“Depois da crise política e econômica, virá a crise social”

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Por: Cesar Sanson | 11 Abril 2016

Uma tendência inédita em mais de uma década derrubou o brasileiro do cavalo do bem-estar. Pela primeira vez desde 1992, a renda do trabalho dos brasileiros diminuiu e a desigualdade aumentou, de acordo com dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). “É um fato empírico novo que torna real a crônica da crise social anunciada”, explica Marcelo Neri, economista da Fundação Getúlio Vargas, que analisou, com surpresa, o material. A análise cobra ainda mais peso porque Neri foi um dos principais estudiosos e entusiastas da queda da desigualdade nos anos Lula-Dilma.

A reportagem é de María Martín e publicada por El País, 10-04-2016.

O que Neri viu nos números do último trimestre de 2015 é que o índice do bem-estar, combinação entre renda e equidade, caiu 5,7% em 12 meses – sendo 3,24% queda da média de renda domiciliar do trabalho e 2,46% aumento da sua desigualdade. A queda é importante por ser uma novidade após anos de crescimento, e se comparada com o primeiro trimestre de 2014, quando o índice geral de bem-estar teve aumento de 6,45%.

“Até agora a gente falava de crise política, de crise econômica, mas agora, e só agora, antevemos uma crise social. O brasileiro se virou bem. Perdeu o emprego com carteira, que era a grande conquista e o símbolo de essa nova classe média, e manteve a renda, mas o sonho está se perdendo em grande escala desde 2014”, explica Neri, que foi ministro do Governo Dilma e presidente do Ipea.

Em novembro do ano passado, Neri surpreendia-se com a capacidade do brasileiro de driblar a crise e o descrevia como um Indiana Jones que, apesar do aumento do desemprego, a inflação e do PIB estagnado, via sua renda crescer, mesmo em empregos informais. A comparação hoje é outra: “Eu via o Brasil na beira do precipício, mas surpreendentemente no topo, apesar das dificuldades. Agora começou a queda”, ilustra Neri.

Crescimento, Equidade e Bem-Estar Social. Taxa de Crescimento Anual - Fonte: FGV Social a partir dos microdados da PNAD e PNADC do IBGE

O Brasil seguia uma trilha oposta ao resto do mundo em termos de crescimento e diminuição da desigualdade e os indicadores sociais cresciam mais rápido que os indicadores macroeconômicos. Desde 2003, a renda das pessoas crescia mais do que o PIB no país e a renda dos mais pobres aumentava mais do que a média das pessoas.

O país descolou-se até da América Latina, onde a desigualdade parou de cair, enquanto em 2014 no Brasil houve a maior queda da desigualdade em 10 anos, de acordo com os dados da Pnad. O “Brasil é difícil de entender porque as séries macroeconômicas apresentaram problemas a partir de 2012, mas as sociais mostraram problemas só agora”, explica Neri. “Quem considera o período atual de queda de desigualdade iniciado em 2011 em meio a uma nova década perdida se refere à esfera da macroeconomia, porque, no social, a crise de renda só chegou no final de 2015. Mas chegou com força”, completa Neri.

O que narra o ex-ministro pode ser o fim de uma das histórias mais impactantes da era PT na Presidência - os avanços para os mais pobres -, ainda que outras medições já relativizassem a queda da desigualdade medida pela PNAD. Análise com base em dados do imposto de renda mostra uma estabilidade nos números de equidade desde 2001, e não melhora expressiva.

São várias as causas que explicam a virada do tabuleiro: o desemprego, o aumento da informalidade, mas também decisões tomadas pelo Governo Dilma após reassumir o comando do país. “Em 2015 começamos o ano com um reajuste da Previdência acima da inflação, ou seja, uma coisa errada, enquanto o Bolsa Família não foi corrigido, não acompanhou a inflação. O piso da Previdência não favorece os mais pobres, no Brasil quem impacta nos mais pobres é o Bolsa Família”, diz Neri.

O economista é também crítico ao lembrar da campanha eleitoral de Dilma, de quem foi ministro da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos até fevereiro de 2015. “Nas eleições houve um erro muito sério. A gente entrou num jogo perde-perde, onde você anunciou que ia ser expansionista, os mercados não gostaram, as expectativas pioraram, e você foi mais conservador que o próprio conservador. Você anunciou que ia ser expansionista e você botou o [ex-ministro da Fazenda] Joaquim Levy. Não faz sentido.”

Neri vê no Brasil uma “grande armadilha”. “Quando você dá um reajuste no Bolsa Família é visível o impacto na desigualdade. E isso está retrocedendo. O Bolsa Família virou um mecanismo, por razões institucionais, de correção do Orçamento. Dada a restrição fiscal, devemos tratar o Bolsa Família como algo a ser preservado, pois não traz efeito palpável para o ajuste, uma vez que representa apenas 0,6% do PIB, enquanto a Previdência soma 12%, ou seja, volume de gastos 20 vezes maior. Não que se deva indexar o Bolsa Família. Só que ele está parado em termos nominais desde maio de 2014, e estamos falando do programa responsável por 20% da grande redução de desigualdade ocorrida desde os primórdios do século. Assim vamos retroagir na equidade conquistada. Ou seja, a questão fiscal é fundamental para restabelecer a queda da desigualdade", explica Neri.

Diante a possibilidade de um novo Governo comandado pelo PMDB, é difícil conseguir de Neri uma projeção para os próximos meses. “Eu cometi dois grandes erros uns anos atrás. O primeiro foi fazer projeções para 2014 no meu livro A Nova Classe Média (Saraiva). E o segundo foi ter ido para o Governo. Aí tudo que você escreve se torna um problema. Eu não faço mais isso. As projeções não valem nada, mesmo quando você acerta. Com o que está acontecendo a gente não consegue enxergar um palmo na nossa frente”, justifica.

Mas os palpites não são otimistas. “A situação atual me remete muito ao período de hiperinflação brasileira de 93. Não pela inflação, mas pelo grau de desorganização. Faltava um Estado que coordenasse, até que foi criado o Plano Real. Mas voltamos a ser uma bagunça, não há coordenação”.

Para quebrar a tendência de deterioração do bem-estar no Brasil, Neri defende insistentemente a preservação do Bolsa Família, mas reivindica uma reforma da Previdência, que Dilma Rousseff chegou a sugerir como prioritária, mas que sofre resistência dura, entre outras forças, do PT e de sindicatos. “Os jovens no Brasil ainda não perceberam que a grande causa deles é a reforma da Previdência. São eles que vão pagar a conta, vão contribuir mais e receber menos. O Brasil tem um gasto na Previdência equivalente os países ricos e mais velhos, parecido os países europeus, mas nossa população está envelhecendo e as regras constituídas são preservadas. Se você não começa a mexer nelas, vamos perder a capacidade de fazer opções de política”.

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