03 Março 2013
"Pode ser um ato de governo, um desafio positivo a renúncia de Bento XVI". Essa convicção é de Gianfranco Brunelli, diretor da revista católica Il Regno, do Centro Editorial Dehoniano. "Especialmente porque, com um ato de humildade, reconhecendo a própria fraqueza, ele transforma a sua escolha em um ato de força, porque redefine desse modo a função do papado".
A reportagem é de Roberto Monteforte, publicada no jornal L'Unità, 02-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Em que sentido?
Ele encerra os excessos dos últimos dois séculos, que cresceram em torno da figura do papa e da sacralização da sua figura. O pontificado volta a ser um ministério pleno e não o ápice de uma carreira ou a sacralização de uma biografia. É um serviço, um serviço episcopal prestado como bispo de Roma, pela unidade da Igreja, portanto, pelo mundo inteiro. Ele indica, assim, que uma renovação é necessária. E, depois, a sua decisão implica a reinicialização inteira da Cúria Romana. Assim, ele entrega ao seu sucessor a possibilidade de prosseguir uma grande renovação, libertando-o de vínculos e condicionamentos nos quais ele se encontrou e que não foram resolvidos.
Uma dificuldade de governo que põe em causa a Secretaria de Estado e a reforma fracassada da Cúria Romana...
Ratzinger foi um homem da Palavra, que imaginou uma reforma espiritual da Igreja, mas ele também compreendeu que é preciso uma redefinição do instrumento de governo. Ele deixa àquele que vier essa reforma necessária para que a Igreja possa ser governada no mundo de hoje. Mas, com a sua renúncia, ele acrescenta ao ministério petrino o horizonte da temporalidade. Será possível ser pontífice temporário. É uma possibilidade oferecida aos seus sucessores.
Basta apenas a conversão do indivíduo? A Igreja também não deveria mudar, para falar ao homem contemporâneo?
Essa é a discussão a enfrentar hoje. Na memória do 50º aniversário do Concílio Vaticano II, no Ano da Fé, por ele desejado, esse é um tema em aberto que deve ser abordado. É preciso responder à forma como a Igreja pode anunciar o Evangelho no seu próprio tempo histórico. Na renúncia do papa, há o apelo a que o "novo pastor", com mais forças e com o mesmo entendimento, possa prosseguir em uma nova compreensão do Evangelho neste tempo.
Com qual agenda o seu sucessor terá que lidar agora?
No novo número da Il Regno, indicamos algumas prioridades. Por exemplo, a da retomada de um estilo cristão, ligado também à sobriedade e à pobreza. Um estilo, portanto, que torne novamente audível a palavra de Deus em um tempo em que o drama humano da pobreza, da injustiça e da dor não deixa de existir. É uma questão ligada à forma cristológica: isto é, a como a Igreja deve se assemelhar cada vez mais à figura de Cristo. Depois, há o nó de um diálogo entre as religiões para a humanidade que deve ser retomado e que é central, em particular com o Islã, para a construção da paz e para não instrumentalizar a relação com Deus.
Não há também o nó do governo da Igreja?
Na renúncia do pontífice, está implícito o tema da revitalização das Igrejas locais. Não basta uma concentração midiática e verticalista sobre o papa apenas. As Igrejas locais devem sair da sombra em que caíram nos últimos 30 anos. Devem ser abordadas as questões da sinodalidade e da colegialidade na forma exigida pelo Vaticano II. As conferências episcopais regionais e nacionais devem ter a possibilidade de se expressar e de ser ouvidas.
Há também o peso condicionante da Cúria Romana...
O governo da Igreja não deve ser centralizado apenas na Cúria Romana. O novo pontífice deve ter instrumentos para consulta periódica e formalizados com as conferências episcopais e com as Igrejas locais, com a possibilidade de ter um conhecimento imediato e direto dos problemas, superando esquemas de governo eficazes em outros tempos históricos, mas que hoje dificilmente são controláveis. O Colégio Cardinalício apenas não é suficiente.
A palavra agora está com o Colégio Cardinalício, que terá que escolher o sucessor de Bento XVI. Com que critérios ele poderia proceder?
Se assumirmos a lição corajosa e de liberdade da escolha de renúncia de Bento XVI, então os cardeais têm a tarefa de desenvolver uma análise verdadeira da situação da Igreja. Devem ter a coragem de olhar para as suas prioridades. Deve ser abordada a relação entre crise da Igreja e crise da fé. É preciso olhar com olhos menos eurocêntricos para a dimensão do catolicismo atual e para os grandes desafios georreligiosos. Pensemos no mundo asiático e no confronto com a China, na relação com o Islã e a necessidade de que em muitas áreas do planeta seja reafirmada a liberdade religiosa para os cristãos que vivem situações de novo martírio. Nos contextos norte-americanos e latino-americanos, há o nó de uma Igreja que saiba lidar com os processos de "sectarização" cada vez mais extensos. Depois, há o grande confronto com a modernidade no Ocidente, começando pela Europa. É o confronto com a subjetividade, com a liberdade individual e com as suas determinações. Está em ação uma mudança de ethos coletivo, com relação ao qual a fé deve ser novamente conjugada. Todos esses problemas requerem um guia de grande profundidade espiritual e teológico, uma figura que tenha uma sabedoria pastoral, e não apenas intelectual.
Quem teria esse perfil?
Olhe-se por toda a parte. A minha esperança é de que o Colégio Cardinalício considere a possibilidade de eleger como papa um bispo, mesmo que não seja cardeal. O direito canônico permite isso. Considerem-se as experiências de renovação profundas e de viva pastoralidade presentes nas Igrejas locais. Para o Colégio Cardinalício, antes, e para o conclave, depois, não seria a declaração de uma insuficiência, mas sim um ato de liberdade, de força e de coragem. Seria a declaração de que a Igreja Católica tem figuras de pastores que ainda hoje são figuras proféticas.
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Renúncia, ato de governo que muda a Igreja. Entrevista com Gianfranco Brunelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU