20 Junho 2013
Uma das maiores lideranças nacionais do PSOL, o deputado estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, acredita que os atos que enchem as ruas por todo o Brasil são inéditos no país. Ligado à juventude, o historiador de formação e militante de direitos humanos, vê as manifestações como a explosão de insatisfação de jovens sem canal de participação no sistema político nacional. A grande figura de oposição ao governador Cabral (PMDB) e ao prefeito da capital, Eduardo Paes (PMDB), diz que os atos têm fôlego para extrapolar a demanda pela redução das tarifas e também podem incluir os partidos e suas bandeiras.
A entrevista é de Guilherme Serodio e publicada pelo jornal Valor, 20-06-2013.
Eis a entrevista.
Como ficam as manifestações depois da redução da tarifa?
É uma vitória parcial porque se esse dinheiro sair da saúde ou educação, a população vai continuar pagando por isso. Tem que manter os atos, o que tudo indica que vai acontecer, para exigir que essa redução seja realmente a redução do pagamento do contribuinte, o que só vamos saber quando as planilhas das empresas forem abertas. Os prefeitos fazem isso para esvaziar o movimento, não sei se vão conseguir.
Como o senhor analisa as manifestações?
Este é um movimento com uma natureza diferente de tudo que a gente está acostumado na história do Brasil. Tem uma pauta muito ampla, porque, na verdade, há um conjunto de dívidas muito amplo a serem pagas pelo poder público. O que explode é o transporte, mas por que boa parte dos setores da juventude, principalmente aqueles vinculados aos formadores de opinião, não vieram para a rua antes pela saúde ou pela a educação, coisa que estão na pauta hoje? Porque uma boa parte deles tem plano de saúde e estuda em escola privada. Os formadores de opinião resolveram essas duas questões particularmente e isso nunca os mobilizou. Mas o transporte atinge a todos. E há um acúmulo de problemas no transporte. As prefeituras sempre fizeram aumento de passagens nas férias, em janeiro. Este ano, por pedido do ministro [Guido] Mantega para segurar a inflação, retardaram e botaram para 15 dias antes da Copa [das Confederações], mas não teve jeito. Este é um estopim, mas um estopim de um acúmulo muito grande de coisas. É preciso entender essas manifestações que surgem.
Por que ainda é difícil identificar lideranças?
O movimento ainda é muito maior do que a sua organização. Mas isso acontece também porque essa é a primeira vez em que você tem um movimento dessa magnitude nos tempos de internet, de facebook. Acho que estão buscando essa organização. Se isso vai ser legitimado pela massa nos atos, ainda vamos ver. Mas a intenção dessa juventude de querer criar uma pauta é muito boa, pois dá direcionamento e cria objetivos. No Rio, o movimento começa a ter voz. Mas não há uma pauta única, não tem um sindicato ou um partido ou um setor puxando o ato. Isso é algo que explode coletivamente. A insatisfação é geral, não é a bandeira de um determinado setor. E tudo isso acontece em um tempo em que há uma linguagem de internet muito mais ágil. O conjunto dessas coisas traz uma massa às ruas. Há falas que não são de reivindicação, mas que unificam. São falas que caracterizam um outro tempo de bandeiras também. Isso, de alguma maneira, faz a gente entender a rejeição aos partidos, e é preocupante.
As bandeiras extrapolam os partidos?
É um outro tempo de linguagens e a gente vai demorar para entender o que está acontecendo. Eu não estou com medo, acho bom. Hoje esses movimentos não cabem dentro de um partido, mas também não devem negar os partidos porque as bandeiras nessas lutas são bandeiras de vários parlamentares e vários partidos há muito tempo. A ideia de proibir partidos é muito perigosa. A consolidação de um processo democrático pode e deve conter partidos e suas diferenças. Nenhum partido deve tentar comandar o ato, seria um oportunismo muito grande. Mas, qual o problema de o PSOL estar nisso defendendo o que sempre defendeu? Não tem porque não estar. Existe uma história de luta dos partidos e o processo democrático conta com partidos. A primeira coisa que a ditadura faz sempre é acabar com os partidos e fechar o parlamento. Não é esse o projeto que a gente tem de fortalecimento da democracia. Acho que os partido podem e devem dialogar com o conjunto da sociedade.
Por que a Alerj foi alvo de manifestantes? Há uma crise de representatividade?
A Alerj é o centro político do Rio e não há o que reclamar disso. Mas não é destruindo o prédio que se muda o deputado que está lá. Por mais que eu entenda a revolta, não posso concordar com a destruição do prédio, o que foi feito por um grupo muito pequeno. A Alerj representa hoje uma política com a qual a sociedade não se identifica, por mais que tenha eleito essas pessoas. A Alerj representa hoje uma política muito assistencialista. Dos 70 deputados, talvez de sete a dez sejam deputados de opinião, eleitos pelo que pensam, mesmo da direita. Os outros são donos de centros de sociais ou eleitos em seus municípios por algum trabalho específico. Qualquer cidadão tem dificuldade de dizer o nome de sete deputados estaduais.
E a polícia, por que é alvo?
Temos a tradição de uma polícia muito violenta, que sempre serviu aos interesses de uma elite política violenta e corrupta. Mas como essa violência policial sempre recaiu sobre os setores pobres, isso nunca foi visto como problema. Pra muitos, inclusive, é solução. O problema é que essa mesma polícia violenta na favela, na hora de reprimir o movimento, age como foi treinada. É uma polícia que se paga mal, treinada para a guerra e para eliminar seus inimigos.
O movimento tem fôlego?
Acho que sim. Uma boa parte das cidades já reduziu o valor da passagem. Isso é um ganho. Mas o governo ajuda [a reforçar o movimento] quando o batalhão de choque vai pra cima dos garotos. Na passeata dos cem mil, no Rio, o batalhão de choque deu enorme contribuição para o número de pessoas depois da repressão no Maracanã, no domingo. Mas é muito difícil prever o final.
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