um gesto que desperte algumas santas emulações nos bispos, nos fiéis, nos europeus.
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Aquele "tabefe carinhoso"do papa no mundo. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU