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13 Janeiro 2012

“Diz-se às vezes que as vocações são raras hoje. Isso não pode significar que Deus chama menos que anteriormente. Talvez com isso quer-se dizer que os modelos e os percursos herdados da Idade Média e do Concílio de Trento correspondem cada vez menos às chamadas do Deus vivo, cujo Espírito sopra onde ele quer e quando ele quer. Mais fundamentalmente devemos nos questionar se a Igreja e os cristãos de hoje motivam realmente o desejo de procurar Deus e de seguir Jesus”.

A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 2º Domingo do Tempo Comum. A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto.

Referências bíblicas:

1a leitura: 1S 3,3b-10.19
Evangelho: Jo 1,35-42

É com o Evangelho de São João que começamos o tempo comum do ano B, o ano de São Marcos. E, contrariamente aos sinópticos (Marcos, Mateus, Lucas), São João nos diz que os primeiros discípulos de Jesus foram primeiramente discípulos de João Batista, e é este último que serviu de intermediário para que os seus discípulos se tornassem discípulos de Jesus. Mais uma vez, trata-se de um texto teológico… Por conseguinte, é depois da Páscoa que o acontecimento é contado e a história desse acontecimento já é transformada pela luz da Páscoa. O que quer dizer que, na comunidade cristã de São João, o conflito entre os batistas e os cristãos era real; de modo que foi necessário o evangelista João compor essa narrativa para reconciliar os dois movimentos: os batistas e os cristãos.

Também, no Evangelho de São João, Simão Pedro não é o primeiro chamado por Jesus. Foi o discípulo que Jesus amava, junto de André, o irmão de Simão Pedro, os quais se tornaram seus primeiros discípulos. Além disso, a chamada de Pedro, através do seu irmão André, toma uma grande importância em São João, dado que “Jesus olhou bem para Simão e disse: “Você é Simão, o filho de João. Você vai se chamar Cefas (que quer dizer Pedra)” (Jo 1,42b). Para o evangelista João e sua comunidade, sem dúvida trata-se de fazer a unidade com as comunidades cristãs de Marcos, de Mateus e de Lucas, onde Pedro era considerado como o primeiro discípulo, o chefe da Igreja nascente, sem nada tirar do discípulo que Jesus amava.

De qualquer modo, trata-se de um relato da vocação e do chamado; então, quais são, hoje, as mensagens para nós que relemos este relato?

1. Um novo começo. O Evangelho de São João inicia pela palavra começo: “No começo a Palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus, e a Palavra era Deus” (Jo 1,1). Com o extrato de hoje, temos lá o início ou o nascimento da primeira comunidade cristã. E, contrariamente a outros evangelistas, o Jesus de João não aparece como alguém cheio de autoridade. Ele vai e vem (v. 36) como se estivesse indeciso, sem atadura, livre dessa liberdade que dará às suas ovelhas: “Eu sou a porta. Quem entra por mim, será salvo. Entrará, e sairá, e encontrará pastagem” (Jo 10,9).

Ainda mais, não é Jesus o primeiro que chama: é João Batista que envia. E é por uma pergunta que Jesus recebe os que lhe são enviados: “O que é que vocês estão procurando?” (Jo 1,38b). É também por uma pergunta que os enviados respondem: “Rabi (que quer dizer Mestre), onde moras?” (Jo 1,38c). E daí podem ser pronunciados o convite: “Venham” e a promessa: “e vocês verão” (Jo 1,39a). É o início de uma longa caminhada daqueles que não veem e que querem ver… e, quando eles virem, saberão onde Cristo reside: “Se vocês obedecem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor” (Jo 15,10).

2. O olhar. Pôr o olhar sobre alguém, o que quer dizer? Em primeiro lugar, é João Batista que põe o seu olhar sobre Jesus e o chama pelo seu nome: “o Cordeiro de Deus” (Jo 1,36). Seguidamente, Jesus dirige seu olhar sobre Simão, chama-o pelo seu nome: “Você é Simão, o filho de João” e lhe confia uma tarefa, uma responsabilidade: “Você vai se chamar Cefas (que quer dizer Pedra)” (Jo 1,42). O exegeta francês Jean Debruynne escreveu: “João Batista põe o seu olhar sobre Jesus que vai e vem e quando, algumas linhas depois, André conduz o seu irmão Pedro a Jesus, é Jesus que pôs o seu olhar sobre ele. Certamente este olhar é uma escolha. Certamente este olhar designa. É certo que este olhar é uma chamada… mas, primeiro, este olhar que se toma o tempo para se pousar, tem algo que mobiliza a humanidade. O olhar de Jesus, assim como o de João Baptista, não se contentam de olhar por cima uma vítima, eles olham e veem. Eles se pousam com a mão sobre o ombro. Posam-se como um beijo de Amor”.

3. A vocação. A chamada ou a vocação cristã pode se fazer de múltiplas maneiras: diretamente como na 1a leitura, hoje, em que o jovem Samuel escuta pela primeira vez o Senhor, crendo que era o Pe. Elias que o chamava. Por três vezes Samuel levantou-se e disse a Elias: “Estou aqui”. Aconselhado pelo Pe. Elias, na quarta vez que o Senhor chamou o jovem Samuel, ele respondeu: “Fala, que o teu servo escuta” (1S 3,10). Pela sua escuta e pela sua disponibilidade, o texto acrescenta: “Samuel crescia, e Javé estava com ele. Nenhuma das palavras que Javé lhe disse deixou de se cumprir” (1S 3,19), ou o chamado pode se fazer através de alguém, como no Evangelho de são João. Na sequência do testemunho de João Batista, dois dos seus discípulos se dispuseram a seguir Jesus. Temos lá o modelo de qualquer vocação cristã: é pelo testemunho de alguém que se pode encontrar o Cristo e segui-lo quando ele se apresenta a nós; estamos, então, em condições de encontrá-lo e ficar com ele. Esses quatro verbos são o caminho a seguir para se tornar discípulos do Ressuscitado. É assim que é possível dar testemunho e interpelar mais alguém. É exatamente isso o que faz André com seu irmão Simão: “Ele encontrou primeiro o seu próprio irmão Simão, e lhe disse: ‘Nós encontramos o Messias (que quer dizer Cristo)’” (Jo 1,41).

Então, a questão que precisa ser colocada, hoje, é a seguinte: Como um discípulo que seguiu, procurou, ficou e encontrou o Cristo pode filtrar as chamadas do mestre que ele mesmo escutou e que outros, os intermediários, permitiram-lhe compreender pelo seu próprio testemunho? Não compete ao discípulo decidir quem pode tornar-se discípulo; cabe-lhe contudo testemunhar sobre aquele que encontrou. Na Revista Sinais de hoje 2003 (Signes d’aujourd’hui 2003), na página 98 está escrito: “Diz-se às vezes que as vocações são raras hoje. Isso não pode significar que Deus chama menos que anteriormente. Talvez com isso quer-se dizer que os modelos e os percursos herdados da Idade Média e do Concílio de Trento correspondem cada vez menos às chamadas do Deus vivo, cujo Espírito sopra onde ele quer e quando ele quer. Mais fundamentalmente devemos nos questionar se a Igreja e os cristãos de hoje motivam realmente o desejo de procurar Deus e de seguir Jesus”.

Por fim, como cristãos chamados a testemunhar nosso encontro com o Ressuscitado, devemos propor aos demais procurarem Cristo, segui-lo, encontrá-lo e ficar com ele. Assim, eles mesmos se tornarão também seus discípulos. Para conhecer realmente o Senhor, é necessário primeiro procurá-lo dentro de nós mesmos. Nas Confissões, Santo Agostinho escreve: “Onde, então, encontrar-te para conhecer-te? Tu não estavas ainda na minha memória, antes que eu te conhecesse… Teu melhor servidor é aquele que não pensa receber de ti a resposta que ele quer, mas, antes, a querer o que lhe dizes. Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu, lá fora, a procurar-Vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo e eu não estava Convosco! Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria, se não existisse em Vós. Porém, chamastes-me, com uma voz tão forte que rompestes a minha Surdez! Brilhastes, cintilastes, e logo afugentastes a minha cegueira! Exalastes perfume: respirei-o, a plenos pulmões, suspirando por Vós. Saboreei-Vos e, agora, tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me e ardi, no desejo da Vossa Paz”.

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