“Se eu tivesse o problema da pedofilia que me atribuem, não deveria servir como sacerdote”, afirma padre Urrutigoity

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Por: Jonas | 19 Agosto 2014

Padre Carlos Urrutigoity (na foto, à esquerda) ocupou o centro das atenções na recente visita apostólica em sua Diocese de Ciudad del Este. De fato, antes da chegada dos visitantes, o padre Carlos foi substituído de seu cargo como vigário geral. Em entrevista exclusiva, o sacerdote nega as acusações de pedofilia, afirma que a Teologia da Libertação “é uma ideologia antiquada que fracassou” e acredita que os “ares de primavera” do Papa estão “apenas na imprensa”.

 
Fonte: http://goo.gl/MKgVFq  

A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 15-08-2014. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Como você está após a visita apostólica? Teve alguma oportunidade de conversar com algum dos dois visitadores ou com ambos?

Para a minha surpresa e de muitos, os Visitadores não me chamaram para nenhuma conversa, nem me pediram algum tipo de informação. Parece que estavam concentrados em outras áreas. Só pude conversar alguns minutos com o cardeal Santos Abril, durante uma de suas visitas. Não me fez perguntas, nem me pediu informação.

Você acredita que os visitadores chegaram com ideias preconcebidas?

Não gostaria de julgar, nem prejulgar. É certo que todos nós temos ideias preconcebidas, já que é parte de nosso processo de conhecimento. Porém, não saberia dizer, com segurança, quais seriam as ideais com as quais os Visitadores vieram.

Todos eles me pareceram observadores muito minuciosos, ainda que não pareçam ter se interessado em alguns dos temas que se esperava. Pela impressão que tive do Cardeal, não duvido que apresente ao Santo Padre um relato muito pontual.

Também não se pode negar que, fazendo generalizações, os informes que haviam chegado a Roma eram muito mais negativos, já que procediam dos sempre opositores de nosso Bispo e de sua obra. No entanto, os Visitadores se encontraram com uma realidade muito diferente: uma Igreja muito unida e ativa, muito evangélica e progressiva. E nos animaram muito, nesse sentido.

Sua renúncia ao cargo de Vigário Geral foi imposta por Roma? Por quê?

Antes da Visita Apostólica, o Núncio sugeriu a nosso Bispo que era melhor que eu não fosse Vigário Geral.

De minha parte, desde o início, quando o Bispo me pediu que aceitasse o cargo, pareceu-me inconveniente, para não dizer francamente imprudente. Dadas todas as calúnias e difamações na Internet, era óbvio que qualquer promoção seria questionada com facilidade e nosso Bispo seria alvo de ataques. Entretanto, ele insistiu, já que os sacerdotes e os dirigentes leigos quando foram consultados, em sua grande maioria, propuseram meu nome. Um sacerdote é um homem de obediência. Com confiança assumi essa responsabilidade e com confiança a deixo agora que a Igreja me pede.

Não há mudanças em termos práticos. Já faz mais de um ano que venho me encarregando quase que exclusivamente dos assuntos econômicos, uma vez que nossa Diocese, por ser de criação muito recente, não tem recursos para sustentar os enormes gastos que temos por conta do apostolado crescente e a formação de muitíssimas vocações. Todos os meses, nós estamos mendigando. Sendo assim, o Bispo me pediu que contribuísse, junto com uma comissão de leigos especialistas nesta matéria, para promover esses recursos para aliviar a tarefa dos futuros Bispos. De fato, pois, não era eu, mas, sim, o segundo Vigário Geral (dada a enorme atividade, tínhamos dois Vigários Gerais em nossa Diocese) quem mais se encarregava dos assuntos da Cúria.

Você contou, apesar de tudo, com o apoio de seu Bispo, dom Livieres?

Graças a Deus contei com o apoio não apenas do Bispo, mas também dos leigos, seminaristas e sacerdotes, que são as pessoas que me conhecem e com quem trabalho. Inclusive, fizeram isso por meio de declarações públicas muito corajosas e que estão à disposição de quem quiser consultá-las.

São verdadeiras as acusações de abusos sexuais apresentadas contra você nos Estados Unidos?

Sobre este assunto já oferecemos muitíssima informação, e muito precisa, às quais me refiro: está à disposição de todos em vários documentos e publicações, mas, em particular, e de modo sintético, no “Resumen Explicativo sobre a Visita Apostólica”, que se encontra na página web oficial de nossa Diocese.

Se eu tivesse o problema de pedofilia que as campanhas de imprensa me atribuem, evidentemente não deveria servir como sacerdote. Não há lugar para isso no ministério, já que é uma grave desordem e desequilíbrio psicológico e emocional – não apenas um pecado gravíssimo.

Você considera que o abuso sexual, por parte de um sacerdote ou religioso, não é apenas um pecado, mas, sim, um crime que deve ser perseguido pela justiça civil?

Concordo totalmente. O abuso sexual não é apenas um pecado, mas, sim, um crime. Sendo assim, deve ser tratado por todas as instâncias envolvidas, incluindo os tribunais civis, além daqueles da Igreja. Porém, para além da intervenção da justiça eclesiástica e da estatal, estes casos requerem a imprescindível atenção pastoral e dos profissionais da saúde.

Você também é acusado de pertencer aos círculos eclesiásticos mais conservadores e até próximos aos tradicionalistas.

De nenhum modo tomo como “acusação” ser tradicional. Porque é uma parte da condição de um católico, que deve assumir a totalidade da história e a tradição viva da Igreja, sem reducionismos excludentes. Isso sim: não me considero, nem gostaria de ser “conservador”. Com o passar dos anos, compreende-se que muitos liberais não promovem em nada a liberdade; e que muitos conservadores, na realidade, não conservam nada, já que não entendem o sentido da verdadeira tradição.

Acredito que as pessoas devem ser como a árvore da Igreja, que tendo crescido da menor semente, é hoje uma árvore frondosa, onde todos os tipos de aves encontram lugar. Devemos ter raízes profundas na tradição, nas origens e fontes de nossa fé; todavia, ao mesmo tempo, desenvolver-nos com grande capacidade de novidade e crescimento para o presente e o futuro. É o que temos feito na Igreja de Ciudad del Este, onde todos os tipos de carismas multiplicam seus frutos, com um forte sentido de unidade na fé, mas dentro de um grande respeito à legítima diversidade. O respeito pelas fontes da fé nos deu grande vigor. O respeito pela liberdade de Espírito nos deu grande dinamismo. Convido-lhe para que conheça a nossa Diocese, que apesar de todas as falhas humanas, está experimentando um notável crescimento graças à aplicação dos princípios pastorais do Concílio Vaticano II.

Eu fui educado como seminarista na Fraternidade São Pio X. De fato, ordenou-me sacerdote dom De Galarreta. Devo-lhe muitíssimo. Porém, quando o tradicionalismo se torna conservador, deixa de ser verdadeira tradição: fossiliza-se, escraviza-se à letra e perde o espírito, o sentido da verdadeira tradição.

Como exemplo de nossa atitude na Diocese, nos planos de estudo de nossos institutos de formação sacerdotal tratamos e continuamos tratando de aplicar as muito criteriosas e inovadoras prescrições dos mais de trinta documentos emitidos sobre o tema pelos Papas e a Congregação para a Educação Católica, desde o Concílio Vaticano II até o presente. E fazemos isso a partir da audácia de uma verdadeira inculturação, ou seja, das reais condições e promessas de nossa condição na pátria grande hispano-americana.

Você comunga de coração com as reformas e os novos ares de primavera que sopram de Roma, pelas mãos do Papa Francisco?

Eu comungo de coração com todos os Sucessores de Pedro. Em cada Eucaristia, a Igreja me ensinou que não posso celebrar os mistérios da salvação sem essa profunda comunhão com Pedro e os sucessores dos Apóstolos, os Bispos “que promovem a fé católica e apostólica”, como diz a Oração Eucarística I. Gostei de muitas coisas que os Papas fizeram. De outras, não. Seja de Francisco ou de Bento. Seja de são João Paulo II ou de Paulo VI. Na fé, a unidade. No opinável, a diversidade.

Não é possível falar responsavelmente sobre reformas que, até agora, são conhecidas apenas de um modo vago, por meio de campanhas e opiniões jornalísticas. Como se sabe, a Igreja conta com outros tempos, amadurecidos pela consulta universal, o diagnóstico e a reflexão comum. Em outras palavras, o diálogo em comunhão. As reformas estão sendo preparadas e isso levará tempo, caso se deseja fazê-las bem. Como nos ensinou o Senhor, “pelos seus frutos, serão conhecidos”. Desse modo, pelos frutos espirituais dessas reformas saberemos se são boas, “com ares de primavera”, ou não. Até que não haja fatos, qualquer avaliação me parece superficial e prematura.

Em relação aos novos ares de primavera, também me parece que são apenas isso: ar na imprensa. A Igreja se renova na santidade, na humildade, na oração e no silêncio. Quantas primaveras anunciadas e nunca chegadas! Quantos desertos temidos, e depois jardins florescidos! O Espírito sopra aonde quer, não quando e como nós homens queremos.

Parece-me que vivemos em uma Igreja institucional muito preocupada com “o que dirão”, pela opinião do mundo. E muito pouco preocupada com a opinião de Deus e da verdade que nos torna livres – livres, entre outras coisas, da tirania dos respeitos humanos.

Temos que nos preocupar muito mais com as necessidades dos católicos comprometidos, que devem ser verdadeira luz para todos. É preciso cuidar mais da perseverança, fidelidade e crescimento dos que estão dentro. Com uma vida de família intensa, é espontâneo sair para buscar novos irmãos e que, quando vier, permaneçam porque encontram o que verdadeiramente buscavam. Não podemos prender as decisões na Igreja às opiniões dos que querem não-Igreja. Porque, ao final, ficamos sem nada: sem católicos comprometidos e também sem os não-Igreja, já que nunca se interessaram pela novidade de fazer parte do Corpo Místico de Cristo.

Foi o que aconteceu com as igrejas mais liberais e “ao dia”: esvaziaram-se e caíram na irrelevância. Perderam a essência – e, por fim, inclusive o respeito desse mundo que idolatraram. O que nós necessitamos é de uma Igreja de fé para cima, e não de propaganda para fora. Evangelização e conversão interior, sim. Propaganda, não. O que todos necessitamos é a Boa Nova da fé. Não boas notícias em uma imprensa comprazida.

Você conheceu e conversou com o Papa Bergoglio em sua época de arcebispo, em Buenos Aires?

Quase toda a minha vida como seminarista e sacerdote se deu fora da Argentina. Sendo assim, nunca tive a oportunidade de conhecer e se aproximar do Cardeal Bergoglio.

Agrada-lhe que, em certo sentido, Francisco esteja reabilitando a Teologia da Libertação ou é uma corrente que está moribunda?

Não sei qual é o “certo sentido” a que você se refere, mas a Teologia da Libertação, entendida como imposição de um messianismo terreno – de um Reino de Deus neste mundo e para este mundo –, é uma ideologia antiquada que já saiu de moda na primeira vinda de Cristo ao mundo, quando Ele superou a decadência religiosa do messianismo terreno em que boa parte da hierarquia religiosa de Israel havia caído.

A Teologia da Libertação, neste sentido, é algo fracassado e que produziu uma grande corrupção espiritual e uma grande esterilidade na Igreja. No Paraguai, temos exemplos desta corrupção e esterilidade, com nome e sobrenome.

Foi uma das tantas ideologias impostas a partir de algumas Universidades europeias e subvencionadas pelas Igrejas ricas. Já não tem vigência, nem acredito que haja alguém que pense que ela possua, exceto pequenos grupos de diletantes intelectuais. Para mim o que interessa é a Teologia, somente: o conhecimento e a celebração de Deus e nossa libertação do mal, do pecado, da ignorância e do erro. Quando à Teologia são acrescentados adjetivos ideologizantes, começa a perder amplitude e equilíbrio, e se enche de “verdades alocadas”, como dizia Chesterton.

Qual a sua opinião sobre a guerra de Israel contra Gaza? E sobre a perseguição dos cristãos no Oriente Médio e em outras partes do mundo?

A política não é meu terreno, desse modo, não acredito que minha opinião tenha muito valor. Sendo uma guerra tão desigual e desproporcional, suponho que deve haver fortes interesses econômicos por trás de tudo isto. "Cui prodest"? A quem aproveita esta carnificina em Gaza e Israel?

A respeito da perseguição dos cristãos, evidentemente nossa época é uma época de grandes e numerosos mártires. Segundo as estatísticas apresentadas pela Santa Sé às Nações Unidas, nos últimos anos, a cada cindo minutos morreu um cristão em razão de sua fé. E isto se refere apenas ao martírio que vem do sangue. No Ocidente, conhecemos outra forma de martírio, que é o martírio da reputação e da distorção. Algo disto, eu conheço por experiência própria. Há algum filme no cinema ou um seriado na TV em que a religião “institucional” ou os sacerdotes não tenham papéis de malvados ou de doentes mentais?

Tudo isto, sem dúvida, é muito bom para a Igreja e os crentes. É a verdadeira primavera da Igreja da qual tanto se vem falando. Primavera, não de slogans, mas, sim, de sangue. Primavera de Deus e do Espírito. Porque o sangue dos mártires foi e continuará sendo semente de crentes. A dor nos aperta e devemos nos despertar de toda vã ilusão: apenas Deus salva e apenas Ele basta. A Igreja dos mártires é a Igreja pobre e para os pobres de verdade, os pobres de Yahweh.

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