Política do comum: uma fonte direta de valor econômico. Entrevista especial com Christian Marazzi

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22 Março 2009

“A economia real se ‘internetizou’, de modo que a distinção entre trabalho material e trabalho imaterial não funciona mais”, aponta o economista francês Christian Marazzi, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Isso significa, explica, que “entramos numa fase do capitalismo cognitivo que tem, na sua crise permanente, a sua forma de funcionamento”.

Ao avaliar a crise do mundo do trabalho global que se estende do desemprego à pobreza, Marazzi diz que a saída para resolver esses problemas será longa. Sem muitas perspectivas, afirma ainda que “as novas diretrizes, as novas estratégias emergentes nesta crise global estão indo na direção de uma intensificação do trabalho e de uma redução prolongada do volume ocupacional, tanto nos países de capitalismo cognitivo avançado, como naqueles particularmente centrados na produção de manufaturas”. E completa: “As mudanças internas do mundo do trabalho vão depender muito da capacidade de relançar um ciclo de lutas sobre salário e horário de trabalho”.

Christian Marazzi esteve no Brasil no mês de dezembro, onde ao lado de Antonio Negri, Michael Hardt, Yabb Moullier Boutang e Giuseppe Cocco, participando do Seminário Mundo Vix, realizado de 10 a 12 de dezembro, na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e do Fórum Livre do Direito Autoral: O domínio do comum, nos dias 15, 16 e 17 de dezembro de 2008, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Marazzi é professor e diretor de investigação socioeconômica na Universidade della Svizzera Italiana. Também foi professor na Universidade Estadual de Nova York, na Universidade de Pádua, em Lauseanne e Genebra. Entre suas obras, citamos Autonomia (Mit Press, 2007) e Capital and language (Mit Press, 2008), em parceria com Michael Hardt e Gregory Conti. Neste mês de março, Marazzi vai lançar o livro O lugar das meias. A virada linguística da economia e seus efeitos na política, pela editora Civilização Brasileira.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste a política do comum? Como ela pode contribuir para resolver os problemas sociais e econômicos da sociedade?

Christian Marazzi – A política do comum parte das formas de atividade humana que se dão dentro daquilo que chamamos de biocapitalismo, ou seja, o capitalismo que faz do bios, da vida, uma fonte direta de valor econômico. Hoje, para trabalhar e para ser parte da rede social e de reprodução (da vida), coopera-se, ativa-se constantemente nas redes, produzem-se relações sociais, inovação e informação, enfim, se produz uma quantidade de valor que é utilizado pelo capital somente em parte (e somente numa mínima parte é reconhecido e remunerado!). O comum é tudo aquilo que excede estas quantidades de valor e a política deve saber um “rosto”, uma voz, uma forma de “representação” a este excedente.

IHU On-Line – Que relações podem ser estabelecidas entre consumidor e produtor, na sociedade atual?

Christian Marazzi – Existe uma sobreposição entre produção e consumo no biocapitalismo, no sentido que se produz consumindo. O consumidor, cada vez mais, produz aquilo que consome, como no “modelo Google” em que a atividade de browsing é ao mesmo tempo produtora de valor-informação. E este é o resultado do longo processo de colonização capitalística da esfera da circulação (a esfera das trocas de bens e serviços), um processo muito bem conhecido pelas mulheres, que na esfera da circulação-produção desde sempre produzem valor humano não reconhecido como capital.

IHU On-Line – Em O lugar das meias, o senhor aprofunda a análise da nova qualidade do trabalho. Nesse sentido, como ocorre a integração das atividades de produção e reprodução?

Christian Marazzi – As atividades produtivas são hoje prevalentemente atividades comunicativo–relacionais, ou seja, atividades nas quais o centro é a linguagem, a comunicação, a relação. O que une produção e reprodução são, portanto, as capacidades linguístico-comunicativas das mulheres e dos homens,  ou seja, atividades que tem uma valia universal, que são características universais do ser humano (animal lingüístico por excelência). O capital “põe em funcionamento” estas qualidades universais, e o faz privatizando-as, separando-as do corpo da força-trabalho.

IHU On-Line – O senhor afirma que a produção da riqueza é assegurada hoje por uma comunidade biopolítica. Pode nos explicar essa ideia? Em que sentido ela se relaciona com a questão do biopoder?

Christian Marazzi – A comunidade biopolítica é aquela que produz a partir das formas de vida. Neste sentido, as análises de Michel Foucault são particularmente úteis, mesmo se o capital conseguiu, desde os anos 80 até hoje, ir além do regimento político das vidas, no sentido de que hoje em dia o capital governa também economicamente as nossas vidas. Por esta razão, é essencial desenvolver também formas políticas de organização das comunidades biopolíticas.

As lutas e as mobilizações sociais destes últimos anos são sempre lutas e mobilizações transversais, em que está em jogo a comunidade na sua globalidade, a biocomunidade. É daqui que se precisa partir para repensar a política.

IHU On-Line – Vivemos hoje uma crise do sistema financeiro ou uma crise do capitalismo contemporâneo?

Christian Marazzi – O capitalismo contemporâneo é o capitalismo financeiro. O fato de a economia ter se financializado não é uma “degeneração” neoliberalista, mas a forma adequada e perversa do capitalismo contemporâneo. Cada vez mais a finança é o modo de tirar proveitos com base na quantidade de valor produzido na esfera da circulação, portanto fora dos processos diretamente produtivos.

IHU On-Line – Como o senhor define o trabalho cognitivo?

Christian Marazzi – O trabalho cognitivo é aquele que para ser executado ativa qualidades mentais, lingüísticas e comunicativas. É um “trabalho sobre o trabalho”, um meta-trabalho, no qual o processo produtivo é observado, lido, interpretado e operado no interior de uma rede de cooperação social.

IHU On-Line – O senhor diz que a explosão da bolha especulativa, em março de 2000, deve ser considerada a primeira crise financeira do capitalismo cognitivo. Considerando esse pensamento, em que etapa do capitalismo cognitivo pode ser classificada a atual crise financeira?

Christian Marazzi – Desde a crise da New Economy até hoje, o capital se desenvolveu ao longo das linhas de débito privado e da extensão do modelo Google (assim dizendo) desde os setores imateriais àqueles materiais. A economia real se “internetizou”, de modo que a distinção entre trabalho material e trabalho imaterial não funciona mais. Entramos numa fase do capitalismo cognitivo que tem, na sua crise permanente, a sua forma de funcionamento.

É o capitalismo cognitivo que funciona através das crises, crises cada vez mais aproximadas, durante as quais a inteligência coletiva é ás vezes “rompida”, destruída, desvalorizada.

IHU On-Line – De que maneira o trabalho imaterial interfere no salário dos trabalhadores cognitivos?

Christian Marazzi – Intervém de forma variável, como efeito da participação, identificação e cooperação nas atividades concretas do trabalho. As modalidades de remuneração desta parte variável são aleatórias e arbitrárias, baseiam-se quase sempre em critérios meritocráticos, e nunca levam em consideração a natureza social e coletiva do agir cognitivo.

IHU On-Line – Em que sentido as alterações na economia transformam o mundo do trabalho no Planeta? As transformações no mundo capitalista e a crise financeira transformam de modos diferentes o mundo do trabalho imaterial e cognitivo?

Christian Marazzi – O mundo do trabalho global está hoje totalmente em crise, e a saída desta crise será muito longa. Hoje, a transformação do universo do trabalho passa através do desemprego e da pobreza. As novas diretrizes, as novas estratégias emergentes nesta crise global, me parece, estão indo na direção de uma intensificação do trabalho e de uma redução prolongada do volume ocupacional, tanto nos países de capitalismo cognitivo avançado, como naqueles particularmente centrados na produção de manufaturas. As mudanças internas do mundo do trabalho irão depender muito da capacidade de relançar um ciclo de lutas sobre salário e horário de trabalho.

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