09 Abril 2013
Além das pobrezas velhas e novas, a civilização da globalização e do capitalismo financeiro faz precipitar no abismo das desigualdades, da pobreza às prisões, uma grande parte da população.
A opinião é do jurista e advogado italiano Guido Rossi, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 07-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A confusão, a recriminação e a raiva distinguem, neste momento muito difícil, embora de modos e com qualidades e características diferentes, os sujeitos políticos italianos aos quais está confiado o destino do país. Eu falei de sujeitos políticos, não reduzindo-os a uma fácil mas grosseira indicação dos partidos apenas, agora geralmente indiferentes aos problemas dos cidadãos, mas para me referir também a todas as autoridades públicas nas quais o Estado está organizado nos seus três diferentes poderes democráticos fundamentais,além dos méritos e deméritos dos indivíduos.
Essas autoridades, na falta de um governo eleito pelo povo, vão expressando somente a sua vontade de poder. E fazem isso no nível mais alto, talvez também porque, por várias conflitualidades impunes, internas ou externas, podem exercer a violência da lei (a Gewalt que, segundo Derrida, é ao mesmo tempo violência e poder legítimo, a autoridade justificada) através de normativas imprecisas e incoerentes, que somente uma Justiça equitativa e correta justificaria.
Enquanto isso, o país se degrada em perigosas desigualdades, no desemprego, na ignorância, na pobreza, na miséria e no desespero, como os casos das notícias demonstram. Nenhum dos poderes deputados ou delegados se ocupa disso, já que todos parecem insensíveis aos direitos humanos: tema desconhecido para as agendas políticas. Um índice preocupantes dessas dinâmicas acaba de ser pontualmente destacado na pesquisa, válida muito além dos seus limites territoriais, pelo recente livro organizado por Matilde Callari Galli, Vedere la povertà (Ed. Unicopli, 2013).
Infelizmente, esta nossa nação [Itália], despedaçada pela barbárie do desprezo do bem comum e sistematizada pela busca esnobe do próprio "particular", está no quarto último lugar das nações europeias em termos de padrão de vida, depois da Letônia, Bulgária e Romênia, além de ter sido, como eu já destaquei outra vez, desde o dia 8 de janeiro, condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação do artigo 3 da Convenção, que proíbe a tortura e o tratamento desumano e degradante, por causa da superlotação das prisões.
Ainda temos cerca de oito meses para resolver, mas como o tempo passa, e todos se ocupam de outra coisa.
Em suma, além das pobrezas velhas e novas, a civilização da globalização e do capitalismo financeiro faz precipitar no abismo das desigualdades, da pobreza às prisões, uma grande parte da população.
Uma pesquisa muito rigorosa também está sob a atenção atual do centro do Império da globalização, isto é,os Estados Unidos da América, onde estudos e aprofundamentos sobre o tema são colocados nas mais prestigiosas publicações. De fato, um renomado estudioso da Chicago University, Bernard Harcourt, comparou recentemente dois dados estatísticos em diversos países ocidentais: os percentuais de encarceramento e o número dos leitos nos hospitais psiquiátricos nos vários países.
O resultado chocante é que não só os Estados Unidos prendem a uma taxa excepcionalmente mais alta do que todos os outros países ocidentais economicamente avançados, mas também têm um número incrivelmente menor de internações hospitalares para doentes mentais. A conclusão é de que as prisões norte-americanas detêm uma quantidade de pessoas que, em outros países democráticos economicamente avançados, seriam hospitalizadas. As estatísticas de 2008 demonstram que 1% da população adulta estava detida nas prisões norte-americanas, e que um em cada 30 jovens, entre os 20 e os 34 anos, havia sido preso em 2008 e que, depois, para a mesma faixa etária, no caso cidadãos afro-americanos, o número era de um em cada nove.
A ideia do Prof. Harcourt (The illusion of Free Markets: punishment and the mith of natural order, Ed. Cambridge, 2011) é que existe uma estreita relação entre as políticas de livre mercado e o alto percentual de presos. Não parece coincidência que as políticas de governo fracas e "duras com o crime" (tough on crime) sempre foram feitas em conjunto, começando com a política de Ronald Reagan à política já apoiada por David Cameron. As revoluções ou pseudorrevoluções na política econômica e a revolução na política criminal caminharam de mãos dadas.
A recente resenha no Harvard Law Review deste e de outros livros semelhantes destaca que as políticas neoliberais trouxeram décadas de ataque ao Estado de bem-estar social com o resultado de deixar ao sistema de justiça criminal a função de desempenhar um papel cada vez mais importante no controle das classes norte-americanas menos ricas (underclass).
Não se trata aqui de reviver, por parte das certamente insuspeitas Escolas de Direito de Chicago e de Harvard, exemplos clássicos da economia marxista, considerando a população nas prisões das sociedades industriais como uma espécie de baixa mão de obra pertencente ao "exército de reserva industrial" dos desempregados.
A citação de Quesnay de que o baixo preço dos bens não beneficia o povo humilde, mas ao invés reduz os salários dos trabalhadores e destrói, além dos postos de emprego, também o bem-estar nacional, faz concluir, contudo, que falar só dos mercados certamente pode ser empolgante, mas também desviante.
A verdade é que, quando o Estado é ausente, como no nosso país, e a justiça, tanto penal quanto civil, como criticou a comissária Reding à Itália, é por excesso e por defeito inadequada no seu papel, o verdadeiro problema não é o populista ou cesarista da rejeição da política, mas sim o da recusa da ideologia subjacente que colocou a governança econômica acima e fora da defesa dos direitos.
Parece então ainda terrivelmente atual o paralelo de Friedrich Nietzsche na Genealogia da moral, em que o conceito de culpa teve origem daquele conceito muito material de dívida, e a comunidade também está junto aos seus membros na relação fundamental do credor e os seus devedores, de modo que o devedor, que hoje é quem está fora do mercado por qualquer razão devido às crescentes desigualdades, deve ser restituído pela comunidade ao estado selvagem, até através da detenção.
E assim é que, enquanto em várias partes as tentativas de reduzir os bônus das elites do capitalismo financeiro não encontram nenhum efeito concreto e os paraísos fiscais aumentam os seus depósitos de riquezas ilícitas, aqueles aos quais são removidos os seus direitos por razões de políticas econômicas do deus mercado são considerados párias e igualmente indignos de uma chamada sociedade civil, cada vez mais perigosamente isolada e incapaz de se libertar de bárbaras e perigosas ideologias.
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A moral entre dívida e o conceito de culpa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU