16 Abril 2011
"A prisão de Mubarak era uma obsessão nacional, porque ninguém tolerava mais a ideia de que ele iria terminar os seus dias na sua esplêndida mansão de Sharm", explica Mohamed El Baradei, provável candidato às próximas eleições presidenciais e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2005, que lhe foi conferido quando ele dirigia a Agência Internacional para a Energia Atômica.
A reportagem é de Pietro Del Re, publicada no jornal La Repubblica, 16-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Hoje, os egípcios temem um retorno ao passado, por isso estão novamente com raiva e prontos para sair mais uma vez às ruas", diz ainda El Baradei, que nos recebe na sua casa na periferia do Cairo, circundada por palmeiras e flores.
Dentro de alguns dias, será publicado na Itália o seu livro L`età dell´inganno (Ed. Castelvecchi), em que relata as suas batalhas diplomáticas mais duras, entre as quais se destaca a que ele lutou estrenuamente, embora em vão, contra a invasão do Iraque.
Eis a entrevista.
Senhor El Baradei, há quem defenda que, sem as prisões de Hosni Mubarak e dos seus dois filhos no Egito, teria estourado uma nova revolução. É assim?
Mubarak deveria ter sido preso há dois meses e, junto com ele, os 300 súditos que faziam parte da sua corte. Nestas semanas, ele teve tempo para limpar muitas das suas contas no bancos de todo o planeta. Dito isso, teria sido melhor se ele tivesse escapado, como fez Ben Ali da Tunísia, porque agora que a procuradoria começou a examinar minuciosamente as suas cartas, será verdadeiramente muito difícil para o ex-presidente deixar o país.
O que está acontecendo parece ser o coroamento da exigência apresentada na sexta-feira passada por centenas de milhares de pessoas que, na Praça Tahrir, invocaram um rápido processo para a cúpula do velho regime.
Sim, foi uma forte pressão por parte da praça, até porque começava a circular um boato segundo o qual Mubarak havia feito um pacto com os militares: ele entregaria o poder nas suas mãos sob a condição de não ser processado. A sua prisão, por isso, havia se tornado uma emergência.
Quais são os riscos de ele ter o mesmo fim de Saddam Hussein?
Os egípcios são um povo moderado, mas obviamente tudo irá depender do veredito do tribunal que o irá julgar. Agora, as acusações que pesam sobre Mubarak são muito graves. Segundo a procuradoria, teria sido ele quem ordenou que as tropas atirassem contra a multidão. Apenas a sua idade e o fato de ser um homem doente poderão salvá-lo de uma condenação muito dura.
Em muitos lugares, levantam-se vozes de descontentamento. Há quem sustente que a revolução foi traída: há poucos dias, um blogueiro foi condenado a três anos por ter ofendido o Exército. O que vocês podem fazer para alcançar os objetivos da revolta?
Estamos vivendo o delicado momento da transição. De um lado, há o Exército, que quer acelerar os tempos; de outro, há quem, como eu, acredite que é necessário proceder lentamente. Depois de 60 anos de ditadura – porque muitos foram passados durante os regimes de Nasser, Sadat e Mubarak –, não é possível, em poucos meses, transformar o país em uma democracia completa. Eu preferiria, por exemplo, que nos dotássemos de uma nova Constituição, antes de eleições que os diversos partidos terão pouco tempo para organizar. Os favoritos serão os mais ricos e os melhor estruturados, como os Irmãos Muçulmanos. Ao contrário, acredito que o poder deve ser repartido também com quem fez a revolução.
Os militares continuam governando o Egito. Será sempre assim?
Depois do que ocorreu, me parece impossível o retorno ao poder de um general. Os egípcios querem novos rostos.
A propósito, quando o senhor irá romper a reserva sobre a sua candidatura às próximas eleições presidenciais?
Se tiver que me candidatar, farei isso só pelos jovens com os quais trabalhei nestes meses e que me pediram para ajudá-los a reconstruir o Egito.
Segundo alguns analistas, as revoltas marcam também a derrota do extremismo islâmico, porque se viu que é possível abater regimes corruptos e sustentados por um Ocidente complacente até sem recorrer ao terrorismo. Está de acordo?
Sim, até porque a História demonstra que a força de um povo é muitas vezes irrefreável. Basta ver o que aconteceu no Egito e na Tunísia. Na Praça Tahrir, os manifestantes diziam "sou egípcio" e não "sou muçulmano". Mas com as bombas e com o terrorismo é diferente. As Brigadas Vermelhas fracassaram na Itália, assim como a Al Qaeda fracassou em diversos países árabes. Mas o extremismo nasce da exploração e da perda da dignidade. Espero agora que o Ocidente nos ajude, para evitar que a primavera árabe não se transforme em um tsunami árabe.
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"O Egito não retrocederá. Estamos prontos para sair às ruas de novo" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU