27 Setembro 2011
Na física, as revoluções são raríssimas. Mas se for verdade que os neutrinos viajam mais rapidamente do que a luz, será preciso repensar tudo e entender onde nós erramos até hoje.
A opinião é do físico e cosmologista italiano Carlo Rovelli, em artigo para o jornal La Repubblica, 24-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A cautela é obrigatória. Uma medição deve ser repetida antes de se tornar confiável, e esviscerada a fundo antes de se tirar conclusões dela, ainda mais se parece contradizer tudo o que medimos há um século. Outros anúncios de descobertas surpreendentes não puderam sobreviver a uma análise estrita. Estão conscientes disso os autores da belíssima medida da velocidade dos neutrinos, que concluem o seu artigo sobriamente ("consideramos oportuno continuar essa pesquisa para estudar possíveis efeitos sistemáticos não conhecidos que poderiam explicar a anomalia observada"), e está consciente disso o comunicado muito cauto do Cern ("interpretar os resultados dessa nova medida como indicação de uma modificação da teoria de Einstein é pouco plausível").
É um pouco como se alguém dissesse que viu, de noite, um pinguim pelas ruas da Espanha: levemo-lo a sério e procuremos o pinguim, talvez ele existe de verdade. Mas não cheguemos logo à conclusão de que certamente existem pinguins andando por Roma.
Se o dado chegar a ser confirmado, o resultado seria excepcional. Não tanto porque contradiga o senso comum: não admira ninguém que alguma coisa possa se mover muito mais rapidamente; é a teoria de Einstein, em que a velocidade da luz é um limite intransponível, que é contraintuitiva. O motivo da excepcionalidade, ao contrário, é que, se o resultado for confirmado, seria necessário rever praticamente toda a física moderna. A física das partículas, a física gravitacional, a astrofísica, a cosmologia e até o eletromagnetismo implicam a existência dessa velocidade máxima.
Há inúmeras previsões, confirmadas, que seguem de teorias que incluem esse pressuposto. Se esse pressuposto for violado, seria preciso repensar tudo e entender como pudemos fazer previsões corretas baseadas em um pressuposto equivocado.
Seria esplêndido. Seríamos lançados da situação cômoda mas um pouco chata em que estamos hoje, em que as teorias existentes são extremamente poderosas e não temos quase experimentos que as contradigam, para uma situação onde tudo deve ser refeito. Seria o sonho dos físicos teóricos, que deixariam de se sentir um pouco inúteis pensando em mundos paralelos. A tentação de levar a sério essas medidas é forte, e certamente em breve surgirão dezenas de hipóteses de explicação.
Esperamos que seja verdade, até porque a equipe internacional que fez a medida é de altíssimo nível, e o seu trabalho é de grande qualidade. Eles mediram a distância entre o Cern e os laboratórios em L"Aquila com uma precisão de alguns centímetros, e o tempo de voo dos neutrinos com uma precisão de dez bilionésimos de segundo.
Ele mereceriam que a Natureza dissesse sim. Mas tenhamos presente que descobertas tão surpreendentes, que contradizem tudo o que esperaramos, são muito raras, se não inexistentes, na história da física. Em geral, os sinais do novo começam lentos e confusos. Até as surpreendentes observações de Galileu se enquadravam bem, no fundo, no modelo de Copérnico, escrito um século antes. Veremos.
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É muito cedo para arquivar Einstein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU