Lei de floresta pública. "Leiam e verão o que é danoso à Amazônia". Entrevista especial com Niro Higuchi

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28 Fevereiro 2012

Para o engenheiro florestal e pesquisador do Inpa, a floresta amazônica tem um papel político fundamental para o clima global.

Confira a entrevista.

Na tentativa de buscar respostas para conhecer o real papel da Amazônia no controle climático, pesquisadores brasileiros fizeram algumas medições em relação ao CO2 e chegaram a resultados interessantes. Um destes cientistas é o engenheiro florestal Niro Higuchi, que concedeu a entrevista a seguir para a IHU On-Line por telefone. Ele comenta sobre o potencial da Amazônia nas mudanças climáticas e apresenta uma abordagem nova ao debate, que é a questão do consumo. E explica que o que move a economia é o quanto se consome. “O conjunto de cidadãos é importante não pela quantidade que armazena, troca, acumula ou perde. Então, no processo de clima global, tem pouca importância a capacidade de estoque, de perda ou de acúmulo de biomassa ou carbono. Precisamos saber hoje qual é a capacidade da floresta de trocar com a atmosfera. Fazendo a mesma analogia com nosso corpo, a floresta pode estar trocando o dobro que pesa por ano. Assim, a floresta amazônica tem um papel político fundamental para o clima global”. Higuchi reflete também sobre a aprovação do novo Código Florestal pelo Senado. E afirma: “esse código florestal atual mais parece um código agrário do que florestal. O código florestal, na verdade, é a lei de gestão pública que vai interferir nas florestas públicas. Essa sim é perigosa. Tentem ler o que representa a lei de floresta pública; assim verão que o que é danoso à Amazônia. Ao lado dessa lei, o código florestal é um ‘santinho’”.

Niro Higuchi (foto) é engenheiro florestal formado pela Universidade Federal do Paraná  UFPR. É pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia  Inpa desde 1980, atuando na área de manejo florestal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual o potencial da Amazônia, hoje, no controle das mudanças climáticas?

Niro Higuchi – O grande debate que se faz hoje sobre o papel da floresta amazônica nas mudanças climáticas está relacionado com o estoque de carbono que temos armazenado nela, de um lado, e do outro lado, está o desmatamento na Amazônia. A floresta tem esse papel ambíguo nesse processo, pois tudo o que foi acumulado volta para a atmosfera pelo desmatamento. No entanto, quando se olha para o contexto mundial, conclui-se que as emissões pelo desmatamento no mundo inteiro, seja nas florestas boreais, temperadas ou tropicais (dentre elas, a Amazônia), contribuem com 10% das emissões globais de CO2, de gás de efeito estufa. Ou seja, mesmo se resolvermos todo o problema da Amazônia, reduziremos em menos de 10% o problema mundial do excesso de gás de efeito estufa na atmosfera, já que não é apenas a Amazônia que desmata.

IHU On-Line – Então, onde está o problema maior?

Niro Higuchi – O problema maior no caso das emissões brasileiras pelo desmatamento é o fato de que estamos queimando uma riqueza desconhecida, que é a biodiversidade. A floresta amazônica, nessa abordagem das mudanças climáticas, é importante para o Brasil e seu clima. Mas para o clima do planeta, teoricamente, é muito pequena a sua participação. Falo isso nessa abordagem das mudanças climáticas. Mas há um outro lado, ainda desconhecido, que é a questão do consumo. Por exemplo, uma pessoa consome, em média, meio quilo de alguma coisa por dia, entre líquidos e sólidos. No final do ano, estará consumindo 180 quilos, isso para manter um estoque de 70 ou 80 quilos. O quanto pesamos tem pouca importância para o mercado; mas ficamos importantes justamente pela quantidade que consumimos. Não conta a quantidade que temos, ou a quantidade que temos em capacidade de acumular ou perder. O que move a economia é o quanto se consome. O conjunto de cidadãos é importante não pela quantidade que armazena, troca, acumula ou perde. Então, no processo de clima global, tem pouca importância a capacidade de estoque, de perda ou de acúmulo de biomassa ou carbono. Precisamos saber hoje qual é a capacidade da floresta de trocar com a atmosfera. Fazendo a mesma analogia com nosso corpo, a floresta pode estar trocando o dobro que pesa por ano. Assim, a floresta amazônica tem um papel político fundamental para o clima global.

