30 Julho 2012
Uma série de relatórios do Itamaraty e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), além de contatos diretos da embaixada no Paraguai com o Palácio do Planalto, apontava para o agravamento na crise no Paraguai e o risco de que o presidente Fernando Lugo perdesse o cargo - o que ocorreu em um processo de impeachment de 36 horas, concluído no dia 22 de junho. Nenhum desses levantamentos, porém, chegou às mãos da presidente.
A reportagem é de Lisandra Paraguassu e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-07-2012.
Dilma foi informada do que acontecia no Paraguai quando estava no Rio de Janeiro, no dia 21 de junho, logo depois de os deputados paraguaios aprovarem a abertura do processo de impeachment. No dia anterior, tinha sido entregue ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito, o segundo relatório especial de inteligência da Abin apontando que o processo seria aberto porque Lugo havia perdido o pouco apoio que lhe restava no Congresso paraguaio e, desta vez, dificilmente escaparia.
No dia 15 de junho, quando 11 sem-terra e seis policiais foram mortos em um conflito por desocupação de terras, a agência havia produzido outro relatório, também apontando para o agravamento da crise e a possibilidade de abertura de um processo político, desta vez com chances de prosperar. Durante a semana, as sínteses preparadas diariamente para serem entregues a Dilma também trataram majoritariamente do assunto.
Nenhum desses documentos foi visto pela presidente. Responsável por repassar os relatórios da Abin para sua chefe, a quem são originalmente destinados, o general Elito costuma editar ou ignorar os que considera ter informações desnecessárias e ler ele mesmo os que acredita serem importantes o suficiente para merecerem a atenção de Dilma.
Apesar de ser o responsável não apenas pela inteligência mas também pela segurança presidencial, o general tem pouco acesso à presidente: pouco é recebido, pouca atenção recebe e seus e-mails são eventualmente ignorados.
Assessores próximos da presidente confirmam que ela nunca recebeu nenhum documento da Abin tratando do Paraguai e foi informada apenas no Rio de Janeiro. Dilma embarcou para a reunião do G-20 no México em 17 de junho, dois dias depois das mortes no Paraguai que desencadearam o derradeiro processo de impeachment contra Lugo. Nesse ponto, Elito já tinha nas mãos o primeiro relatório da Abin. O general ficou no Brasil e não procurou a presidente durante o encontro no México.
Envolvida com as negociações do G20 e também com a Rio +20, onde o chanceler Antonio Patriota negociava o acordo final da Conferência, Dilma também não teria tomado conhecimento das informações repassadas pelo Itamaraty. Nos dias que antecederam o processo político, o embaixador brasileiro em Assunção, Eduardo dos Santos, conversou diversas vezes com o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, por telefone. Também os relatórios sobre a crise preparados pela embaixada no Paraguai foram repassados pelo Itamaraty à assessoria especial. Aparentemente, essas informações não chegaram a Dilma. Nem mesmo no Palácio do Planalto há uma explicação para isso, já que Marco Aurélio viajou com a presidente para o México.
As informações coletadas pela Abin e pelo Itamaraty apontavam no mesmo caminho: apesar de ter enfrentado até aquele momento 23 processos políticos que não tiveram sucesso, a situação no Paraguai havia mudado e uma nova ação poderia prosperar. Depois das mortes no campo, quando Lugo mudou o comando do Ministério do Interior, a avaliação dos dois órgãos foi de que o então presidente tinha perdido o apoio político que lhe restara no Congresso e não teria votos para segurar um novo pedido de impeachment, o que realmente aconteceu. Lugo perdeu a votação na Câmara por 73 a 1. No Senado, onde foi definida a cassação, foi derrotado por 39 a 4.
Uma das teorias levantadas no Planalto para que os assessores da presidente não tenham se preocupado em informá-la do que acontecia foi o fato de que aquele foi o 24.º pedido de impeachment e, dado o fracasso dos anteriores, havia impressão de que seguiria o mesmo caminho.
Em resposta a várias perguntas enviadas pelo Estado, a Assessoria de Comunicação da Presidência respondeu, por e-mail, que a presidente "recebeu dos órgãos pertinentes informes regulares e tempestivos, tendo-se mantido atualizada em todos os seus desdobramentos e antecedente". A nota também informa que Dilma mantém contatos diários com Elito, mas não confirmou a existência de relatórios da Abin alegando serem de "natureza sigilosa".
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Dilma não teria recebido relatórios da Abin sobre Lugo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU