22 Outubro 2012
As comunidades eclesiais nunca podem se resolver em uma espécie de "Google conectivo", ou em uma Wikipédia de colaboradores livres, e nem mesmo em um grupo benéfico de intercâmbio social. A Igreja não é um simples hub de conexões.
A opinião é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, em nota publicada no blog Cyberteologia, 15-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Eis o texto.
No dia 1º de agosto, o jornal Il Manifesto publicou uma resenha sobre o meu livro Ciberteologia, assinada por Claudio Canal. Trata-se de uma reflexão que valoriza a contribuição que, com o meu livro, eu pretendi dar ao estudo da inteligência da fé no tempo da rede. Por isso sou grato ao autor.
O início da resenha, na verdade, é bastante estranho e improvável com as suas perguntas de "ficção-teologia", mas se compreende bem que servem para "captar" o leitor: é um artigo de jornal.
Perto da metade, Canal se detém em um ponto que, portanto, considera central. E o faz de maneira substancialmente polêmica com relação a mim, afirmando que a rede "não somente representa a realidade, mas é capaz de produzi-la". E daí ele deduz que, "por isso, é inaceitável para o autor [isto é, o abaixo assinado] toda forma de Igreja Opensource em que os fiéis participem na sua construção e na sua 'manutenção' em vida em uma espécie de Wikicclesia permanente".
O que dizer? Canal compreende bem que aqui o que está em jogo é algo grande. Isto é, ele compreende que o tema da autoridade é um tema quente. Dessa intuição, porém, ele parece dar um salto acrobático desastrado e desajeitado de pensamento, atribuindo-me até a inaceitabilidade do fato de que os fiéis participem da edificação da Igreja. O que, a meu ver, é simplesmente um absurdo! Não é o meu pensamento, obviamente.
Mas o problema é facilmente resolvido. Canal acredita que eu digo que a lógica do peer-to-peer (ou seja, nó a nó), é errada, enquanto eu digo simplesmente que, quando se fala da Igreja, é insuficiente. Entre erro e insuficiência, há uma grande diferença e nada sutil. De fato, eu escrevo no meu livro: "Isso não significa que a lógica peer-to-peer seja equivocada em si mesma, mas é preciso dizer que a lógica teológica não é redutível a ela: é 'outra' e bem 'mais' do que ela" .
Canal, ao invés, se deixa levar e me acusa de um "romanocentrismo [que] joga no lixo, com um simples delete teológico, todas as coletividades cristãs, e não só, que lidam com novas formas de conectividade, comunhão, cooperação através da rede e daí no mundo, e que, na centralidade católica, não se reconhecem".
Deixando de lado qualquer comentário sobre essas deduções acrobáticas, chegamos ao ponto. O modelo de rede "paritário", chamado peer-to-peer (ou P2P), não possui nós hierarquizados como os clientes e os servidores fixos, mas sim um número de nós equivalentes abertos a outros nós da rede que, enquanto recebem, transmitem, e vice-versa. Em suma: não existe uma verdadeira "transcendência". E prevalece o modelo sociológico da troca ou da permuta. Sobre isso, não há nada de mal. Ao contrário: muitas relações eclesiais se baseiam justamente em uma troca comum, normal e generosa.
Por outro lado, se o "coração humano anseia por um mundo onde reine o amor, onde os dons sejam compartilhados" – como escreveu Bento XVI na sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2009 –, então a rede pode ser realmente um ambiente privilegiado em que essa exigência profundamente humana pode ganhar forma.
O cristianismo, sob qualquer de suas formas, no entanto, prevê a abertura a uma Graça não dedutível e inexaurível à troca horizontal.
Toda comunidade eclesial não é simplesmente um círculo de amigos ou um clube. E o que ela transmite ela o recebe de longe. No catolicismo, em particular, ela se encarna em mediações sacramentais, históricas e de "tradição". Além disso, a Graça (para os católicos e com maior razão para os protestantes) não se "troca" nem se "toma", mas se "recebe" e sempre entra em uma relação face-to-face (e não peer-to-peer), fora da qual ela não é compreendida.
Ao mesmo tempo, a Graça se comunica através de mediações encarnadas e se difunde capilarmente em uma lógica compatível com a peer-to-peer, mas não se reduz a ela, que pode ser muito bem anônima e impessoal.
Em suma, a Igreja se constrói não conectando anonimamente "nós", mas sim criando relações entre pessoas: face-to-face e não peer-to-peer.
A lógica da Graça cria "laços" face-to-face como é típico da lógica do dom, o que, ao invés, é estranho por si só a lógica do peer-to-peer, que em si mesma é uma lógica de conexão e de troca, não de comunhão. E um "rosto" nunca é redutível a um simples "nó". E a comunhão nunca é redutível a uma simples conexão, mesmo que fosse generosa. Assim como a amizade não é redutível a um simples "conhecimento". É esse o ponto que Claudio Canal perde de vista.
No entanto, sou grato pelo fato de que ele levou a sério o que ele achou que fosse uma provocação. A meu ver, a reflexão, porém, deve prosseguir, e todas as Igrejas e as comunidades eclesiais devem nela se envolver, em um momento em que a rede tem um impacto forte na construção (e também no imaginário) das comunidades humanas.
Também é correto o fato de que diferentes eclesiologias respondam de maneira diferente aos desafios da Rede. Mas, a meu ver, uma coisa deve sempre ficar clara: as comunidades eclesiais nunca podem se resolver em uma espécie de "Google conectivo", ou em uma Wikipédia de colaboradores livres, e nem mesmo em um grupo benéfico de intercâmbio social. A Igreja não é um simples hub de conexões.
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A Igreja não é um hub. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU