Panama Papers: o custo humano da corrupção

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19 Abril 2016

A evasão fiscal e o segredo que cerca algumas práticas financeiras, descobertas pelos Panama Papers (Papéis do Panamá), têm um custo humano enorme nos países em desenvolvimento e ameaçam a concretização dos ambiciosos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O vazamento desses documentos, divulgados por vários meios de comunicação, como o jornal alemão Süddeutsche Zeitung e o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (Icij), já causou manifestações e investigações de autoridades nacionais em diferentes partes do mundo.

A reportagem é de Tharanga Yakupitiyage, publicada por Envolverde/IPS, 14-04-2016.

Os Papéis do Panamá conectam milhares de destacadas figuras públicas com 210 mil empresas em 21 paraísos fiscais e escancaram o financiamento interno do setor financeiro em localidades que oferecem vantagens fiscais. Os documentos divulgados pertencem ao escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, que já é acusado de ter ajudado funcionários públicos e corporações multinacionais a evadirem impostos. O escritório afirma que a imprensa tergiversou a natureza de seu trabalho e de seu papel no mercado financeiro global.

Um dos casos revelados pelos Papéis do Panamá sugere que a companhia Heritage OilandGasLtd. (HOGL) recorreu à Mossack Fonseca para não cumprir as leis fiscais de Uganda. Segundo o Icij, os e-mails vazados revelam que, após a venda de uma jazida de petróleo, a companhia deveria pagar US$ 404 milhões em impostos. Para não desembolsar essa quantia, a HOGL levou o caso à justiça ugandense enquanto tentava realocar suas operações em Mauricio.

Esse país tem um acordo de dupla taxação com Uganda, que permite a empresas como a HOGL pagarem impostos em um único Estado. Em 2000 o Fundo Monetário Internacional (FMI) situou Mauricio entre as localidades preferidas pelas empresas por suas mínimas normas tributárias. Os paraísos fiscais privam países em desenvolvimento como Uganda da arrecadação fiscal necessária para fornecer serviços essenciais, disse à IPS o assessor em matéria tributária da organização não governamental Oxfam, Tatu Ilunga.

Em Uganda, cerca de 37% dos mais de 32,7 milhões de habitantes vivem com menos de US$ 1,25 por dia. Também é nesse país da África oriental que se registra o maior números de casos de mortalidade infantil e materna no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Uganda está entre os dez países que concentram a maioria das mortes maternas. Os US$ 404 milhões da HOGL superam o orçamento que esse país, que carece de serviços médicos, destina à saúde.

Na Nigéria, o governador do Estado produtor de petróleo Delta, James Ibori, também se viu implicado pelos Papéis do Panamá porque, aparentemente, utilizou o escritório Mossack Fonseca como agente de quatro companhias no exterior, localizadas no Panamá e em Seychelles. Essas entidades garantiram o anonimato para esconder os verdadeiros proprietários e as ações, permitindo que não declarassem nem pagassem impostos sobre fundos e valores.

Ibori foi detido em 2012 por desviar mais de US$ 75 milhões para fora do país, mas as autoridades nigerianas estimam que roubou e ocultou mais de US$ 290 milhões em paraísos fiscais. Como Uganda, os indicadores de saúde da Nigéria são ruins, pois concentra cerca de 10% das mortes maternas e infantis, e a pobreza aumentou, com 61% ou mais de seus 185,9 milhões de habitantes vivendo na pobreza, segundo os últimos dados oficiais do Escritório de Estatísticas.

Graças à produção de petróleo,a região do delta do Níger, emparticular, é importante contribuinte para a economia nacional e, no entanto, uma das mais pobres e com menos desenvolvimento da Nigéria. No Estado de Delta, governado por Ibori entre 1999 e 2007, 45% da população é pobre. Embora o dinheiro escondido por Ibori seja uma pequena parte do orçamento da Nigéria, o fato reflete um problema global e generalizado que vai além do escritório Mossack Fonseca.

O coordenador de política da organização não governamental Transparência Internacional, Craig Fagan declarou à IPS: “E pensar nos milhões de documentos divulgados e no número de destacadas figuras (implicadas no escândalo) e é apenas um estudo do Panamá. Podemos estar seguros de que há muitos outros, seja em Londres, Hong Kong, Nova York ou Miami, que operam estruturas similares”.

Estimativas da Oxfam indicam que pelo menos US$ 18,5 trilhões estão escondidos em paraísos fiscais. Segundo a organização, três terços estão em paraísos fiscais relacionados com a União Europeia e o restante em lugares vinculados à Grã-Bretanha, onde permanecem sem declarar nem pagar imposto. E a Oxfam diz que são estimativas conservadoras.

O Swissleaks, escândalo anterior semelhante, divulgado pelo Icij em 2015, revelava que 106 mil clientes, da Venezuela ao Sri Lanka, esconderam mais de US$ 100 bilhões em contas do banco HSBC. Uma análise da Rede de Justiça Tributária (TJN) revelou que são desviados entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões por intermédio de companhias em paraísos fiscais.

O fato tem graves consequências para os países em desenvolvimento, que perdem cerca de US$ 100 bilhões por ano em impostos não arrecadados, destacou a Oxfam. Segundo esta organização, somente a malversação de fundos por parte das corporações multinacionais custa aos países em desenvolvimento entre US$ 100 bilhões e US$ 160 bilhões ao ano. Se for somada a transferência de ativos, a perda sobe para US$ 250 bilhões a US$ 300 bilhões.

O dinheiro “perdido” poderia tirar da pobreza três vezes o total de pessoas que se encontram nessa condição, segundo estimativas da Brookings Institution. A Oxfam também destacou que, para cada US$ 1 bilhão evadido, 11 milhões de pessoas na região do Sahel poderiam contar com alimentos suficientes, ou poderiam ser pagas 400 mil parteiras na África subsaariana, onde se concentra a maior mortalidade materna, ou ainda poderiam ser comprados 200 milhões de mosquiteiros para reduzir a mortalidade infantil causada pela malária.

“No próprio sistema fraudulento criou-se uma situação onde a riqueza do 1% mais endinheirado supera a do resto do mundo”, recordou Ilunga, da Oxfam. “A malversação fiscal existe em uma zona legal cinza, na qual algumas atividades claramente violam o espírito da lei, apesar de não serem tecnicamente ilegais. Mas o fato de serem legais é precisamente o escândalo que mais nos preocupa”, destacou. “Apenas o fato de não ser ilegal não significa que não seja uma forma de manipulação e de corrupção”, enfatizou Fagan à IPS.

Ilunga e Fagan concordam que os Papéis do Panamá são uma chamada de atenção e pediram urgência aos governos no sentido de pôr fim às práticas fiscais prejudiciais e a preencher os vazios legais. Também destacaram a necessidade de se criar um registro público com os verdadeiros proprietários e donos das empresas, e que se esclareça onde e quanto dinheiro o dinheiro gera.

Com vistas à cúpula contra a corrupção que acontecerá na Grã-Bretanha, em maio deste ano, a Oxfam e a Rede de Justiça Tributária pediram a Londres que encabece a luta contra a vasta rede de paraísos fiscais mais próximos, como Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Caimã. “A cúpula oferece uma oportunidade para desmantelar o segredo que rodeia as finanças e coloca em risco a luta contra a pobreza” que o mundo busca conseguir com os ODS, afirmaram em um comunicado o assessor de política da Oxfam, Luke Gibson, e o diretor de investigação da TJN, Alex Cobham.

Os ODS também incluem o compromisso de reduzir o fluxo ilegal de fundos e a corrupção até 2030, bem como fortalecer a mobilização nacional de recursos, o que inclui a capacidade de arrecadar impostos.

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