IHU On-Line – O senhor declarou recentemente que a floresta Amazônica tem sequestrado da atmosfera aproximadamente uma tonelada de carbono por hectare ao ano. O que esse valor representa?

Niro Higuchi – Em termos ambientais, isso pode significar trezentos milhões de toneladas por ano. No mundo, emitem-se oito bilhões de toneladas. Então, o papel tanto de sequestro quanto de estoque é muito pequeno com relação às emissões mundiais. De qualquer forma, o papel do Brasil é importante, porque a capacidade de sequestro que a floresta tem demonstrado nesses últimos 20 anos neutraliza o que emitimos aqui. Até poderia dizer que o país está “zero a zero”, porque tudo o que emitiu nesse período a floresta neutralizou pelo sequestro. Mas amanhã a floresta pode inverter esse processo e começar a emitir.

IHU On-Line – Quanto carbono cada árvore consegue acumular? Como vocês chegaram a um valor determinado?

Niro Higuchi – É difícil fazer essa conta. Mas nós fizemos o seguinte: derrubamos e pesamos mais de 1.500 árvores individualmente, determinando o quanto de carbono cada uma tinha. Daí, desenvolvemos modelos matemáticos e concluímos que há uma relação muito boa entre o peso do carbono da árvore com a medida do seu diâmetro. Hoje temos uma equação que consegue estimar quanto tem de carbono numa árvore em pé, viva, apenas medindo seu diâmetro. Isso com uma precisão de 97%. É importante esclarecer que isso se aplica à realidade da Amazônia. Aí no sul e nas outras regiões é preciso desenvolver as próprias equações.

IHU On-Line – Qual a atual situação do desmatamento na Amazônia?

Niro Higuchi – O desmatamento vem diminuindo, mas ainda é muito alto pelo baixo retorno que dá em termos financeiros e pelo alto retorno em termos de impactos ambientais. As emissões pelo pequeno desmatamento na Amazônia ainda são muito maiores do que as emissões em todo o resto do Brasil, e nos outros setores, principalmente de produção de energia e transportes.

IHU On-Line – Como vê a aprovação do Código Florestal pelo Senado? O novo texto vai causar impactos nas áreas florestais?

Niro Higuchi – Posso falar sobre o impacto na Amazônia. Esse código florestal é feito para as terras privadas, e não para as terras públicas. Na Amazônia temos 20% de terras privadas. E elas estão todas praticamente já desmatadas. Então, que tipo de impacto isso pode causar? A lei sempre existiu e nunca foi cumprida. Acho que perde tempo quem discute esse novo código. Nossa preocupação deveria ser em aplicar o velho código florestal, que está todo alterado. Se olharmos o código original, no site do Planalto, veremos que ele está todo picotado, porque foi alterado inúmeras vezes. O código atual, essa nova proposta, é apenas a colocação, em uma única forma, de todas as alterações já feitas. O que eu questiono é: Onde nós estávamos quando essas alterações foram feitas? Então, acho que perdemos muito tempo nesse debate. Deveríamos estar nos preocupando com os 80% das terras restantes, que são públicas e devem ser protegidas. Este código florestal atual mais parece um código agrário do que florestal. Na verdade, o código florestal é a lei de gestão pública que vai interferir nas florestas públicas. Essa sim é perigosa. Tentem ler o que representa a lei de floresta pública; assim verão o que é danoso à Amazônia. Ao lado dessa lei, o código florestal é um “santinho”.

IHU On-Line – Um dos pontos mais criticados no novo Código Florestal é ausência de punição para o desmatamento...

Niro Higuchi – Não é verdade isso. É só ler. Outra coisa: esqueça o código. Temos uma lei de crimes ambientais totalmente regulamentada. Então, uma lei não anula a outra. É uma crítica sem sentido. O Código Florestal pode ser todo permissivo, mas ele não pode avançar em cima de uma lei que já existe e já está em vigor. O que eu quero deixar claro é que não estou elogiando essa nova proposta. Mas também não a critico, porque acho que é perda de tempo discutir sobre ela.

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