Belo Monte. Um projeto que deve ser cancelado.. Entrevista especial com Guilherme Zagallo

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12 Abril 2010

James Cameron e Sting em visita à Amazônia

Na última terça, dia 06 de abril, foi divulgado o relatório Missão Xingu: Impactos socioambientais e violações de direitos humanos no licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A IHU On-Line entrevistou, por telefone, com um dos relatores do documento, o advogado Guilherme Zagallo, que falou sobre as violações deste projeto aos direitos humanos e os seus impactos para a população e o ambiente local. “O município deve dobrar de tamanho. Hoje são 100 mil habitantes, e está prevista a migração de mais 96 mil pessoas. Essas pessoas que migrarão, em torno de 17 mil no pico da obra, trabalharão na construção. Só que essas pessoas não têm a qualificação necessária para a operação. A operação da usina vai movimentar apenas 700 pessoas. Passada a obra, ficará um caos social no município”, explica Zagallo.

Guilherme Zagallo é vice-presidente da seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil. É também relator nacional de direitos humanos da Rede de Direitos Humanos Plataforma Dhesca Brasil [1].

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O relatório recomenda, entre outras coisas, a suspensão imediata do leilão da usina...

Guilherme Zagallo – Foi solicitada, também, a anulação da licença prévia. Coincidentemente, o Ministério Público do Pará liberou um release, dizendo que está entrando com uma ação na justiça pedindo a mesma coisa, que a justiça determine a suspensão do leilão e a anulação da licença. E mais, que o Ibama se abstenha de conceder outra licença, sem que estejam sanadas as irregularidades apontadas.

IHU On-Line – E como o senhor vê a desistência da empreiteira Camargo Corrêa do leilão da obra?

Guilherme Zagallo – A avaliação que temos é que um dos consórcios envolvidos duvida da viabilidade econômica do projeto. Isso porque eles têm uma avaliação interna de que os custos envolvidos, os custos ambientais e sociais, são muito maiores do que aqueles reconhecidos pelo governo. Então, apesar de todas as vantagens que o governo disponibiliza, como financiamentos públicos a juros baratos e, inclusive, com subsídios, ainda assim o empreendimento teria um risco financeiro muito grande.

IHU On-Line – Em relação aos direitos humanos, quais são as principais violações que estão sendo cometidas na obra de Belo Monte?

Guilherme Zagallo – A principal de todas elas é a ausência de oitivas nas comunidades indígenas, um direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e que foi ignorada pelo governo brasileiro. A Funai esteve fazendo algumas reuniões preliminares, quando o Enterprise Risk Management (ERM), ou Iniciativa de Gestão de Riscos, não estava sequer depositado. Ou seja, o projeto não estava finalizado, ainda estava em modificação, e dizia para as comunidades indígenas que não eram as oitivas indígenas da comissão 169. Porém, no processo do licenciamento ambiental, a Funai atesta que as oitivas teriam sido realizadas, juntando o ato das reuniões preliminares. As comunidades indígenas, no entanto, estão revoltadas com o tratamento que a Funai deu a esse caso.

A Funai tentou lavar as mãos dizendo que esta autorização estaria condicionada a segurança de que os povos indígenas não sofreriam impactos, mas o Estudo de Impacto Ambiental (EARIMA) reconhece que os povos indígenas vão sofrer impacto. Esta barragem será construída em um trecho que hoje é seco. Eles irão desviar a maior parte da água de um trecho de 100 km do Rio Xingu, na região de Altamira, e, nesta região de seca, existem duas terras indígenas. São terras indígenas que serão afetadas não pelo alagamento, mas pela seca permanente, que vai reduzir a quantidade de pescado e a biodiversidade de um modo geral. Há sim impacto nestas terras, e isso não foi reconhecido no processo.

