30 Novembro 2011
Os bairros da periferia norte de Paris têm a maior proporção de população imigrante e a maior taxa de desemprego (11,6%). Boa parte dos moradores do raio externo da capital francesa depende dos subsídios e olha com ceticismo os esforços do Governo francês na luta contra a crise.
A reportagem é de Miguel Mora e está publicada no jornal espanhol El País, 29-11-2011. A tradução é do Cepat.
"Todos ficaram mais egoístas, a solidariedade não existe, ninguém ajuda ninguém. Não sei muito sobre a dívida, mas sei que esta crise é uma merda porque são sempre os mesmos que vão pagar por ela, e dá na mesma se é um governo de esquerda ou de direita porque quem manda são os bancos, o setor financeiro". Quem diz isso é Diabira, um jovem de 24 anos, negro, que acaba de terminar seu turno na fábrica da PSA Citroën-Peugeot, um prédio enorme todo murado.
Parece uma prisão, mas é uma fábrica e dá emprego a milhares de trabalhadores. Por enquanto. O gigante francês do automobilismo anunciou que em 2012 deverá despedir 5.800 trabalhadores na Europa, 4.000 deles na França. Diabira conta que "na fábrica todos têm medo de perder o batente". Ele trabalha ali há três anos, controlando a qualidade das peças. Em sua seção, explica, "já nos disseram que no final do mês irão demitir todos os trabalhadores temporários. Dizem que os fixos não, mas veremos".
Estamos em Saint-Ouen, periferia norte de Paris. O departamento chama-se Sena-Saint-Denis, mas todos chamam o 93 por seu número postal. É o lugar da França onde moram, proporcionalmente, mais imigrantes; a zona com a mortalidade infantil mais elevada (5,7%), com a população mais jovem (14% tem entre 14 e 24 anos) e a taxa de emprego mais baixa: 11,6% de desemprego no segundo trimestre de 2011, frente aos 9,5% em nível nacional. Mas o número entre os jovens já está em 43%.
Desde que começou a crise, em 2008, o modelo francês do Estado providência teve que abandonar o resto neste bairro depauperado. O desemprego juvenil disparou 27% em três anos, e em abril havia apenas 66 jovens recebendo a RSA (renda de solidariedade ativa), seguro social para trabalhadores e pessoas de baixa renda criado em 2009 pelo Governo. Mas a RSA, que beneficia três milhões de franceses, se destina apenas aos menores de 25 anos sem trabalho, porque para acessar o subsídio é preciso ter trabalhado 24 meses em tempo completo nos três últimos anos.
Nestas ruas sem boutiques nem brasseires houve nos anos 70 e 80 muitas empresas metalúrgicas e químicas. A deslocalização foi fechando quase todas, e as tentativas do Governo para transformar a zona em um grande pólo empresarial – aqui estão as sedes da Alstom, BNP Paribas, Generali, Hermès ou a telefônica SFR – parecem ter surtido poucos benefícios aos seus habitantes. Nas últimas eleições regionais, 67% dos nascidos de 93 preferiram não votar.
Saint-Ouen não é pior zona do 93, mas os pontos do mercadinho Ottino vendem a mesma quinquilharia que se pode encontrar nos mercados árabes e africanos. Enquanto a crise da dívida açoita a Europa, esta gente de todas as raças e cores luta cada dia para encontrar ou manter um trabalho, chegar ao fim do mês, mas não pôde completar seus estudos: "Comecei Direito enquanto trabalhava de noite como agente de segurança. Depois conheci minha namorada, fomos morar juntos e tive que começar a trabalhar de dia. Entrei como bolsista na PSA, e hoje sou fixo e ganho 1.300 euros líquidos. Estava indo bem, mas tive que renunciar ao meu sonho. Cada momento que estou na fábrica penso "merda, eu queria ser político e ajudar as pessoas’. Mas agora tenho uma filha de 10 meses e esse é o meu dever. Se o Estado não me ajuda, é impossível sair desta situação".
Passeando rua abaixo vem a senhora Chatti, com uma enorme barriga que anuncia sua iminente maternidade. Conta que é argelina e está há um ano em Paris, que antes morava no sul da França e que quando estava na Argélia era secretária executiva em uma empresa de energias renováveis. "Queria me formar melhor e trabalhar, mas é difícil. A vida aqui é dura e cara. Os franceses são pouco acolhedores, e tenho medo de andar sozinha pelas ruas, vejo muitos ladrões e agressões". Os dados parecem dar-lhe razão: este ano já houve quatro milhões de roubos na França. Sobre a Europa, a Chatti tem uma opinião muito compartilhada no bairro: "O euro foi uma armadilha para os pobres, tornou a vida de muita gente mais dura, tudo ficou mais caro de um dia para o outro". Ela também recebe a RSA de 470 euros, mas só chega ao final do mês, diz, graças às ajudas das amigas: "Mas quero que meu filho nasça na França e vou continuar aqui".
No 93 há gente que está pior. Ahmed, de 61 anos, ex-carpinteiro, e Pascal, de 45, embora aparente ter 20 anos a mais, matam o tempo bebendo uma cerveja no parque. São SDF: sem domicílio fixo, sem teto. Os dois recebem seus 470 euros de subsídio, andam pela rua pedindo comida e bebida, e expressam a mesma desconfiança na política e no mundo moderno: "A internet e os telefones celulares mudaram a vida. As pessoas andam pela rua com fones de ouvido ou o celular e ninguém fala com ninguém, passam ao teu lado sem te ver", protesta Pascal.
Só Arnaud Beseme, de 27 anos, financeiro na multinacional Alstom, parece mostrar alguma esperança. Com seu primeiro emprego, já ganha 2.000 euros, tem contrato fixo e se sente "muito mais europeu do que francês". Concorda inclusive com Merkozy: "Estão tentando resolver a crise, mas Sarkozy terá que aprovar ajustes mais duros, embora isso lhe custe a reeleição. Seu problema é que parece que trabalha mais fora do que em casa, e isso poderia favorecer a Frente Nacional".
Diabira sorri cético. "Sarkozy fez algumas coisas boas, mas todos sabemos que são a senhora Merkel e os bancos que decidem o nosso destino".
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"O euro foi uma armadilha para os pobres" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU