O analfabetismo religioso e seus custos sociais

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09 Mai 2014

O "Relatório sobre o analfabetismo religioso na Itália", organizado por Alberto Melloni, é um poderoso volume (mais de 500 páginas) recém-publicado pela editora Il Mulino.

A reportagem é de Luca Maria Negro, publicada na revista Riforma, publicação das Igrejas Evangélicas batista, metodista e valdense italianas, 09-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O texto foi apresentado ao Senado no dia 2 de maio em uma mesa redonda que contou com a presença, dentre outros, do juiz da Corte Constitucional, Giuliano Amato, e o secretário-geral da Conferência Episcopal Italiana, Dom Nunzio Galantino.

Entre os relatores, na qualidade de autor de algumas seções do relatório, também estava Paolo Naso, professor de ciência política da Universidade La Sapienza de Roma, coordenador da Comissão de Estudos e do programa "Ser Igreja juntos", da Federação das Igrejas Evangélicas da Itália.

Naso contribuiu para o livro com três artigos: o primeiro sobre os custos sociais do analfabetismo religioso, o segundo – que retoma os dados de uma pesquisa realizada pela GFK Eurisko, "Algumas medidas do analfabetismo religioso dos italianos" – e o último sobre "Estradas (e trilhas) da formação das lideranças religiosas".

Eis a entrevista.

A partir do relatório, surge um quadro desolador sobre a ignorância média dos italianos quando se trata de religião. Pode nos dar alguns exemplos?

Quem escreveu a Bíblia? Para 50% dos italianos, foi Jesus e Moisés. Mais de 50% não sabiam quem ditou os 10 mandamentos, e 60% não sabiam citar mais de um deles, geralmente "não roubar"; entre os mais negligenciados, o primeiro, a pedra angular do monoteísmo judaico e cristão. Uma escuridão profunda também sobre os fundamentos do catecismo católico: 80% ignoram quais são as virtudes teologais. Com essas premissas, é quase uma boa notícia que 50% da amostra atribua a Lutero o início da Reforma Protestante.

Mas o fato é que só uma elite consegue colocar em ordem cronológica Noé, Abraão, Moisés e Jesus. Alguns minimizam, afirmando que assistimos a uma decadência geral da cultura básica e que, portanto, o analfabetismo religioso é o detalhe ignorável de um problema mais geral. Parece-me uma justificativa "relativista", e eu a contesto: na Itália, a religião e o ensino da religião católica gozam de grande consideração e de garantias institucionais que, porém, ao menos com base nos resultados obtidos, não parecem produzir resultados coerentes e proporcionais ao investimento, também econômico, que é garantido. Em suma, há o problema de uma lacuna entre intenções e realizações, que deve levar a mais do que algumas reflexões.

O relatório nasce no âmbito de um projeto mais amplo. Qual é o objetivo da pesquisa que o precedeu? Quem são os organizadores?

Os autores do relatório vêm de âmbitos disciplinares muito variados: direito, ciências sociais, história, pedagogia. A pergunta sobre o objetivo não é fácil, porque, quando se começa um projeto de pesquisa, não sabemos onde vamos parar. A todos nós pareceu útil oferecer um retrato do estado das competências religiosas de um país como a Itália. A história e a cultura nacionais estão tão intimamente entrelaçadas às dinâmicas religiosas – da diáspora judaica às perseguições contra os hereges, do confronto entre Reforma e Contrarreforma à "questão católica" no Estado unitário – que uma falta de conhecimento dos fundamentos das religiões torna muito difícil compreender o que éramos e o que nos tornamos.

Não por acaso custamos a compreender a passagem cultural de uma identidade "naturalmente" católica àquilo que poderíamos chamar de "pluralismo secularizado": refiro-me ao fato de que na Itália convivem cada vez mais comunidades de fé, mas no contexto de um processo em que as escolhas de fé são cada vez mais individualizadas, não vinculativas e confusas.

Diante da constatação do analfabetismo religioso, muitas vezes, na Itália, se reage com uma certa indulgência. Mas o senhor busca denunciar os graves custos sociais dessa "santa ignorância". Em que consistem esses custos?

Na Itália multicultural e multirreligiosa, os custos sociais, e gostaria de acrescentar econômicos, do analfabetismo são muito altos: pensemos nos "incidentes culturais", determinados pela ignorância, que determinam preconceito e, portanto, dilaceram a coesão social. Não saber gerir a alimentação halal ou kosher em uma cantina de escola tem um custo social, assim como ignorar o valor cultural e espiritual de um local de culto, ridicularizar roupas ou comportamentos de tipo religioso ou ignorar as diversidades religiosas em matéria de sepultamento.

Pior ainda quando, por razões políticas, o preconceito se entrelaça à ignorância e se acaba alimentando campanhas de intolerância em relação a esta ou aquela comunidade religiosa. Uma sociedade dilacerada funciona mal, e essa disfunção tem um custo, também econômico. Além disso, é difícil valorizar o excepcional patrimônio artístico italiano se perdemos as chaves interpretativas que nos permitem entendê-lo e apreciá-lo.

O relatório não se limita a denunciar a situação, mas também oferece uma série de instrumentos para "tratar" o analfabetismo religioso. De que instrumentos se trata?

O analfabetismo religioso dos italianos têm raízes antigas, provavelmente relacionadas com o predomínio de uma espiritualidade devocional e convencional, em vez de uma fé consciente amadurecida no confronto com a Bíblia. Para superar esse déficit que vem de longe, então, não há atalhos fáceis: há um problema que diz respeito à escola, obviamente, e seria interessante se falássemos disso com serenidade, mas também com severidade, dados os resultados que temos à nossa frente.

Mas também há um problema das universidades, assim como há uma enorme questão que diz respeito à informação religiosa, vítima de um complexo vaticanocêntrico que esconde ignorâncias abissais sobre o mundo cristão, assim como sobre as outras tradições. Mas há uma responsabilidade das próprias comunidades religiosas, que hoje se esforçam para comunicar – até mesmo dentro delas – os conteúdos essenciais da sua identidade. Elas também, talvez, perdidas entre as névoas desse anômalo pluralismo secularizante.

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