Em Marabá, sem-terra põe fim à tregua com o governo Dilma

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19 Junho 2011

O movimento dos sem-terra acabou com a trégua dada ao governo federal, depois da gestão Lula. Em Marabá, cerca de 5 mil pessoas que vivem em ocupações e assentamentos rurais no Sul e no Sudeste do Pará estão acampadas há 40 dias em uma praça, na frente da superintendência local do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A reportagem é de Ana Paula Grabois e publicada pelo jornal Valor, 20-06-2011.

Na semana passada, os movimentos, organizados pelo MST, Fetraf e Fetagri, fecharam a rodovia Transamazônica, que corta a cidade, deixando boa parte da população sem acesso a bancos, comércio, fórum e entidades públicas.

O acampamento começou com o MST. Depois das mortes de quatro lideranças ambientais na região Norte, Fetraf e Fetagri reforçaram a manifestação.  A pauta das três organizações inclui, além de desapropriações aguardadas, o aumento do crédito através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a retirada de exigências ambientais para o recebimento do empréstimo e a construção de infra-estrutura de energia e de estradas aos assentamos já realizados. A região tem 70 mil famílias vivendo em 502 assentamentos rurais. Outras 12 mil famílias estão em terras invadidas.

"A principal reivindicação é o assentamento de famílias em ocupações. Há casos de famílias que estão acampadas nas ocupações há mais de oito anos, desde o governo Fernando Henrique Cardoso", diz o dirigente da Fetagri, Francisco de Assis Soledade, que também ressalta a violência no campo. "São mais de 300 lideranças marcadas para morrer no Sul e no Sudeste do Pará", afirma.  Nem o governo da presidente Dilma Rousseff nem o de Luiz Inácio Lula da Silva fizeram o que tinham que fazer e agora a situação chegou ao limite, dizem os líderes dos sem-terra. "O movimento é contra o governo federal. As dez áreas que temos não foram resolvidas em nenhum dos governos petistas", diz um líder do MST no Estado, Tito Moura.  "Houve uma frustração com o governo Dilma Rousseff.

Os movimentos sociais sempre tiveram uma ligação com o PT e parece que eles não foram bem atendidos", diz o procurador Tiago Rabelo, do Ministério Público Federal de Marabá.

Hoje, as lideranças dos movimentos pela reforma agrária têm encontro com os ministros Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário), Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência).

Na semana passada, uma reunião com o presidente do Incra, Celso Lacerda, e com o superintendente regional do órgão, Edson Bonetti, não avançou.  Marabá é o centro comercial e de serviços da região Sul e Sudeste do Pará e reflete em boa parte o que tem vivido a Amazônia. Grandes investimentos feitos e em andamento em mineração, siderurgia e hidrelétricas, conflitos de terra, avanço de pastagem para a pecuária bovina, indústria madeireira, trabalho escravo e problemas ambientais.

"É um caldo que está fervendo", afirma o procuraor-chefe do Ministério Público Federal do Pará, Ubiratan Cazetta.  A maioria dos acampados em frente à superintendência do Incra são de municípios no entorno de Marabá ou da própria cidade. A terra valorizou-se rapidamente com a enxurrada dos investimentos, acirrando a disputa fundiária e criando problemas de pagamento para desapropriação pelo Incra. 

Nos próximos anos um grande empreendimento da Vale, empresa com forte influência na região por conta das minas de ferro de Carajás e de novos projetos em execução, deve entrar em operação, a Alpa, uma siderúrgica de aços planos que vai servir à indústria de eletrodomésticos.

A Vale também é dona da Estrada de Ferro Carajás, ferrovia que passa por Marabá e já foi alvo de protestos por diversas vezes dos movimentos dos sem-terra. A última interdição ocorreu no final de maio, como protesto das organizações dos sem-terra contra o assassinato do casal de extrativistas Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio da Silva, em Nova Ipixuna, município próximo a Marabá.

A cidade possui um complexo de siderúrgicas de ferro-gusa, que transforma o minério que chega de Carajás em pelotas. Marabá recebe os reflexos da construção do complexo hidrelétrico de Belo Monte, em Altamira (PA), cidade ligada a Marabá pela rodovia Transamazônica. Com 234 mil habitantes, a cidade deve dobrar o tamanho de sua população até 2015, com chegada dos novos investimentos.

Também está próxima da hidrelétrica de Tucuruí.  Ao lado dessa conjuntura, a região está na área do forte avanço da pecuária bovina dos últimos anos, causa de acirramento da disputa por terra entre grandes proprietários, pequenos agricultores de assentamentos ou de invasões e ambientalistas. 

Pedro de Miranda tem 70 anos e está há 30 dias no acampamento. Quer um lote para um filho num assentamento prometido pelo Incra na Fazenda Cedro, em Marabá, onde a mulher já está desde que a área foi invadida há dois anos e quatro meses. "Não podemos entrar porque o Incra não mediu a terra, estamos esperando", afirma. Miranda é posseiro de uma pequena área de terra em Marabá, mas terá que sair. "A Vale diz que a terra é dela e que não adianta a gente trabalhar nela. Estão querendo que a gente trabalhe para eles, plantando eucalipto. Na minha idade, não quero trabalhar empregado, não compensa", diz.

"Nossa expectativa é conseguir a terra para trabalhar, plantar arroz, mandioca, feijão", diz Antônio de Souza Neto, ligado à Fetagri e há um mês no acampamento com a mulher. Os quatro filhos pequenos estão com familiares em Marabá. 

O Incra local, que financia as desapropriações, foi alvo de corte orçamentário. Neste ano, a verba foi limitada a um terço da destinada no ano passado. O Incra é alvo de críticas por má gestão e pelas indicações políticas do PT. Os últimos superintendentes saem do órgão quase sempre para disputar uma eleição. "O Incra de Marabá virou um comitê eleitoral", diz Orlando Alves da Luz, líder da comunidade de Tibiriçá, uma ocupação nas terras de uma fazenda no município de Marabá, ligada à Fetragri.

Na ocupação, vivem 86 famílias à espera do documento de desapropriação e de assentamento do governo desde novembro passado.  Depois da interdição da Transamazônica, na quarta-feira, o Ministério da Justiça enviou a Força Nacional e o governador do Pará, Jatene (PSDB), a tropa de choque da PM. Os manifestantes estão impedidos de interditar vias públicas, sob multa de R$ 10 mil ao dia para cada organização de sem-terra, de acordo com decisão da Justiça Federal.

Exigências ambientais encurralam assentados

O aumento da pecuária bovina não é mais uma preocupação dos ambientalistas e órgãos fiscalizadores restrita aos grandes proprietários de terra no Pará. A chamada "cultura do capim" já chegou aos pequenos proprietários, sejam eles assentados da reforma agrária ou posseiros. O avanço de pastagens fomentou a criação de exigências ambientais aos assentados, inclusive na concessão do crédito público, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Agora, em decisão recente, todos os lotes dos assentamentos devem ter licenciamento ambiental dado pelas secretarias estaduais de meio ambiente. No Sul e no Sudeste do Pará, região de conflitos de terra e com grande avanço da pastagem para boi, o próprio governo federal acabou estimulando a prática.

O Banco do Brasil e o Banco da Amazônia (Basa) oferecem uma modalidade de crédito somente para a atividade econômica, o Pronaf Boi. A outra modalidade, o Pronaf Floresta, é pouco procurado pelos assentados, diz o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá, José Batista. "A lógica do capim tem forte influência sobre os assentados. Como não tem estrada e assistência técnica, o assentado adere ao boi", afirma Batista, um crítico do modelo de desenvolvimento adotado pelo governo para a Amazônia. "A reforma agrária não é prioridade. O agronegócio sim. A política de infra-estrutura é feita no modelo da grande propriedade", diz.

O movimento também acirra a disputa fundiária. Os grandes donos de terra para pastagem procuram comprar áreas no entorno de assentamentos. Alguns dos assentados, com a valorização da terra e sem estrutura apropriada à agricultura, acabam por vender seus lotes aos grandes proprietários. Segundo o advogado da CPT, a maior concentração de conflitos de terra ocorre na fronteira de expansão da pecuária e coincide com o chamado "arco do desmatamento" da Amazônia, região de maior crescimento do rebanho bovino do país. Para o procurador do Ministério Público Federal em Marabá Tiago Rabelo, o movimento estimulado pela pecuária cria a reconcentração agrária, o que, na sua opinião, é "a chaga da violência no campo".

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