Brasil combate desigualdade da forma errada, dizem analistas

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Por: Cesar Sanson | 29 Setembro 2012

O Ipea anunciou queda recorde da desigualdade no Brasil, que alcançou menor índice já registrado. Analistas consideram avanço tímido e criticam falta de investimento do Estado no setor de infraestrutura social.

A reportagem é de Marcio Damasceno e publicado pelo sítio Deutsche Welle, 28-09-2012.

Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao governo federal, apontam a diminuição acentuada na desigualdade social brasileira. Apesar disso, o Brasil continua entre as 15 economias mais desiguais do planeta. Analistas reconhecem avanços, fruto dos esforços governamentais de distribuição de renda nos últimos anos, mas questionam a sustentabilidade dessas políticas e acusam falhas que dificultam a promoção da justiça social, como investimentos públicos insuficientes em educação e saúde.

"Transferir renda para quem não tem traz resultados tanto políticos, como sociais e econômicos", observa Sérgio Costa, professor titular de sociologia da Universidade Livre de Berlim e codiretor do projeto DesiguALdades.net, uma rede de pesquisas sobre desigualdades na América Latina. "Mas os esforços do governo não tocam em alguns elementos estruturais da desigualdade no Brasil. As medidas que vêm sendo adotadas têm impacto de curto prazo, mas em longo prazo não permitem uma ascensão das classes mais baixas", criticou o sociólogo em entrevista à DW Brasil.

Um documento do Ipea divulgado esta semana aponta que, no ano passado, o Brasil alcançou o menor nível de desigualdade desde o início das estatísticas de distribuição de renda no país, com um salto recorde de crescimento da renda da população mais pobre na última década.

Entre 2001 e 2011, os 10% mais pobres do país tiveram um crescimento de renda acumulado de 91,2%, enquanto a parte mais rica da população conseguiu, no mesmo período, um aumento de 16,6% da renda acumulada. A variação do aumento de ganhos reais foi, portanto, 5,5 vezes (550%) mais rápida para os 10% menos favorecidos. Segundo o Ipea, o índice de Gini (indicador que mede a desigualdade) foi 0,527 em 2011, o menor desde 1960 (quando era de 0,535). Quanto mais próximo de zero o índice estiver, menor é a desigualdade.

Políticas sociais e renda do trabalho

"O Brasil está hoje no menor nível de desigualdade da história documentada", afirmou na terça-feira (25/09) o economista e Marcelo Neri, presidente do Ipea, durante apresentação, do Comunicado do Ipea nº 155 – A década inclusiva (2001-2011): Desigualdade, pobreza e políticas de renda. O estudo foi realizado com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, do IBGE, complementado por novos dados colhidos até agosto deste ano.

O estudo indica que cerca de 35% da diminuição da desigualdade se devem aos repasses feitos pelo governo através de programas sociais, como o Bolsa Família ou por aposentadorias, pensões e benefícios de prestação continuada. Para Marcelo Neri, as transferências são necessárias. "Não dá para o Brasil crescer deixando 70% do país para trás". Ele pondera que, apesar da dependência das políticas sociais, 58% da queda da desigualdade são causadas pela renda do trabalho, em especial do emprego formal (que dobrou desde 2004), permitindo, segundo ele, sustentabilidade para a queda da desigualdade.

Sustentabilidade questionada

Analistas questionam essa sustentabilidade, afirmando que o Estado prioriza a transferência de renda, se esquecendo de investir em estruturas básicas, que permitam o acesso da população mais pobre a serviços essenciais. "Não há investimento em outros tipos de medidas onde a ação do Estado é fundamental, como a promoção da educação pública de qualidade, do transporte público de qualidade", lamenta Sérgio Costa.

Ele argumenta que, ao frequentar escolas públicas ruins, os mais pobres são "condenados a permanecer na mesma condição de classe" e toma um exemplo na política alemã. "Na Alemanha, a ascensão se dá através de serviços para a população, que criam uma igualdade dentro da sociedade", afirma. "Por isso, que no país ocorrem frequentes ondas de ascensão social. Por haver escolas gratuitas de qualidade. Nos anos 1960, por exemplo, muitos filhos de operários se tornaram médicos, engenheiros", lembrou, acrescentando que no Brasil isso é mais difícil de acontecer.

Não só renda, mas oportunidades

A economista Lena Lavinas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lembra que as sociedades modernas promovem a igualdade através de uma infraestrutura social de qualidade, aspecto que tem sido deixado de lado na atual política federal. "O gasto social no Brasil é feito para transferir renda para as famílias e não para promover serviços", sublinha. "O governo brasileiro é muito preocupado em transferir renda, o que é importante, mas insuficiente. Os mais pobres não precisam só de renda, mas de oportunidades", destaca. "E os gastos públicos com educação, saúde, transporte e saneamento não crescem na proporção que deveriam."

Dawid Bartelt, diretor do escritório da Fundação Heinrich Böll no Rio de Janeiro, também acredita que o governo brasileiro vem deixando de lado problemas fundamentais. "A educação básica pouco ou nada tem melhorado durante os governos do PT", reclama. "A educação pública de primeiro e segundo graus é um desastre, o setor de saúde tem problemas sérios", constata.

O especialista alemão considera tímida a evolução verificada pelo Ipea, se comparada com os grandes gastos estatais em outras áreas, e argumenta que esse progresso não leva a conquistas de direitos da população mais necessitada. "Os ricos aumentaram muito a sua renda em termos absolutos. Muito mais que os pobres. Aqui também, para um governo que se diz popular, social-democrata, e dentro do contexto de contínua e altíssima desigualdade, há um grande potencial para arrecadação de mais recursos para melhorias substanciais de políticas públicas essenciais que levem a uma redução adequada e sustentável da pobreza", avalia.

"A 50 anos de distância da Alemanha"

O sociólogo Sérgio Costa também considera as melhorias detectadas insuficientes. "Elas não se dão no ritmo que gostaríamos", conclui. Ao deixar o terceiro lugar como país mais desigual, ocupando a 15° lugar na lista mundial, o Brasil dá um passo grande, mas avança timidamente em relação ao resto do planeta, na opinião do analista.

"Caminhamos muito para o Brasil, mas pouco no contexto internacional", comenta. Precisaríamos de mais cerca de 50 anos neste mesmo ritmo para poder alcançar a desigualdade verificada na Alemanha, que também não é um dos países mais iguais do mundo."

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