Por: Jonas | 15 Mai 2015
Cecilia Romero teve a paradoxal sensação (com sentimentos de culpa) de ter traído seu “tio” dom Óscar Arnulfo. Esta filha de um primo do arcebispo de El Salvador, assassinado por esquadrões da morte, no dia 24 de março de 1980, e que em breve será beato, foi entrevistada pela revista “Credere”, para a qual contou que ela e sua família tiveram que fingir que não o conheciam e que não possuíam vínculos com ele para se salvarem.
Fonte: http://goo.gl/CMKTDG |
A reportagem é de Domenico Agasso Jr., publicada por Vatican Insider, 12-05-2015. A tradução é do Cepat.
Tiveram que mentir inclusive sobre o sobrenome: “Era um dia de junho de 1979. Um grupo de militares abriu a porta e entrou em minha casa, na qual estávamos eu, minha irmã e minha mãe. Meus irmãos e meu pai estavam fora. Imediatamente, pediram nossos documentos e, quando leram ‘Romero’, suspeitaram. ‘Ah, então vocês também são Romero. São parentes?’, gritou um dos soldados. ‘Sim, mas do presidente’”.
Sua mãe teve a lucidez de aproveitar a casualidade entre os sobrenomes de Óscar Arnulfo e Carlos Humberto, presidente de El Salvador nesse período. “Se os soldados tivessem entendido que éramos parentes diretos, essa ‘visita’ teria nos custado a prisão imediata ou a morte”.
“A partir de certo momento, os contatos de minha família com Monsenhor foram interrompidos - prossegue. Só meu pai os manteve, mas em segredo. O próprio Óscar Arnulfo nos deu a entender que era melhor suspender qualquer forma de relação e nós nos conformamos escutando suas homilias no rádio, sem poder ir à catedral”.
Alguns familiares do Arcebispo, incluindo o pai de Cecilia, receberam ameaças de morte e cartas que ameaçavam seus filhos, suas esposas, seus irmãos e parentes. Então, fingir que não amavam Romero foi um método para manter seguro seus achegados, mas isto deixou marcas na consciência de Cecilia: “O perigo continuou inclusive após a morte de Monsenhor. Até os anos 1990, era muito perigoso simplesmente falar sobre Romero. A visita de João Paulo II e sua oração diante da sepultura, em 1996, começaram a mudar as coisas. Porém, já havíamos interiorizado o medo e quando me lembro daquele tempo choro pela morte de meu tio e porque sinto que estive distante dele”.
Cecilia acrescenta: “Revolucionou profundamente o sentir do povo. Comecei a me sentir livre escutando e voltando a escutar suas belas homilias. Todos nós estávamos acostumados ao silêncio, éramos um povo tímido, fechado. Eu mesma cresci naqueles anos, acostumando-me ao silêncio, na universidade ficava calada. As homilias foram, além de um maravilhoso instrumento pastoral, um chamado à abertura, de todos, começando pelos últimos. Suas palavras colocaram em marcha uma verdadeira consciência: ser pobre não significa não poder falar. Os humildes, como demonstrou seu funeral, compreenderam bem isso”. Naquela ocasião, havia cerca de um milhão de pessoas, um quarto da população de El Salvador. E nem sequer a explosão de uma bomba, nem um tiroteio com mais de 50 mortos impediram a expressão de afeto das pessoas do país.
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“O ‘tio’ Romero? Tivemos que fingir que não o conhecíamos. Ainda choro” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU