Em seu segundo ano, Papa defronta-se com expectativas de que mudanças virão

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17 Março 2014

O Papa Francisco marcou o primeiro aniversário de seu papado na quinta-feira (13-03-2014), período que o deixou tão célebre em todo o mundo que recentemente se sentiu obrigado a deflacionar-se da aura de “super-homem”. É um astro das capas de revista e das mídias sociais, louvado por sua personalidade acolhedora e não julgadora e por seu abraço aos pobres, bem como por sua determinação em reformar a burocracia ossificada do Vaticano.

A reportagem é de Jim Yardleymarch, publicada pelo jornal New York Times, 12-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

No entanto, este segundo ano provavelmente se mostrará mais desafiador, em parte por causa do próprio sucesso do pontífice. Ele levantou expectativas de que poderá trazer mudanças importantes à Igreja Católica de Roma – mesmo se as opiniões divergirem sobre quais mudanças são necessárias e quais Francisco realmente apoia.

Ele se tornou uma das figuras mais reconhecidas e queridas no mundo, embora seus comentários públicos sejam, muitas vezes, deliberadamente ambíguos, já que ele se cuida para não ficar preso em questões carregadas do ponto de vista ideológico.

“O que ele realmente está tentando fazer é mudar a cultura da Igreja”, falou o Pe. Thomas J. Reese, analista do National Catholic Reporter. “Para reformar uma instituição como a Igreja Católica, não se pode apenas trocar algumas peças em torno de um organograma”.

A agenda da Igreja para 2014 está enquadrada sobre o tema da família, que inclui questões sociais as quais vêm desviando muitos seguidores nos EUA e Europa: o tratamento para com os católicos divorciados e casados novamente; as posições da Igreja a respeito da homossexualidade e casamentos homoafetivos; o aborto e métodos contraceptivos, entre outros.

Trata-se de uma lista altamente politizada, e Francisco tem incentivado o debate e a discussão antes de buscar atenuá-los, ao mesmo tempo em que a Igreja se prepara para dois grandes encontros, ou sínodos, sendo o primeiro em outubro deste ano.

Entretanto, numa igreja global de 1.2 bilhões de seguidores, Francisco enfrenta um grande desafio ao tentar reconciliar as divisões e construir um consenso para cada mudança que poderá vir.

No mês de fevereiro, a Univision – a emissora de TV de língua espanhola dos EUA – divulgou uma pesquisa envolvendo 12.038 católicos de 12 países que revelou nítidas diferenças geográficas. Quando perguntaram se um católico divorciado e recasado fora da Igreja estaria vivendo em pecado, uma maioria de 75% dos católicos pesquisados na África respondeu “sim”. Por outro lado, 75% dos católicos pesquisados na Europa disseram “não”.

A mais nítida das divisões que também tocam em um outro aspecto premente: a frequência à igreja vem caindo há anos na Europa e nos Estados Unidos, enquanto que vem aumentando na África e na Ásia, onde a pesquisa da Univision igualmente mostrou atitudes mais conservadoras em alguns temas.

Mesmo assim, a questão de se os católicos divorciados e recasados deveriam continuar sendo barrados de participar da comunhão apareceu como um ponto onde muitos analistas acreditam que Francisco possa tentar realizar alguma mudança.

Muitos observadores do Vaticano fizeram notar a escolha do papa pelo cardeal Walter Kasper, conhecido por suas opiniões mais liberais, para ser o principal palestrante do encontro, no mês passado, dos cardeais no Vaticano. Kasper falou por mais de uma hora sobre o tema da família, e sinalizou a questão de se abordar as necessidades dos católicos divorciados e casados novamente.

Numa entrevista, Kasper disse que Francisco veio pedir a ele, em dezembro, para discursar durante o encontro dos cardeais. Disse ter falado ao papa, posteriormente numa reunião, que queria centrar sua fala sobre o fortalecimento e o incentivo do casamento, mas também levantar a questão dos católicos divorciados e a comunhão; falou também que estava preocupado com o fato de que defender mudanças poderia ofender alguns dos presentes.

Segundo ele, Francisco lhe sugeriu apresentar a questão na forma de pergunta, e não como tese.
“Então eu coloquei a questão de forma a dar uma direção e solução”, falou o Kasper. “No final das contas, tive a impressão de que ele gostou”.

Kasper defende a colocação da misericórdia no centro da relação entre a Igreja e os fiéis, abordagens adotada por Francisco, que vem descrevendo seu papado como um “tempo de misericórdia”.

Kasper disse que o papa não mudaria a doutrina católica, mas que traria importantes mudanças na cultura da Igreja, na percepção do público e na ênfase sobre a tolerância e respeito. Acrescentou que forçar mudanças em questões sociais irá precisar de tempo e táticas, mesmo para um papa.

“O papa tem o ministério de unir”, declarou Kasper, cujo último livro – intitulado “Mercy: The Essence of the Gospel and the Key to Christian Life” [Misericórdia: A essência do Evangelho e a chave para a vida cristã] – será publicado nos EUA em maio.

“Ele não pode tomar um caminho de confronto”, falou. “Ele precisa convencer uma maioria. Espero que seja uma maioria crescente”.

Francisco é o primeiro papa não europeu em séculos e sua eleição sozinha sinalizou mudanças grandes numa Igreja há muito dominada por europeus, principalmente italianos. Uma maioria de seu primeiro grupo de cardeais nomeados veio de países mais pobres e não da Europa ou EUA.

E num sinal da importância crescente da Ásia, Francisco visitará a Coreia do Sul em agosto, depois de uma viagem à Terra Santa em maio. Ele também falou sobre visitar a África.

Este é o grande ambiente do qual Francisco é um símbolo e o qual espera expandir, até porque muitos estão esperando, fervorosamente, que ele possa, de alguma forma, criar um consenso para a mudança nas questões sociais.

Como o primeiro papa jesuíta, Francisco segue a tradição de ampla consulta antes de tomar decisões, estimulando uma discussão aberta sobre questões controversas.

Muitos católicos já fizeram uso do questionário distribuído pelo Vaticano antes do Sínodo para manifestar suas diferenças com algumas das políticas da Igreja. As primeiras respostas vindas da Europa, do Japão e de algumas partes dos EUA mostram um desencanto com o tratamento dado aos católicos divorciados, com a proibição do uso dos métodos contraceptivos, por exemplo. Em última análise, porém, o próprio Francisco será aquele que vai agir.

“Ele consulta e ouve a todas as pessoas sobre todos os problemas”, disse numa entrevista em dezembro Guzmán Carriquiry Lecour, que conhece o papa há décadas e que é o secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina. “Ele quer estabelecer uma ampla consulta aqui em Roma e em todos os lugares. Mas irá decidir por si mesmo”.

Até agora, a grande popularidade do papa tem, em grande escala, imunizado-o de críticas da esquerda e da direita, mas as críticas podem reunir mais forças na medida em que o papa se voltar mais para as questões sociais. Muitos conservadores nos Estados Unidos estão decepcionados com a forma como Francisco vem enfatizando a discussão sobre o aborto.

Algumas mulheres que pressionam por um papel maior nos assuntos da Igreja – incluindo a possibilidade de mulheres ordenadas – se desapontaram, enquanto alguns defensores das vítimas dos abusos sexuais por parte do claro ficaram furiosos com a recente defesa do papa quanto à forma como a Igreja lidou com a crise daí advinda.

O Pe. Reese disse que Francisco provavelmente construiu uma reputação tal que a maioria dos católicos continuarão lhe conferindo o benefício da dúvida. Falou que é errado analisar o papa como se ele fosse um político que perseguisse uma agenda ideológica, uma vez que seus objetivos principais são mais amplos: proporcionar atenção e cuidado para com os pobres e criar uma cultura na Igreja de aceitação e perdão.
“Todos nós na Igreja iremos perceber que não iremos conseguir, de imediato, tudo aquilo que queremos”, disse Reese. “E provavelmente jamais conseguiremos ter tudo o que queremos”.

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