Além disso, o governo subdimensionou no EARIMA, pela Eletronorte, a população atingida. Não foram consideradas as populações que vivem às margens desses 100 quilômetros, sejam as populações indígenas ou as ribeirinhas. A Eletronorte também não fez um estudo sobre índices isolados, e não existem indicações sobre isso. O hidrograma ecológico apresentado por eles, da vazão mínima neste rio que será desviado, não atende às necessidades dos ecossistemas da região, e sim as necessidades de geração de energia. Com certeza, irá haver uma extinção de espécies nesta região, que é muito rica em biodiversidade, e algumas espécies de peixes são endêmicas, só existem lá. Não foram analisados os impactos ajuzantes da usina. Logo depois da casa de força, há um dos principais pontos de produção de tartarugas da Amazônia, cujo impacto sequer foi analisado. Também não foi analisada a questão da migração sobre o desmatamento da região. Por todos esses motivos, concluímos, em nosso relatório, que esse empreendimento é inviável, do ponto de vista socioambiental, e pela saída de um dos consórcios. Provavelmente, até do ponto de vista econômico, esse empreendimento é inviável.

IHU On-Line – Como foi a reunião com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados onde o relatório foi divulgado?

Guilherme Zagallo – Sentimos uma receptividade muito grande na Câmara dos Deputados da comissão. Inclusive, um fato interessante é que havia dois senadores presentes, um do Pará, José Nery, e um do Tocantins, Osmar Pitangueira. Isso não é muito comum nas sessões da comissão na Câmara. Porém, mais uma vez percebemos uma omissão do estado brasileiro. Nenhuma das autoridades convidadas do Ministério de Minas e Energia e do Meio Ambiente compareceu. Isto já havia acontecido na audiência pública convocada pelo Ministério Público Federal, em 1º de dezembro do ano passado. Ou seja, o estado brasileiro ignora e desrespeita o executivo e não quer debater com a sociedade, não quer expor seus argumentos de defesa dos projetos. Provavelmente porque sabe que é muito frágil a defesa desse empreendimento.

IHU On-Line – E como foi a reunião com Dom Erwin nesta quinta-feira, dia 08 de abril, pela manhã?

Guilherme Zagallo – A CNBB também tem posição contrária, e a conferência, inclusive, publicou uma nota pública contra este empreendimento. Dom Erwin recebeu uma cópia do relatório e está viajando para Roma, para uma audiência com o Papa. Segundo palavras do próprio  D. Erwin, ele irá mencionar esse assunto com o Papa Bento XVI. Este é considerado, por ele um dos principais temas da audiência. A expectativa é que demos ao máximo a repercussão. A reunião está marcada para o dia 20, e esperamos que o poder judiciário, recebendo a ação que o Ministério Público do Pará está entrando na justiça, reconheça todas essas ilegalidades e essas violações aos tratados internacionais e à constituição, suspenda esse leilão e anule a licença prévia. Essas são recomendações que constaram também em nosso relatório.

IHU On-Line – Por que o senhor chama Belo Monte de “Usina Vagalume”?

Guilherme Zagallo – É porque o governo a divulga como uma usina de geração de 11.181 megawatts. Esta é a capacidade máxima de geração. Só que essa é a capacidade máxima quando se tem água para isso. O Rio Xingu tem uma variação muito forte entre as estações. A média, no período de seca, é de 1.065m³ de vazão por segundo. Na cheia, a média chega a 19.000 ou 20.000m³ de vazão. Esta usina só poderá gerar 11mil megawatts em três meses e meio por ano, mais ou menos. Na maior parte do tempo, ela gera valores inferiores a isso. Na média do ano, vai gerar em torno de 4400 megawatts, sendo que, nos meses de seca, que são dois pelo menos, ela gera menos de mil megawatts.

Há declarações do presidente da Petrobras dizendo que a usina pode ser sazonal, e, neste período de pouca água no rio, pode ser uma usina que funcione somente no período da noite, quando aumenta o consumo na região sudeste. Isto não está previsto no EARIMA, que não considerou essa possibilidade no estudo de impacto ambiental. Não está demonstrada, também, essa complementaridade que eles alegam nas suas falas, de que, quando Belo Monte tiver pouca energia, os sistemas sul e sudeste terão um volume maior de energia. Isso não está demonstrado e deveria ter sido analisado no estudo. Por esse motivo, chamamos de Usina Vagalume.

Neste ciclo de vida da usina, a cada cinco ou seis anos, haverá meses em que o volume de água no rio será inferior ao volume mínimo de água que teria que ser liberado para o trecho da vazão ecológica. Resultado: a cada quatro ou cinco anos, a Usina não gerará energia, porque não terá água suficiente para movimentar suas turbinas. A Usina de Belo Monte não gerará um volume firme de energia, nos quantitativos que o governo anuncia.

IHU On-Line – Em novembro, vocês realizaram uma missão especial na Volta Grande do Xingu para verificar os impactos que já estão sendo causados pelo projeto da usina de Belo Monte. O que vocês viram?

Guilherme Zagallo – O que vimos é uma apreensão por parte da população de Altamira. Dezenas de ruas, em Altamira, serão submersas em função da elevação da cota do rio na cidade. Ainda não está claro para a população quais serão essas ruas, já que o governo não fez uma divulgação disso. As pessoas não sabem quem irá perder suas casas. Nas comunidades ribeirinhas, ao longo do rio, há uma apreensão maior ainda. Porque esse rio, com essa variação tão grande entre verão e inverno, entre seca e chuva, vai passar a ter um verão permanente. As comunidades temem ficar isoladas. O principal meio de comunicação na região é o Rio Xingu, um rio com muitas cachoeiras, corredeiras, muitos pedrais e, com pouca água, irá dificultar muito o transporte da população. A pesca, uma importante fonte de subsistência dessas populações ribeirinhas, também será afetada. Por tudo isso, há uma apreensão muito grande por parte da população em relação à implantação desse empreendimento. Basicamente, o segmento que está apoiando a implantação da hidrelétrica na cidade de Altamira é o empresarial.

IHU On-Line – Quais os principais problemas no Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela Eletronorte?

Guilherme Zagallo – O estudo é insuficiente em muitos aspectos. Muitas vezes ele não consegue atestar a viabilidade ambiental do empreendimento. A própria licença prévia, concedida pelo Ibama, tem quarenta condicionantes. Ou seja, se um empreendimento tem quarenta condicionantes, e, em tese, um empreendimento só pode ser implantado se adequado a essas determinações, é porque ele não é viável do ponto de vista ambiental. Dois dias antes da concessão da licença, os técnicos do próprio Ibama, em parecer público, sustentavam que não havia elementos suficientes para a atestação da viabilidade ambiental do empreendimento. Talvez, por esse motivo, essa licença gerou a demissão de um dos diretores do Ibama na época e de coordenadores da área de hidrelétricas. Foi uma licença concedida e arrancada com uma política muito forte, e não com obediência dos processos.

IHU On-Line – O impacto da migração de trabalhadores para a região não foi considerado pelo governo na concepção do projeto. Se a usina sair, como seria esse impacto?

Guilherme Zagallo – Eles reconhecem a migração, mas não dão nenhum tratamento a isso. O município deve dobrar de tamanho. Hoje são 100 mil habitantes, e está prevista a migração de mais 96 mil pessoas. Essas pessoas que migrarão, em torno de 17 mil no pico da obra, trabalharão na construção. Só que essas pessoas não têm a qualificação necessária para a operação. A operação da usina vai movimentar apenas 700 pessoas. Passada a obra, ficará um caos social no município. Como se trata de exportação de energia, e não há atração de empreendimentos para gerar empregos no município, restará um problema social terrível na região e, com certeza, resultará no aumento do desmatamento, da ocupação irregular de terras indígenas etc. Essa região já tem muitos problemas socioambientais, e a tendência é que esses problemas sejam enormemente agravados com a construção da usina.

O impacto de migração já está acontecendo. Na semana passada, o jornal O Globo fez uma série de reportagens, indicando que isso já ocorre, e que algumas pessoas já estão se dirigindo a Altamira na expectativa de disputar os empregos que serão gerados com a construção de Belo Monte. Esse é um dos maiores problemas dos grandes projetos. O simples anúncio do empreendimento já causa a migração, e o poder público quase nunca consegue controlar esse processo.

IHU On-Line – Como o senhor vê a campanha mundial contra Belo Monte, lançada pelo diretor de cinema James Cameron?


Guilherme Zagallo – Na década de 1980, houve uma primeira tentativa do governo de construir Belo Monte. Na época, houve uma personalidade do mundo artístico mundial, o cantor Sting, que deu declarações contra, juntamente com o líder indígena, Raoni. Isso teve uma importância muito grande. A imagem do Brasil certamente vai ser muito afetada com a construção desse empreendimento,seja pelo aumento do desmatamento ou pelo impacto das populações indígenas.

O diretor James Cameron, sendo um cineasta que já arrecadou uma das maiores bilheterias do mundo, e que, recentemente, dirigiu Avatar, que tem uma temática ecológica, é uma voz que será ouvida. Já tivemos, em 2009, novas declarações do cantor Sting, retomando sua luta e participação. Certamente a construção desse empreendimento contribuirá para o aumento da imagem negativa do país na área ambiental.

IHU On-Line – O que está em jogo, uma vez que os alertas e as manifestações surgem de diferentes partes, em relação à ideia do governo de continuar com o processo de licenciamento?

Guilherme Zagallo – O governo quer produzir energia para empresas eletrointensivas. A própria Alcoa [uma das líderes mundiais na produção de alumínio], que tem uma mina de bauxita no município de Juruti, já sinalizou sua intenção de construir uma fábrica de alumínio. 70% do custo de produção do alumínio é energia elétrica. O que o governo está sinalizando é que a finalidade da construção de Belo Monte não é para atender necessidades de um empreendimento que gera emprego, mas para viabilizar empreendimentos eletrointensivos na região.

IHU On-Line – Então, o modelo do projeto explica a opção do governo...

Guilherme Zagallo – Sim, a opção do governo é que o Brasil seja um fornecedor de produtos semiacabados. Vivo na cidade de São Luís, onde há 25 anos se mantém uma fábrica que exporta lingotes de alumínio de 45 quilos, sem nenhuma verticalização ou integração. Isso vai para a Europa, Estados Unidos e para a Ásia para transformação em produtos com maior valor agregado. Aqui ficamos somente com o problema ambiental dos poluentes que são emitidos e do consumo excessivo de energia, que faz falta à nossa população.

IHU On-Line – Que alternativa deve ser apresentada em relação ao projeto de Belo Monte?

Guilherme Zagallo – Belo Monte, na nossa avaliação, é um projeto que deve ser cancelado. O Rio Xingu tem peculiaridades muito específicas, que dificultam ou praticamente impedem que esse processo seja corrigido. Acho que um estudo de impacto ambiental mais detalhado vai concluir, com mais rigor científico e técnico, que é inviável a implantação do empreendimento naquela região. Por isso, essa pressa toda na concessão da licença e na pressão sobre o Ibama. Esse processo que, no nosso ponto de vista, não é possível ser consertado.

IHU On-Line – A partir da divulgação do documento, nesta última quarta-feira, quais são os próximos passos a serem tomados?

Guilherme Zagallo – Feito esse lançamento na Câmara, enviaremos cópias do relatório ao Ministério Público Federal, ao governo brasileiro, ao Ministério do Meio Ambiente, de Minas e Energia, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a todas as agências envolvidas, Ibama e Aneel. Também para as agências internacionais, à própria Organização Internacional do Trabalho, já que conta com uma possível violação a uma de suas convenções, às relatorias internacionais da ONU, relacionadas à questão indígena. O relatório será enviado a uma série de autoridades, nacionais e internacionais, solicitando a adoção de providências.

Notas:
[1] A Plataforma DhESCA Brasil surgiu como um capítulo da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento (PIDHDD), a qual se articula, desde os anos 1990, para promover a troca de experiências e a soma de esforços na luta pela implementação dos direitos humanos, integrando organizações da sociedade civil de diversos países, em especial do Peru, Equador, Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia, Paraguai e Venezuela.

 

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