A MP 759 coloca terras da reforma agrária na mira do agronegócio

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17 Mai 2017

Prestes a ser votada na Câmara dos Deputados, a Medida Provisória 759 foi apresentada pelo governo Michel Temer, em dezembro de 2016, como uma solução para o antigo problema da regularização fundiária e urbana no Brasil. O resultado prático da proposta deve ser o aumento do assédio de grandes fazendeiros sobre pequenos assentamentos e agricultores.

A reportagem é de Renan Truffi e publicada por CartaCapital, 17-05-2017.

Além de mexer em mais de uma dezena de leis brasileiras de uma hora para outra, a MP altera de forma profunda as regras relacionadas ao Programa Nacional de Reforma Agrária. No discurso do Palácio do Planalto, as mudanças vão propiciar aos assentados os títulos definitivos das terras onde vivem. Mas o resultado prático deve ser o aumento do assédio de grandes fazendeiros sobre pequenos assentamentos e agricultores familiares beneficiados pelo programa nos últimos 30 anos.

A razão desse diagnóstico, feito por especialistas e movimentos sociais, é que o texto do governo possibilita a emancipação em massa dos assentados. A MP dá a possibilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conceder o título de domínio das terras a todos os assentamentos que tenham ao menos 15 anos de implantação.

O prazo poderia até ser considerado razoável, se não fosse contado a partir da data de regularização do assentamento. Pela lei agrária atual, esse prazo só poderia ser contabilizado a partir da concessão de créditos de instalação e da conclusão dos investimentos nos locais.

Isso significa que, mesmo assentamentos sem equipamentos mínimos de infraestrutura, por exemplo, podem ser emancipados do Programa Nacional de Reforma Agrária depois de 15 anos. Essa emancipação seria feita pelo Incra por meio da concessão dos títulos de domínio, ou seja, as famílias beneficiadas receberiam a posse das terras.

Com esses títulos em mãos e sem condições básicas para viver no local – saneamento básico, acesso aos meios de produção e assistência para agro industrialização em pequena escala--, os agricultores familiares ficariam sujeitos a vender essas propriedades para o agronegócio depois de 10 anos.

A MP propõe ainda que todos esses títulos de posse ficariam “inegociáveis pelo prazo de dez anos, contado da data de sua expedição”. Após esse período, independentemente do acesso às condições mínimas para produção de alimentos, esses títulos poderiam ser negociados com qualquer um. A medida subverta a lógica da “função social” da terra, previsto no programa da reforma agrária, já que essas propriedades rurais voltariam ao mercado comum.

“Essa titulação proposta pelo governo veio para tirar o homem do campo e reconcentrar a terra na mão do latifúndio”, critica Alexandre Conceição, membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). “A MP como um todo é o retrocesso da reforma agrária. A Constituição garante que a titulação tem que ser feita a partir da emancipação do assentamento: 80% dos assentamentos não têm a infraestrutura resolvida e acesso a todos os créditos”.

Desde 1995, 88 milhões de hectares foram adquiridos ou desapropriados para fins de reforma agrária no Brasil. O resultado é que todo esse território, equivalente a 1,5 vez o tamanho da França, pode entrar de vez no mercado de terras em alguns anos, se os assentados ficarem sujeitos ao assédio de latifundiários. Com rendimentos mensais modestos, os beneficiados aceitariam, possivelmente, propostas com valores inferiores aos praticados pelo mercado imobiliário.

“A alteração na Lei Agrária, por Medida Provisória, tem um objetivo: se livrar dos assentados da reforma agrária”, acusa o engenheiro agrônomo e presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gérson Teixeira. “Quais são os dispositivos que levam isso? É o dispositivo em que o governo antecipa o momento no qual se começa a contar os prazos para negociação do lote.”

Inconstitucional

Em nota técnica enviado ao Congresso Nacional, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF) defende que a MP 759 é inconstitucional por não ter “elementos que evidenciem urgência para sua edição”, preceito básico para uma Medida Provisória.

“Causa enorme espanto a adoção de medida legislativa extraordinária pelo Presidente da República para modificar mais de uma dezena de leis ordinárias aprovadas pelo Congresso Nacional, algumas das quais são fruto de processos legislativos que envolveram grande participação popular, o que representa grave distorção do sistema democrático”, diz o texto.

O órgão classifica de inconstitucional também o trecho que admite indenizações em dinheiro para os proprietários de imóveis rurais desapropriados pelo governo para a reforma agrária. “Na aquisição por compra e venda ou na arrematação judicial de imóveis rurais destinados à implementação de projetos integrantes do Programa Nacional de Reforma Agrária, o pagamento poderá ser feito em dinheiro, na forma estabelecida em regulamento”, afirma o trecho escrito pelo governo Temer. Até agora, essas indenizações só poderiam ser feitas em Títulos da Dívida Agrária (TDAs), resgatáveis apenas em parcelas anuais de forma escalonada.

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