Usinas do Rio Madeira. Energia para exportar alumínio barato. Entrevista especial com Philip Fearnside

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02 Agosto 2007

A liberação da construção das Usinas do Rio Madeira pelo Governo Federal ainda tem gerado inúmeras discussões. As regras estabelecidas pelo Ibama para as obras têm levantado divergências sobre a real eficácia das condicionantes. Um dos críticos Philip Fearnside, o pesquisador do Inpa - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que diz que as perguntas sobre a carga de sedimentos continuam sem resposta. “A velocidade da água diminui abruptamente e os sedimentos mais pesados, tais como a areia, caiem ao fundo, formando um grande monte que funciona como uma barreira ou uma espécie de barragem adicional, fazendo com que o nível da água no trecho acima do reservatório propriamente dito fique mais elevado”, afirmou Philip, em entrevista à IHU On-Line, cedida por e-mail.

Graduado em biologia pelo Colorado College, nos Estados Unidos, Philip Fearnside é, atualmente, professor da Universidade Federal do Amazonas e pesquisador do CNPq e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa. É especialista em Sistemas de Informações Geográficas, pela USP. Possui mestrado em zoologia e doutorado em Ciências Biológicas, pela University of Michigan, nos Estados Unidos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais são as principais estratégias de ação, frente à decisão do governo de liberar a construção das Usinas do Rio Madeira, que devem ser discutidas pela sociedade brasileira?

Philip Fearnside - É importante que os impactos das barragens sejam discutidos. Os principais pontos levantados no Ministério Público, em Rondônia, nunca foram respondidos no documento entregue ao Ibama pelos proponentes.  Por exemplo, o ponto que discutia a formação de um remanso superior acima do reservatório de Jirau, o que causaria uma inundação na parte do rio pertencente à Bolívia, não foi nem tocado.

IHU On-Line - A licença do governo prevê a construção das usinas na parte brasileira do Rio Madeira. Quais são os principais impactos que o rio sofrerá aqui, na Bolívia e Peru?

Philip Fearnside - A possibilidade de impedimento da migração dos grandes bagres tem impactos econômicos importante no Peru e na Bolívia, assim como no Brasil. Como é deixado claro pelo EIA-RIMA, ninguém sabe se os canais laterais propostos vão funcionar para permitir a subida dos peixes adultos. Também é provável que quase todas as larvas dessas espécies de peixes, que descem o rio à deriva, vão passar pelas turbinas e que muitos vão morrer. Os canais laterais são apenas para a passagem dos adultos, não das larvas.

Outro impacto importante é a inundação na Bolívia que seria causado pelo remanso superior acima do Boca do Rio Abunã no Rio Madeirareservatório de Jirau. O Rio Madeira é um dos rios com maior carga de sedimento do mundo. Quando a água entra no reservatório, mais a montante (no caso, Jirau), a velocidade da água diminui abruptamente e os sedimentos mais pesados, tais como a areia, caem ao fundo, formando um grande monte que funciona como uma barreira ou uma espécie de barragem adicional, fazendo com que o nível da água no trecho acima do reservatório propriamente dito fique mais elevado. Já que este trecho vai ser na parte binacional, tanto no rio Madeira como no rio Abuna, haverá inundação também na Bolívia.

IHU On-Line - Qual é o impacto ambiental e sociológico que as Usinas do Rio Madeira causaram à Amazônia?

Philip Fearnside - Os impactos ambientais são vários, mas os problemas dos bagres e dos sedimentos são os mais destacados. Estes impactos afetarão os pescadores e outros residentes ao longo do rio, causando impactos sociológicos. Outro problema sociológico acontecerá no término das obras, previsto para 2012. Já que cada barragem vai ter 20 mil trabalhadores, e a construção das duas será simultânea, um total de 40 mil desempregados vão ser lançados em cima de Porto Velho no final das obras e, ainda, devem se espalhar para outros lugares. Se a rodovia BR-319 estiver pronta até Manaus, também causará grandes problemas ambientais e sociais na Amazônia central e também em Roraima.

IHU On-Line - A quem realmente interessa a energia produzida pelas Usinas do Rio Madeira?

Philip Fearnside - Fora as empresas de construção, serão os consumidores de energia os principais interessados. A energia vai alimentar a rede nacional, que inclui não apenas usos residenciais nas grandes cidades do País, mas também indústrias eletro-intensivas, especialmente as de alumínio. As usinas de alumínio no Brasil estão basicamente todas sendo duplicadas em capacidade, e isto aumentará um sangramento da energia do Brasil, que já é enorme.  Se a energia continuar sendo usada para exportar alumínio barato para o mundo inteiro, não haverá limites para a construção de mais e mais hidrelétricas.

IHU On-Line - Qual é o papel da Amazônia para o meio ambiente mundial? O que podemos esperar para o futuro da Amazônia?

Philip Fearnside – A Amazônia tem grande importância na manutenção do clima e da biodiversidade.  É o próprio Brasil, não o resto do mundo, que vai perder mais se estes serviços ambientais forem ainda mais prejudicados.

IHU On-Line - Qual é sua análise dos estudos que levaram o Ibama a dar a aprovar as obras das Usinas do Rio Madeira?

Philip Fearnside - Havia vários problemas com os estudos que formaram a base da decisão sobre o licenciamento, como detalhado nos pareceres do Ministério Público, em Rondônia. Estes problemas continuam. O problema dos bagres vai ser "monitorado" para ver se os canais laterais funcionam.  É importante lembrar que monitorar um problema é diferente de resolver o problema. Monitorando, será observado se alguma coisa não está indo bem, mas corrigir o problema é uma coisa bem diferente.

No caso dos sedimentos, um consultor foi contratado e passou três dias em Porto Velho. Ele escreveu um relatório sobre os sedimentos em Santo Antônio. O relatório foi exclusivamente sobre a barragem de Santo Antonio, não tocando nos problemas potenciais em Jirau.

IHU On-Line - Quais seriam as alternativas viáveis para a crise energética que não a construção das usinas do Rio Madeira?

Philip Fearnside - A primeira coisa é de decidir o que fazer com a energia que o País já tem. Alumínio somente deve ser feito para consumo no Brasil, não para exportação. A quantidade de energia envolvida é equivalente a várias grande hidrelétricas.

A eficiência de uso de energia também precisa ser aumentada. O chuveiro elétrico é o vilão mais óbvio. Atualmente, 6% da energia do país é destinada para este uso, mas que pode ser feito com gás ou, melhor ainda, com energia solar.

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