A coletiva de imprensa do Papa continua sendo notícia

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02 Junho 2014

O Papa Francisco realizou uma coletiva de imprensa no avião de volta da Terra Santa a Roma. Embora autoridades vaticanas advertiram que o religioso estava cansado, pedindo aos jornalistas para fazerem perguntas curtas, ele ficou em pé e respondeu às questões por 40 minutos depois de uma visita cansativa de três dias a Jordânia, Israel e Palestina.

O comentário é de Thomas Reese, padre jesuíta e jornalista, publicada por National Catholic Reporter, 28-05-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Com os papas anteriores, estas coletivas de imprensa seguiam um script contendo perguntas submetidas por escrito previamente as quais eram seguidas de respostas preparadas pelo pontífice. No retorno do Brasil a Roma, o Papa Francisco estabeleceu um estilo mais aberto, fato repetido também desta vez.

O pontífice deu à imprensa muito sobre o que escrever.

Os jornalistas começaram ouvindo os seus comentários em resposta a uma pergunta sobre o celibato. “A Igreja Católica tem sacerdotes casados: católicos gregos, católicos coptas, aqueles dos ritos orientais”, contou aos profissionais de imprensa. “O celibato não é um dogma de fé. É uma regra de vida que eu aprecio tanto e creio que é um dom para a Igreja. Mas, dado que não se trata de um dogma de fé, a porta está sempre aberta”.
Na verdade, ele não disse nada de novo em relação àquilo que já tinha dito em seu livro “Sobre o céu e a terra”.

No mês passado, após uma reunião com o papa, Dom Erwin Kräutler, do Xingu, disse que o pontífice está aberto à ideia de ordenação para homens casados. “O papa explicou que não há como saber de tudo estando em Roma”, disse o bispo austríaco ao jornal Salzburger Nachrichten em 5 de abril. “Nós, bispos locais, que estamos familiarizados com as necessidades de nossos fiéis, devemos ser corajosos e dar sugestões concretas”.

Papa anteriores teriam reconhecido que o celibato não é um dogma de fé, mas o Papa João Paulo II e o Papa Bento XVI também deixaram claro que qualquer discussão sobre o celibato opcional estaria fora de questão. Francisco não irá fazer a frente para o celibato opcional, mas também não vai tentar qualquer debate nesse sentido. Pelo contrário, assinalou que se os bispos de um país ou região pedirem permissão para ordenar homens casados, ele estaria aberto para isso. Então, se você quer padres casados, converse com seu bispo.

A outra grande história que sai da coletiva de imprensa foi o anúncio de que, em breve, ele irá se encontrar com alguns sobreviventes de abusos sexuais cometido por sacerdotes, algo que a equipe editorial do National Catholic Reporter e outros tinham pedido.

Do ponto de vista das relações públicas, ele teria simplesmente se encontrado com as vítimas e anunciado o ocorrido depois. Anunciar o encontro com antecedência irá levar a inúmeras histórias da mídia sobre a finalidade, a composição e as expectativas do encontro. Porém a abertura natural de Francisco superou as considerações de relações públicas.

O papa também empregou uma linguagem dura sobre a questão dos abusos sexuais. Um “padre deve levar o menino ou a menina à santidade. E o menor confia nele”, disse. Mas “em vez de levá-los à santidade, ele os abusa. Isso é gravíssimo. Em comparação, é como realizar uma missa negra. O padre deve levar o menino ou a menina à santidade, mas em vez disso os leva a um problema que terão por toda a vida”.

O papa também informou que “no momento há três bispos que estão sendo investigados: um já está condenado e está se estudando a pena que é preciso lhe atribuir. Não existem privilégios”.

Não está claro se os bispos sob investigação são os abusadores ou se estão envolvidos no acobertamento dos abusadores. Alguns especularam que o papa estivesse falando de Dom Robert Finn, da cidade de Kansas (Missouri), que foi considerado culpado num tribunal civil por não informar que um padre tinha pornografia infantil em seu computador.

O meu palpite é que o papa esteja falando sobre bispos que foram abusadores. Se o Vaticano estivesse investigando bispos que estiveram envolvidos em acobertamentos, haveria muito mais do que três.

Enquanto que os comentários do papa a respeito do celibato e dos abusos sexuais tiveram o maior impacto na mídia, suas respostas sobre as finanças vaticanas e a reforma prenderam a atenção dos que trabalham em Roma.

Por exemplo, ele reconheceu que o cardeal Tarcisio Bertone, ex-secretário de Estado do Vaticano, está sob investigação por corrupção envolvendo 15 milhões de euros de responsabilidade do Instituto para as Obras de Religião (ou Banco do Vaticano). “É algo que está sendo estudado, não está claro ainda”, disse o papa. “Talvez seja a verdade, porém neste momento não é definitivo”. Há apenas uma semana antes o escritório de imprensa do Vaticano tinha negado que Bertone estava sendo investigado.

Francisco deu a entender que a reforma financeira do Vaticano estava indo a todo o vapor. Mas é “é inevitável que haja escândalos, todos somos humanos e pecadores”, reconheceu. “O central é evitar que não haja mais”. E o processo de reforma precisa ser contínuo: “Os Padres da Igreja diziam que a Igreja dever ser ‘semper reformanda’. Somos pecadores, somos fracos”.

Todavia, medidas preventivas vêm sendo implementadas. Por exemplo, 1.600 contas ilegítimas foram fechadas no Banco do Vaticano, que agora está limitando contas para “bispos, dioceses, funcionários do Vaticano, suas viúvas e embaixadas” acreditadas à Santa Sé, disse.

Quando foi perguntado sobre os obstáculos enfrentados na reforma da Cúria, ele se recusou a passar a bola adiante. “O primeiro obstáculo sou eu!” O Conselho dos Cardeais nomeado por ele “vem consultando muitas pessoas, consultamos toda a Cúria; agora começa-se a se estudarem as coisas, para aligeirar a organização, por exemplo através da incorporação dos dicastérios”.

Francisco afirmou que a reforma financeira tem que vir primeiro. Neste mês de julho, “temos quatro dias de trabalho, e depois, no fim de setembro, outros quatro, mas trabalha-se”. Ele não parece desejar fazer a reforma simplesmente via decreto. “Os obstáculos são aqueles que se encontram em qualquer processo desse tipo”, explicou. “O planejamento da abordagem, o trabalho de persuasão é importantíssimo. Há algumas pessoas que não veem isso de forma clara, mas toda reforma envolve coisas assim. Mas eu estou contente, na verdade”.

O pontífice igualmente respondeu a perguntas sobre o sínodo da família. Queixou-se de que alguns têm se focado somente na questão da admissão à comunhão de católicos divorciados e casados novamente. O sínodo é mais do que isso.

“Hoje, sabemo-lo, a família está em crise, e é uma crise mundial. Os jovens não querem mais casar, ou preferem simplesmente viverem juntos; o casamento está em crise, e portanto a família também. O problema da pastoral da família é muito amplo”.

Ele igualmente informou que irá fazer duas viagens à Ásia: Coreia do Sul no mês de agosto e Sri Lanka e as Filipinas em janeiro. O papa observou a falta de liberdade religiosa em alguns países asiáticos. “Em alguns lugares não se pode andar com um crucifixo, ter uma Bíblia ou ensinar o catecismo às crianças”, disse. “E eu creio que neste tempo há mais mártires que nos primeiros tempos da Igreja”.

A Coreia do Norte foi designada como um “país de preocupação especial” (a pior categoria) pelo Departamento de Estado americano por causa da falta de liberdade religiosa. Quanto ao Sri Lanka, a Comissão dos EUA para a Liberdade Religiosa Internacional – USCIRF (na sigla em inglês), da qual sou membro, informa que “no último ano houve inúmeros ataques contra comunidades de minorias religiosas, incluindo comunidades islâmicas, hindus e cristãs por parte de monges budistas extremistas e por leigos afiliados a grupos nacionalistas tais como o Bodu Bala Sena e o Sinhala Ravaya”.

Ao ser perguntado sobre as recentes eleições europeias, o pontífice admitiu: “Não sei muito sobre esse tipo de coisa”, mas em seguida passou a se queixar do nível elevado de desemprego no continente. “Estamos num sistema econômico mundial onde o dinheiro está no centro, não a pessoa humana”, disse. “Esse sistema, para manter-se, descarta. (...) É um sistema econômico desumano. É como disse na ‘Evangelii Gaudium’, este sistema econômico mata”.

Também perguntaram ao papa algumas questões a respeito de sua visita à Terra Santa. Disse que tentou criar um serviço de oração pela paz no local, “mas que havia muitos problemas logísticos, porque era preciso considerar o território”. Consequentemente, acabou convidando os presidentes de Israel e da Palestina a irem ao Vaticano.

Ele se recuou a tomar partido sobre o papel de Jerusalém como uma capital política para ambos os países. “Devem-se negociar medidas concretas para a paz”, falou. “ Mas não me sinto competente para dizer que se faça isto ou aquilo, seria um excesso da minha parta. Creio que se deve entrar com fraternidade e confiança mútua na via da negociação”.

Ao discutir o seu encontro com o Patriarca Bartolomeu I, observou que eles conversaram sobre criar a unidade “que se faz na estrada, no caminhar juntos”. Esta nunca virá simplesmente através de debates teológicos. “Não se cria a unidade num congresso de teologia”, disse. O patriarca confirmou aquilo que Atenágoras dissera a Paulo VI: “Seguimos em frente, de forma tranquila; colocamos todos os teólogos numa ilha onde eles possam discutir entre si, enquanto nós prosseguiremos juntos”.

Percebeu, porém, que “existem muitas coisas que podemos fazer para ajudar um ao outro”. Não viu motivos para que católicos e ortodoxos não possam partilhar igrejas e concordar sobre uma data comum para a Páscoa, um desacordo que ele considerou “ridículo”.

Os dois líderes falaram “bastante sobre os problemas da ecologia, e sobre a necessidade de se trabalhar conjuntamente nesta questão”, falou.

Por fim, em resposta a uma pergunta relativa à possibilidade de sua renúncia ao papado, falou: “Eu farei o que o Senhor me disser para fazer. Rezar, procurar fazer a vontade de Deus”. Acredita que Bento XVI não é um caso único. Agora, a “porta está aberta, Eu creio que um bispo de Roma, se sente que as forças enfraquecem, deve fazer-se a mesma pergunta que fez o papa Bento”.

Os jornalistas precisam pagar muito dinheiro para ter um acento no avião papal durante estas viagens. Mas, se ele continuar fazendo coletivas de imprensa como esta, terá valido a pena cada centavo.

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